Escritor profissional
Por Bráulio Tavares Em: 22/05/2013, às 19H32
[Bráulio Tavares]
Raymond Chandler tem dois episódios muito curiosos, em sua carreira, que têm a ver com o conceito de profissionalismo. Ele nunca tinha sido escritor profissional; era executivo de uma empresa petrolífera, muito competente, mas bebia pra caramba e acabou demitido. Aos 44 anos, resolveu escrever contos policiais para ganhar a vida. Conta-se que quando enviava um manuscrito (para ser mais exato, um datiloscrito) à redação da revista Black Mask, o editor chamava a equipe inteira para ver. Chandler datilografava os contos justificando a margem direita, ou seja, terminando todas as linhas exatamente abaixo uma da outra. Ora, isso dá um trabalho terrível, porque ao chegar perto do fim da linha a gente tem que contar quantos espaços faltam, e organizar as letras e sílabas do texto (inclusive a hifenização das palavras incompletas) para encaixar nessa margem vertical. (O computador faz isso automaticamente hoje). Na correspondência comercial, cartas, ofícios, isso é de praxe, mas porque são textos curtos, formais. Num conto de 20 ou 30 páginas, é loucura. E Chandler, sem saber que não precisava, fazia assim. O pessoal balançava a cabeça, perplexo: “Esse cara, além de escrever bem, é doido”.
Seus biógrafos (Frank MacShane, Tom Hiney) contam que em 1943, aos 55 anos, ele foi convidado a adaptar para a Paramount o romance Double Indemnity de James M. Cain, a ser dirigido por Billy Wilder. Chandler chegou no escritório do produtor e disse, cheio de empáfia: “Hoje já é terça-feira, e só vou poder entregar o roteiro na próxima segunda. E quero receber mil dólares”. (Que para ele, na época, era uma fortuna.) Os caras se entreolharam e um deles disse: “Mr. Chandler, o sr. tem 14 semanas para fazer o roteiro, e vai receber 750 dólares por semana”.
São episódios típicos de escritor novato, que não é do ramo. Curiosamente se referem a um escritor maduro, não a um rapaz de 20 anos. Uma editora (ou um estúdio) tem sua mecânica interna, sua rotina, dia após dia, ano após ano. Escritores em geral têm apenas uma vaga idéia desse processo. Quando é um autor voluntarioso, cheio de idéias, às vezes ele tem exigências que não fazem parte do que a editora pretende oferecer. Muitas polêmicas entre autores e editoras se devem a esse desencontro, porque o autor, desinformado sobre a rotina de produção editorial, cria expectativas infundadas ou irreais. O exemplo mais comum é a pressa: “Se o livro foi aceito em janeiro, por que não pode estar nas livrarias em março?”. Ou o famoso telefonema: “O que achou do romance que deixei aí anteontem?”. Não é assim, Mr. Chandler, mas de repente pode ser até melhor do que o sr. imagina