Capa do Jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, com reportagem do poeta-editor Dinarte Albuquerque a Andrei Andrade
Capa do Jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, com reportagem do poeta-editor Dinarte Albuquerque a Andrei Andrade

[Dinarte Albuquerque Filho]

Relendo o que disse para o Andrei Andrade (jornal Pioneiro, edição deste final de semana, dias 10/11 de fevereiro, com registro fotográfico do Porthus Jr.) sobre os planos da editora Liddo, me ocorreram outras tantas coisas – a memória é remexida e é quase sempre assim, o não-dito supera o que foi dito...

A Liddo Editora foi criada em 2004, depois de eu ter publicado “Romã”, com Fátima Jeanette Martinato (1991), e “Um olhar sobre a cidade e outros olhares” (1996), inicialmente para formalizar minhas publicações, já que os dois primeiros livros não tinham ISBN, sequer código de barras, o que inviabilizava o posicionamento em livrarias e outros pontos de venda – de lá para cá, somam-se 27 inscrições na Câmara Brasileira do Livro (CBL), compartilhadas com colaboradores na área gráfica: Ernani Carraro, Mario André Coelho, Igor Luchese, Tati Rivoire, Natalia Bianchi, Fredy Varela, Gio e Doug, entre outros.

Aprendi um pouco, nesses anos; por exemplo, um editor não pode se limitar a publicar o livro: ele deve dar segurança ao autor, fazer com que haja interação com o público, em conversas, presenciais ou online, divulgação com postagens e espaços na mídia convencional, em feiras do livro e encontros de toda a ordem, o que vai se construindo aos poucos, dependendo muito da acolhida de escolas e instituições, como na Fundação Marcopolo, por exemplo, e, claro, da dinâmica dos autores.

Nas esteira das considerações, fui além: lembrei-me do período em que saraus eram uma sistemática quase natural como forma de estar inserido na comunidade.


Lembrei-me de minha primeira apresentação poética, eu que preferia o silêncio, lá pelo final dos anos 80. foi na 1ª SACO – Semana de Arte da Comunicação, realizada na praça Dante pelos estudantes do curso de Relações Públicas da UCS, quando ainda existia o calçadão e o espaço que ocupávamos era considerado um rinque de patinação – dali, recitei alguns versos e, no final da apresentação, intrometido no show da banda Nariz de Porcelana, tomei “um banho” de sopa de letrinhas (sério, dois pacotes de massa numa panela, despejados sobre mim, que depois me escondi atrás das caixas de som e fui até cumprimentado por algumas pessoas que entenderam a proposta, eu acho, ou perceberam que eu havia ficado sem jeito...).

Vieram outras tantas: no bar Estação Finlândia, no Voo Livre... Esta tem em vídeo, assim como a da Estação Férrea, em algum lugar do passado, pelas lentes do Geraldo Susin – fora as “participações” do lado de fora, sem sermos esperados, na calçada mesmo.

Lembro, também, uma ocasião nas escadarias do bloco H, da UCS, quando o Petry e eu lemos nossos poemas enquanto o guardinha do bloco tentava entender o que estava acontecendo e o Petry, muito tranquilo, informava que era um atividade de uma disciplina qualquer, ligada à poesia (imaginem só!).

Como não lembrar da ação que fizemos numa livraria em Porto Alegre, eu, Petry e Fabiano, apresentando o livro “3” (de 2005, com apresentação do poeta Marco de Menezes), abaixo de uma chuva que provocou mais um dos tantos alagamentos das ruas da Capital – a água quase invadindo a livraria, que acolhia uns poucos leitores (pouquíssimos, na verdade)...

Outra: quando eu estudava na Unisinos e convenci Maurício e Marcelo (formávamos, então, o Nukitangi) a nos apresentarmos no bar do DCE – um bando de bebuns na plateia e ninguém para prestar atenção; fizemos a performance e, na saída, o dono do espaço nos encheu de desculpas e de cervejas... valeu a festa e a folia.

Mas com os dois foram feitas algumas coisas muito bonitas – não só a da Estação Férrea (que ainda tinha o Le Daros, o Pastor, o Claudio Otts e, para encerrar, a Miriam Gazola, que nos apresentou uma versão à capela de “Ponta de areia” ante um pôr de sol espetacular): estivemos no Festival Guernica (alguém lembra?), no Teatro Municipal, quando fizemos a apresentação “Caixa, Caixinha, Caixão – Tributo a Ciro Monteiro”; e num teatro em Porto Alegre, quando montamos a parafernália percussiva e, pouco antes de abrirem-se as cortinas, percebemos que estávamos de costas para a plateia, de frente para a parede do teatro – ainda bem que nos demos conta antes...

São tantas intervenções e tantas saudades de ações espontâneas – outras nem tanto: passamos várias tardes de sábado ensaiando no sótão da casa do Marcelo, no bairro Cinquentenário, elaborando sequências de poemas e ritmos criados em instrumentos improvisados, como canos de PVC, encerrando as sessões com alguns chopes no Maria da Toca ao final da tarde.

De tudo isso, fica o fortalecimento do fazer poesia e do dizer a poesia para quem está a fim de ouvir – mesmo que não saiba dessa vontade...