Mordendo o próprio rabo
Em: 09/07/2006, às 21H00
Devo dizer que li as declarações de Yuri, e senti firmeza. O rapaz, que agora pode começar a ficar tão famoso quanto seu simulacro, sabe de algumas coisas. Leu Pierre Bourdieu que, antes que surgisse a recente Nathalie Heinich era o sociológico que melhor enquadrara a questão da arte contemporânea e do marketing. E o que Yuri diz faz sentido. Diz que usou o jornal como “suporte”. Sem o jornal sua arte não existiria, pois “ o jornal acaba sendo um meio de espetacularização da arte”. E com isto lembra Bourdieu que dizia que cinco minutos de jornal valem mais que uma palestra para cinco mil pessoas.
Há várias ilações a tirar disto tudo. Acusar a direção do museu, acusar a imprensa ou o artista não esclarece a questão. Há que compreendê-la mais amplamente. Sim, vivemos um tempo de “artistas sem arte”. Duchamp desde 1913, expunha objetos industriais como se fossem obras suas, assinava pintura alheia como sua, emitia cheques que ele mesmo fabricava. Yves Klein em 1958 fez uma “exposição” em Paris onde as paredes da galeria estavam sem nada. Creio que foi ele o autor de um catálogo de exposições e obras suas inventadas, inexistentes. Portanto, essa questão “contemporânea” é velhíssima.
A maioria dos artistas chamados de “contemporâneos” caiu na armadilha que eles mesmos prepararam. Claro que alguns estão faturando bem os paradoxos. Há uma série de falácias em torno de certa arte em nossos dias. Primeiro, que tudo é arte, que todos são artistas. Segundo: não-arte e/ou anti-arte é igual à arte. Terceiro: negar a aura do museu e da galeria para entrar no museu e na galeria. Quarto: achar que só existe arte onde há transgressão e que transgressão por si mesma é arte. Quinto: dizer que a cópia é igual ou melhor que o original, que o original é descobrir uma coisa nova para copiar. Sexto: o efeito, o escândalo, a notícia sobre a obra é mais importante que a obra. Sétimo: a obra tem que causar “mal estar”.
Essas e outras questões fazem com que o conceito de arte, hoje totalmente vazio e indefinido, seja confundido com “pegadinha”, com “1º de abril”, com escândalo, qualquer happening e instalação. Tempos estranhos esses em que o simulacro do sujeito vale mais que o sujeito, em que o simulacro da obra vale mais do que a obra.
A intervenção que Yuri Firmeza fez é, portanto, rica de significados. Tem significados que ultrapassam o que ele pretendia. É situa-se no paradoxo da própria arte atual. Enquanto a arte contemporânea, não conseguir desatar o nó dado por Duchamp ela vai continuar como uma cobra mordendo o próprio rabo.
20.01.06- in Estado de Minas e Correio Braziliense
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