Entre mim, com nós dois, para mim (ler)
Por M. T. Piacentini Em: 01/11/2012, às 17H14
[M. T. Piacentini]
1. ENTRE MIM E VOCÊ
“Esse segredo deve ficar entre mim e você” – é esta a forma recomendada na língua-padrão: pronome oblíquo depois de preposição. Nas regiões em que o pronome usual é “tu”, o correto formal seria "entre mim e ti". Mas na linguagem popular do Brasil é comum e aceitável a frase “isso fica entre você e eu” (observe que "eu" agora vem em segundo lugar).
Essa rejeição ao "mim" só se dá com a preposição ENTRE. Com as demais preposições o uso desse pronome é natural: a mim, até mim, contramim, de mim, em mim, para mim, por mim, sem mim etc.
2. CONOSCO E COM NÓS DOIS
O caso da preposição com é peculiar, pois ela se amalgama com o pronome oblíquo, à exceção da 3ª pessoa: comigo, contigo, com ele/ela, conosco, convosco, com eles, com elas. Registre-se, porém, que se usa “com nós” quando aparece um elemento especificador depois do pronome:
No final da cerimônia o presidente falou com nós todos.
O diretor discutiu o caso apenas com nós três.
3. SEQUÊNCIA PREP. + PRONOME + INFINITIVO
É muito difundida no Brasil a sintaxe “disse para mim ir, para mim trabalhar, para mim descansar”. Há uma explicação para isso, se se considerar que toda língua transplantada é mais arcaizante que a original: no período em que se falava o português arcaico – entre os séculos XII e XVI, justamente quando o Brasil foi descoberto – usava-se o pronome pessoal sujeito pelo pronome complemento e vice-versa. Exemplos apresentados na "Gramática Histórica" de Ismael de Lima Coutinho (1968:67): "o coração pode mais que mim" e "enforcariam ele".
No entanto, a gramática normativa determina o uso de eu, tu, ele, nós, vós, eles (os pronomes pessoais retos) como sujeitos, e os pronomes oblíquos como complementos do verbo (objeto direto ou indireto). Quando se acrescenta um verbo no infinitivo ao sintagma "para mim" – para mim ler v.g. –, aí mim deixa de ser objeto indireto para ser sujeito desse infinitivo. Ao transformar a oração reduzida em desenvolvida temos a prova do sujeito: “um livro para eu ler” é igual a “um livro para que eu leia”; "presente para eu embrulhar = para que eu embrulhe".
Em suma: mim não pode ser sujeito, mim é objeto indireto: de mim, para mim, sem mim. Portanto, seria errado dizer “comprei a passagem para mim viajar” porque mim teria aí o papel de sujeito [de viajar], e o emprego do pronome oblíquo com função subjetiva é considerado erro pela gramática tradicional. Compare as frases sem e com o verbo no infinitivo:
Entregou o bilhete para mim. – Entregou o bilhete para eu ler depois.
O abacaxi é para mim. – O abacaxi é para eu descascar agora.
Fez um pavê para mim. – Fez um pavê para eu experimentar.
O produtor mandou 100 páginas para mim. – Mandou 100 páginas para eu decorar até amanhã.
Um alerta: pode-se encontrar para mim diante de um infinitivo sem que esteja errado, como nestes enunciados:
Está sendo difícil para mim aceitar seu novo casamento.
É importante para mim fazer alongamento numa academia.
Foi mais interessante para mim ler sua redação do que para você escrevê-la.
Aparentemente estamos contrariando a sequência para + eu + infinitivo. Então vamos rever a regra: o pronome é "reto" quando sujeito do infinitivo. Acontece que nas frases acima o infinitivo não tem um sujeito, ele é o próprio sujeito da oração principal. Para confirmar, façamos a construção na ordem direta:
Aceitar seu novo casamento está sendo difícil para mim. [complemento nominal de difícil]
Fazer alongamento numa academia é importante para mim.
Ler sua redação foi mais interessante para mim do que [foi] para você escrevê-la.