ELMAR CARVALHO

 Neste domingo, minha mulher e eu fomos comer uma peixada na churrascaria, ou antes, na peixaria ou restaurante Pesqueirinho. Disse churrascaria para melhor designar o tipo de ambiente da casa gastronômica, que é amplo, com áreas cobertas e abertas, podendo o freguês escolher ficar à sombra de árvores. Em certos locais, o cliente poderá ter uma bela visão do rio Poti, com a sua renda de aguapés, ou as belas árvores ribeirinhas, mormente da margem oposta, em que também se vê uma extensa pastagem.

 

Não faz tanto tempo assim, ao lado do restaurante ficava o ancoradouro de um pontão, que atravessava carros e passageiros, de uma margem à outra, em constante vaivém, fora o movimento das embarcações menores, que conduziam apenas pessoas, bicicletas e pequenas cargas. Com a construção da ponte, algumas centenas de metros a jusante, cessou esse comércio de passageiros, que dava um tom pitoresco de cidadezinha ao local. Dali, vê-se a curvatura da ponte, que liga os bairros Poti Velho e Santa Maria da Codipe. O Poti Velho tem hoje um importante centro artesanal, e continua sendo o local onde moram muitos operários de olarias e pescadores.

 

Pode ser considerado o mais antigo bairro de Teresina. Quando o Conselheiro Saraiva, em 1852, fundou a cidade de Teresina, ele era um povoado, situado quase na confluência do Poti e do Parnaíba, onde hoje fica o Parque Encontro das Águas, ponte turístico da capital. Saraiva achou que o local seria insalubre e suscetível de enchentes, pelo que preferiu instalar a nova capital a montante do Parnaíba, na chapada do Corisco, onde fica o centro histórico teresinense.

 

Nas lendas, anedotas e mistificações, que podem ou não ter um fundo de verdade, o conselheiro teria uma amante no povoado, razão determinante para que ele criasse a nova capital em sua proximidade. Talvez tudo não passe de simples maledicência ou brincadeira, não sei ao certo. Em junho, o bairro, através da Igreja Católica, promove o movimentado festejo de São Pedro, com as instalações de barracas para venda de comidas e bebidas, boxes de jogos, realizações de quermesses e novenas, além de outros eventos profanos. O ponto culminante é a passeata fluvial, com os barcos acompanhando a imagem de São Pedro pelos rios Parnaíba e Poti, no trecho que vai do troca-troca à praça da matriz do bairro.

 

No Pesqueirinho vi várias esculturas de animais, como coruja, papagaio, águia e tucano, que não existem, pelo menos nos dias de hoje, na região ribeirinha. Apenas a garça retrata espécime que vive ali. Por coincidência, numa das fotografias que tirei, uma garça de verdade aparece por trás da esculpida, fixada na mureta do terraço da casa de pasto. São obras de cerâmica que podem ser compradas no centro de artesanato do bairro.

 

O tucano, com o seu bico enorme, desproporcional em relação ao corpo, parece querer contrariar as leis da aerodinâmica, pois voa sem nenhum problema. A coruja tornou-se símbolo da sabedoria, apesar de noctívaga, sorumbática, tida como aziaga; talvez isso se deva ao seu ar meditabundo, em que seus olhos grandes, arregalados, parecem tudo enxergar, tudo perscrutar e compreender. O papagaio, animal inteligente, a arremedar a voz humana, designa o homem falador, falastrão, de incontinência verborrágica, muitas vezes um simples decoreba, sem ideias próprias.

 

Vi ainda a escultura de um pescador a segurar um enorme peixe, praticamente de seu tamanho. Lembrei-me de antigo cartaz de propaganda do purgante emulsão de Scott, que segundo a legenda era feito à base de fígado de bacalhau. A catrevagem ou beberagem era tida como uma verdadeira panaceia, mormente para as pessoas de poucas letras, e era bastante vendável. Podia ser encontrado em qualquer farmácia ou drogaria interiorana. No cartaz, um pescador, profissional tido como mentiroso, carregava às costas um peixe quase de seu tamanho, sem fazer esforço, a demonstrar o suposto vigor proporcionado pela emulsão.

 

A escultura também me fez lembrar o romance de Ernest Hemingway, O Velho e o Mar, em que o obstinado pescador, enfrentando uma maré de azar, dia após dia, lançava seus apetrechos de pesca ao mar, sem sucesso. Após vários dias de persistente trabalho, Santiago consegue pescar um peixe descomunal. Ao chegar à praia, após tremenda luta, o velho pescador constata que o espadarte fora devorado pelos tubarões, que só lhe deixaram o esqueleto, como troféu de uma glória quase inglória ou inócua. Contudo, por ser o maior peixe capturado naquela paragem, serviu para lhe elevar o moral ou astral, com o consequente respeito de seus pares.

 

Tive a satisfação de encontrar no recinto, à sombra de frondosa árvore, o desembargador Tomaz Gomes Campelo, dona Gracy e dois dos filhos do casal amigo. Ao cumprimentá-lo, pedi licença para fotografá-lo com a família. Com a sua lhaneza e conhecida elegância, sorriu, e permitiu-me retratá-lo. Constantemente o encontro em eventos culturais, como conferências, posses acadêmicas e lançamentos de livros. Tenho a honra de ser seu confrade em várias instituições culturais, entre as quais cito: Academias do Vale do Longá, da Maçonaria, da Magistratura, do Médio Parnaíba. É ele o atual titular da União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI, de que tive a honra de ser presidente nos idos de 1988/1990.

 

Numa das paredes, vi um banner com o retrato de Edvaldo Robert da Silva, no qual foi grafada a frase: “Não lembres de mim com tristeza, lembre-se dos momentos felizes e alegres que vivemos”. Era ele o proprietário do Pesqueirinho, bar e restaurante tradicional de Teresina, de grande e fiel clientela. Perguntei a um dos garçons quando ele falecera. Respondeu-me que fazia 31 dias de sua morte. Pude sentir que os garçons são educados, prestativos, atenciosos, e que os herdeiros haverão de conduzir o barco do Pesqueirinho, por águas tranquilas, sob céu de brigadeiro, a porto seguro e venturoso, como expressou no cartaz o seu antigo timoneiro.