Escolas públicas (estaduais em municipais) do Rio de Janeiro
Por Cunha e Silva Filho Em: 05/09/2021, às 21H16
Escolas públicas (estaduais e municipais) no Rio de Janeiro
Cunha e Silva Filho
Você sabia, leitor, que há professores do ensino superior que têm vergonha – esta é a palavra mesmo – de confessarem que, algum tempo atrás, já foram professores da rede estadual ou municipal? Pois é. Se vexam de serem mal interpretados, como se a condição de professor universitário os fizessem melhores . Vergonha tenho eu de constatar que professores assim se comportam. Não são, na verdade, professores no sentido mais rigoroso do termo.
São vaidades em forma de professor. Lembro de que o crítico Afrânio Coutinho (1911-2000), segundo me informaram, tinha o maior gosto de ser chamado de professor, simplesmente professor, sem o penduricalho de “universitário ou de “doutor.” Ora, leitor, professor, seja de que nível for, se tiver talento e vocação para o ensino, será estimado pelos seus pares Ao contrário, se for um professor universitário medíocre, sem vocação e investido apenas de empáfia e de soberba, nunca terá a consideração de seus colegas acadêmicos. “Mas, você está enganado, colega,” me apartaria o tipo de professor descrito no parágrafo acima.” Se você é professor do ensino superior, isso lhe dá status, respeito da sociedade”
Talvez neste ponto o vaidoso professor esteja certo ao se referir ao pensamento comum e médio da sociedade. Ainda assim, vejo que esse comportamento de um professor que se constrange em declarar ter lecionado no ensino fundamental ou médio, é um sinal de estreiteza espiritual e de empobrecimento mental. Pense-se no passado, fixemo-nos nas décadas de trinta, quarenta, cinquenta e até inícios de sessenta, e vemos como o professor ginasiano ou do ensino médio (nível clássico, científico, técnico, o que for) era muito respeitado, e respeitado também pelo aluno e pela sociedade.
E veja que grande parte deles, nos tempos mais recuados, não detinha nem mesmo diplomas do ensino superior, do que hoje se chama graduação específica através do bacharelado e da licenciatura. Naqueles tempos, era uma honra ser professor do ensino médio ou do ginásio. Até na indumentária, o professor se distinguia. Ia dar suas aulas bem vestido, de terno, bem cuidado.
Absurdamente, foi com a Escola Nova que a figura do professor, com exceção dos do ensino superior, se abastardou para infortúnio da sociedade que não soube valorizá-lo. Digo isso por experiência própria, pois com orgulho fui professor do ensino fundamental e médio durante toda a minha atividade docente somente abrindo exceção para o período de dez anos em que lecionei em universidade e mesmo assim concomitantemente com o ensino médio.
Não me pejo de todo esse currículo vasto e longo da minha vida no magistério. Vou- lhe contar um segredo: conheci muitos professores do ensino médio de altíssimo nível, professores natos, estudiosos e que produziram muito nas suas áreas de atuação. Conheci um professor do mais alto nível e do qual tive a honra de ser aluno que nunca negou ter sido professor do ginásio, do ensino médio e só depois, dedicou-se inteiramente à universidade.
E não me refiro aqui apenas aos professores do ensino fundamental e médio dos grandes colégios que ministram estes níveis de ensino, como o Colégio Pedro II, o Colégio Militar mantido pelo Exército Brasileiro, Escolas Técnicas e outras semelhantes. No meu estado natal, o Piauí, da mesma forma, fui aluno de grandes mestres no ginásio e no científico dos quais sinto o máximo orgulho, contando, entre eles, com o exemplo do meu pai, o professor Cunha e Silva (1905-1990), que me lecionou francês no Ginásio “ Des. Antônio Costa,” em Teresina.
São muitas as figuras eminentes de professores desses níveis. Não foram, contudo, os professores que degradaram o ensino brasileiro público. Foram os governos de uns anos para cá, com políticas educacionais enganosas, onde o ensino valia mais pela burocracia e pelas estatísticas enganosas. De nada vale uma modernização de fachada na escola brasileira pública se, na prática, pouco se fez notar de mudanças progressistas. Só demagogias, contando com o conluio e o silêncio nefasto de grande parte do professorado.
