[Bráulio Tavares]

 


Fala-se muito que os escritores hoje em dia estão mais preocupados em fazer marketing do que em escrever. Que injustiça com o século. Quem foi que teve pela primeira vez a bela idéia de fazer lançamento de um livro com noite de autógrafos? Um marqueteiro “avant la lettre”. Fico imaginando um autor sisudo como Tolstoi recebendo uma carta de seu agente literário: 

“Prezado Leo Nikolayevitch: Tive uma excelente idéia para o lançamento de Guerra e Paz. Ao invés de mandar os exemplares para as livrarias e cruzar os dedos, podemos fazer da aparição deste romance um acontecimento de que toda a Rússia tomará conhecimento, o grande acontecimento de 1869. Primeiro, reservaremos um espaço público, bem conhecido, bem frequentado. Pode ser uma livraria, um restaurante. Divulgaremos através da imprensa que nessa noite você estará presente, em pessoa, e que cada leitor que comprar um livro terá direito a dirigir-se a você e pedir não apenas seu autógrafo, mas uma dedicatória personalizada! Como deve aparecer muita gente, deixaremos uma mesa reservada só para você fazer isto, e se houver muita gente pediremos que se organizem numa fila. 

“Pensei em tudo: como você vive se queixando de má memória, a pessoa que vender os livros e passar o troco escreverá o nome do comprador num papel e o colocará dentro do livro, para que você possa fazer aquela encenaçãozinha: “Mas que beleza, que honra tê-lo aqui... esta noite... me prestigiando... meu caro Fiódor Mikhailovitch!!!...’ Sacou? Aproveitaremos para servir um coquetel, provavelmente vinho branco servido naquelas tacinhas de plástico que quando cheias ficam mais pesadas na parte de cima do que na de baixo e se desequilibram com a maior facilidade, principalmente quando colocadas na beira das prateleiras de uma livraria. Creio (um romancista como você me dará razão!) que pequenos imprevistos assim conferem uma sensação de espontaneidade e verdade psicológica ao evento. 

“Leo, meu caro... Conheço meu gado! Sei que a esta altura você estará franzindo o sobrolho e erguendo objeções mudas a esta minha estratégia. Mas pense na concorrência, rapaz! A Rússia tá pegando fogo de escritores bons, está cheia de jovens pitbulls das letras rosnando em seus calcanhares, para nem falar em futuristas como Maiakóvski, que ainda nem nasceram mas que herdarão a Terra. Você não pode dormir sobre seus triunfos. Temos que usar os poucos recursos de que dispomos, tendo em mente inclusive que Hollywood ainda não filmou o romance e isto inviabiliza meu plano de botar a foto de Audrey Hepburn na capa da edição em pocket. Você diz que seu compromisso é com os leitores? E então? Dê aos seus leitores aquela ilusãozinha de que são amigos seus, de que você, durante os poucos segundos que dura um autógrafo, tomou conhecimento da existência deles. O século 20, meu caro Leo, vai ser de quem convencer a platéia de que ela é mais importante do que o palco. Grave isto. No mármore.”