MEUS TEMPOS EM CURIMATÁ
Por Elmar Carvalho Em: 17/03/2011, às 17H11
ELMAR CARVALHO
Vez ou outra, ao entardecer ou no silêncio da madrugada, escuto o relincho ritmado, vibrante, metálico, quase musical, de um jumento, certamente com pendores artísticos. Disse relincho, mas quase dizia canto, porque a voz desse asno é algo semelhante ao som de um instrumento de sopro. Por vezes o jegue se dá ao requinte e virtuosidade de emitir um sustenido ou mesmo um melodioso falsete. Isso me fez recordar, por motivo que adiante será esclarecido, da madrugada solitária e fria, no início de minha carreira, quando, na qualidade de juiz substituto, assumi a Comarca de Curimatá, por quatro meses e alguns dias. Depois da longa viagem de mais de setecentos quilômetros, em desconfortável ônibus, com grande parte da estrada devastada por imensas crateras, cheguei a meu destino. Se bem me recordo, desceram duas ou três pessoas, que logo se dirigiram para suas casas. O ônibus seguiu para Avelino Lopes, de modo que fiquei sozinho no banco da praça central, à espera da pessoa que iria me abrigar até eu conseguir pousada.
Como disse, a solidão era absoluta, de modo que me senti desamparado, na terra estranha e distante. Para me distrair, fiquei a olhar as casas e os logradouros. No centro da praça havia o fórum e o prédio da prefeitura. Mais adiante, numa esquina, erguia-se o edifício do Banco do Brasil. Bem perto do local em que me sentei, um jumento pastava o tenro e verde capim que ornava a praça, sem ser incomodado por ninguém, nem mesmo por eventual e zeloso vigia do jardim público. Se bem que o jegue mais se assemelhava a um servidor público, a executar gratuitamente o serviço de capina. Logo chegou dona Miraísa, que era a chefe do cartório eleitoral e escrivã da Justiça comum. Era ela viúva de um ex-prefeito do município. Posteriormente, seu filho, então estudante do curso de Direito, veio a se tornar alcaide de Curimatá. Já não me senti mais abandonado, e fui esperar o dia amanhecer em sua residência, onde tomei banho e café.
Felizmente, o doutor Carlos Washington Machado, promotor de Justiça, com a sua lhaneza e elegância habitual, convidou-me para ocupar um quarto do apartamento funcional do Banco do Brasil de que ele era locatário, depois de ter providenciado uma singela solenidade de posse. Nessa curta temporada curimataense, convidado pela prefeita Estelita Guerra de Macedo, participei de evento cultural no campus da UESPI, em que discursei e recitei poema de minha autoria. Nessa cidade, da qual guardo boas recordações, fiz amizade com o sr. Mundinho Mascarenhas e com o rábula Vogado, que eu chamava, brincando, de Ad-Vogado. Ambos tinham interesses culturais, e entretivemos boas conversas. Na companhia dos dois, fui conhecer a pequenina e vetusta Parnaguá, ornada por um grande lago, referto de encantos, lendas e mistérios, terra do romancista e contista Oton Lustosa, magistrado e meu confrade da Academia Piauiense. Às vezes, ao contemplar as carnaubeiras e a serra de Parnaguá, azulando na direção de Avelino Lopes, uma melancolia se infiltrava na minha alma ao me recordar de minha longínqua terra natal.