Com o crescimento estrondoso da população brasileira, e, por conseguinte, com o aumento ciclópico do número de alunos em todo o país, sobretudo de estratos baixos e médios da sociedade, a educação se tornou de massa, e não se deu, em troca, uma sustentação pedagógica efetiva, real, correspondente aos avanços do campo da Educação no mundo civilizado.
Ou melhor dizendo, com o desenvolvimento das teorias ligadas ao ensino e à aprendizagem, só uma parcela pequena da escola brasileira tem acesso a esse avanço de técnicas e de didática no ensino-aprendizagem, a do aluno pertencente aos aquinhoados economicamente que podem estudar nas grandes e prestigiosas escolas particulares brasileiras, ficando a outra parte da população em idade escolar relegada às escolas das prefeituras e da rede estadual.
O crescimento do país em algumas áreas pôde ter nível de excelência, mas a educação pública dos estados e municípios não se beneficiou desses avanços econômicos, tecnológicos e de alto padrão de ensino só acessíveis às famílias de elevado poder econômico. Aqui se explica o descompasso gritante entre o ensino público e o privado de alta qualidade, não se olvidando o fato de que, no ensino privado há, conforme o nível e estrutura de cada escola, o mesmo nível de descalabro didático-pedagógico que se igual, assim ao ensino público em geral. Esta é uma das indecências de ensino fundamental, médio e - não podemos calar - superior privado nacional.
Com o abandono do ensino público municipal e estadual pelas autoridades responsáveis pela educação de forma generalizada e por longos anos, prejudicada ainda pela deterioração crescente dos baixos salários, o professor teve sua profissão aviltada, desrespeitada, colocada em plano subalterno em relação a outras carreiras liberais. E nisso os professores não contaram com o apoio dos pais dos alunos que só sobem cobrar dos docentes e não lhes perguntam por que razão n]ao exibem um ensino de qualidade real.
Em passeatas de professores reivindicando há longos anos por melhoria de condições de trabalho e de salários, os mestres nunca tiveram o apoio e a solidariedade nem das famílias nem da mídia que, muitas vezes, em reportagens colocam os pais de alunos contra o professorado. Em país capitalista como o nosso, só se respeita um profissional quando este é bem remunerado, o que é uma insensatez e falta de sensibilidade da sociedade brasileira, talvez não só brasileira, pois em alguns outros países o professor não é tampouco bem remunerado. Ouvi isso, certa vez, em seminário para professores de in glês minsitrado por uma professroa americana.
O nível de consciência da sociedade brasileira está longe de atingir aquele ponto exato em que a família bem esclarecida compreenda os valores e a dimensão da atividade do ensino. Só com uma sociedade esclarecida e politicamente consciente é que se conseguirá valorizar a figura do professor, o seu trabalho, a grandeza do que significa para o desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico e científico de uma nação que se preza e aspira a um desenvolvimento integral.
Enquanto tivermos governos que desprezam os valores do ensino, da educação, da aprendizagem efetiva e da pessoa do professor do ensino fundamental e médio, as nossas escolas públicas municipais e estaduais não passarão de ser reservatórios onde grassam a criminalidade, o uso da droga, a violência nas escolas e contra a os professores que há muito perdeu o respeito de alunos delinquentes – isso mesmo! - que vão às escolas somente para atrapalharem a atividade do professor, constrangendo-os e até mesmo – e são muitíssimos os casos em todo o país - praticando, repito, atos de selvageria contra os docentes, utilizando palavras de baixo calão contra os mestres, desrespeitando o interior da sala de aula, provocando neste ambiente, que deveria ser sagrado para o exercício da aprendizagem e a convivência harmoniosa entre alunos e mestres, brigas entre si, tumultos, gritarias, impossibilitando qualquer aprendizagem em sala.
É o pior momento vivido pela escola pública brasileira, momento - diria - , no passado como sobretudo no presente. A atual fase em que se encontra o ensino público do Rio de Janeiro talvez seja a mais grave se confrontada com um período que tão bem vivenciei como professor da rede pública. Aludo ao período que medeia entre os anos 1976 e 1998. Este desmando na escola pública é fruto apodrecido de um país que não encontrou, até hoje, o caminho certo e definitivo de uma escola pública respeitada pela sociedade brasileira, não a contrafação de uma escola pública que temos hoje, um caso de polícia contra os poderes políticos.