Filosofia para crianças - o que é isso?
Por Paulo Ghiraldelli Jr Em: 16/03/2013, às 19H57
[Paulo Ghiraldelli jr.]
Tudo que a criança não precisa é que lhe tirem a curiosidade. Mas todos nós sabemos o quanto amamos frases do tipo “Deixe de ser curioso”, “Não olhe fixo nas pessoas”, “Não faça perguntas”, “Não xereteie”, “Não seja bisbilhoteiro”, “A curiosidade matou o gato” etc.
Temos essas frases como jargões para lidarmos com crianças e as usamos tanto de maneira branda e brincalhona quanto de modo ríspida e torturantemente admoestadora. Como pais, professores ou adultos nossa especialidade é obstruir o caminho da curiosidade. Somosexperts em não deixar que o filósofo existente em cada criança se desenvolva. Todas as perguntas das crianças que parecem frutos de muita imaginação não são incentivadas, não recebem interlocução. Dizemos para a criança “nossa, de onde você tirou isso?”, e depois, para nós mesmos, falamos algo como “criança diz cada uma!” Isso quando não repreendemos mesmo a criança, se achamos que além de absurda a pergunta está indo pelo caminho do “despudorado”.
A “Filosofia para crianças” como uma prática escolar se justifica se puder caminhar efetivamente no sentido contrário de nosso corriqueiro comportamento adulto diante das crianças. Não se trata de ter material ou livros para “Filosofia para crianças”. Isso é uma tolice. Trata-se de ver que o material são a fala e o comportamento geral da criança, pois é com isso que o filósofo que se dispõe a filosofar junto com as crianças vai lidar. Seu papel fundamental é dar interlocução para a criança especialmente quando ela se põe a fazer as perguntas que naturalmente faz, na fase da vida em que dizemos que elas são filósofas. Todos nós temos essa fase. É uma benção que uma criança ponha o seu filósofo para funcionar e, nessa hora, tenha ao seu lado um filósofo profissional, adulto, sensível ao filosofar infantil.
Brincar junto e no meio das crianças – eis aí a tarefa do filósofo que quer fazer “Filosofia para crianças”. Nessa atividade, o filósofo não deve deixar passar os momentos felizes em que ele encontra o outro filósofo, aquele do interior de cada criança, que mais cedo ou mais tarde inventa de aparecer. Em geral, as crianças são filósofos pré-socráticos. Elas fazem perguntas que encontramos nos primeiros filósofos. Ora, nós filósofos, se estivermos ali com elas, só precisamos empurrar um pouco, dando continuidade à conversa, provocando-as a experimentar algumas soluções propostas pelas escolas filosóficas. Garanto: o filósofo que fizer isso, vai se surpreender. Verá que as perguntas tipicamente filosóficas das crianças não serão “fogo de palha”. Elas farão outras, mas voltarão às mesmas, entrando em um estado tal de perplexidade que poderá ser reconhecido como aquele que Sócrates e Platão diziam ser o início da filosofia.
“Filosofia para crianças” não é “contar histórias para criança”. Também não é a utilização de um “método” de um livro, de um material específico. O objetivo não é tornar a criança “crítica” ou “questionadora”. Também não é o pedante “ensinar a pensar”. Filosofia para crianças é dar interlocução para as crianças que, naturalmente, sempre são pequenos filósofos. Essa interlocução deve se fazer no sentido de abrir o caminho para que a criança possa fazer experiências com o pensamento. O filósofo existente na criança deve encontrar no filósofo adulto aquele que acolhe a sua “loucura”.
Uma criança de seis anos: “mãe, se eu chutar uma bola e o tempo parar, a bola vai ficar no ar?” A mãe filósofa: “tudo para se o tempo parar?”
Ora, se a criança é alfabetizada, então, mais passos são possíveis, nossos melhores escritores estão repletos de situações em que a filosofia está presente. Por exemplo, penso naquela situação sobre o “surgimento da linguagem” e, de modo específico, a questão de “como que se começa a falar?”. Monteiro Lobato nos deu Emília, uma boneca que um dia tomou uma pílula para falar e virou uma falante. Uma falante compulsiva e que dizia muita bobagem. Emília falava muita bobagem. Isso ocorria, parece, porque ela ganhou a fala sem a possuir, ainda, no seu interior, servindo ao pensamento. Emília ganhou a fala já completa, abruptamente, portanto também o pensamento veio abruptamente. Pronto, eis aí uma questão interessante de colocar entre as crianças, alfabetizadas ou não, mas, de modo até mais produtivo, com as já alfabetizadas.
“Filosofia para crianças” tem tudo para ser uma disciplina na escola brasileira. Há filósofos aptos para isso. Mas, antes de tudo, precisa-se de professores realmente filósofos. Devem ter cursado a universidade, no curso de filosofia – pouco importa, no caso, se bacharel ou licenciado. Só um filósofo profissional reconhece o outro inteiramente. E “Filosofia para crianças” é isso, o encontro de filósofos.
© 2013 Paulo Ghiraldelli, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