[Flávio Bittencourt]

Ensaio de Élide V. Oliver sobre O homem que sabia javanês

A Profª. Élide Valarini Oliver, da Universidade da Califórnia, EUA, escreveu sobre o famoso conto do imortal Lima Barreto

 

 

 

 

  

 

 

"ASSINALA A PROFESSORA É. V. OLIVER, DA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA,

QUE O CONTO O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS, DE LIMA BARRETO, FOI

PUBLICADO NA GAZETA DA TARDE DO RIO DE JANEIRO, EM 20.4.1911"

(COLUNA "Recontando...")

 

 

 

 

 

Tuttle Balinese-English Dictionary

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.paperbackswap.com/Javanese-English-Dictionary/book/079460000X/)

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.livrariascuritiba.com.br/voce-fala-javanes-melhoramentos,product,LV260778,3430.aspx;

o desenho da capa é de Lúcia Brandão, ex-ilustradora da Folha de São Paulo)

 

 

 

 

 

"Em 2001, TIAGO MELO DE ANDRADE - autor de VOCÊ FALA JAVANÊS? - recebeu o prêmio Jabuti (categoria Autor Revelação), por A CAIXA PRETA, seu primeiro livro (2000)

(COLUNA "Recontando estórias do domínio público")

 

 

 

 

 

Javanese English Dictionary

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.paperbackswap.com/Javanese-English-Dictionary/book/079460000X/)

 

 

 

 

 

Comprehensive Indonesian-English Dict

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.paperbackswap.com/Javanese-English-Dictionary/book/079460000X/)

 

 

 

 

 

Lima Barreto,

Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=wVStWmsXsds

 

 

 

 

 

 

(http://dialogosvisuais.blogspot.com.br/2011/01/dica-de-leitura-o-homem-que-sabia.html)

 

 

 

 

 

"Giovanni Boccaccio, Miguel de Cervantes, Alphonse Daudet (AUTOR, COMO É DE SEU CONHECIMENTO, DE TARTARIN DE TARASCON [*]), Franz Kafka, Lima Barreto, Thomas Mann: eruditos escritores, superdotados intelectuais - gênios, mesmo - que levaram (e ainda levam) seus leitores ao sorriso irônico, por algumas de suas narrativas, e, por outras, FIZERAM E AINDA FAZEM GARGALHAR A BANDEIRAS DESPREGADAS MILHÕES DE LEITORES EM CENTENAS DE IDIOMAS E DIALETOS DO PLANETA TERRA."

(COLUNA "Recontando estórias do domínio público") 

[*] - SOBRE TARTARIN DE TARASCON, VOSSA SENHORIA PODE LER,

NESTA COLUNA, A SEGUINTE MATÉRIA:

http://www.portalentretextos.com.br/colunas/recontando-estorias-do-dominio-publico/permanencia-d-aventuras-prodigiosas-de-tartarin-de-tarascon-de-alphonse-daudet,236,4358.html.

 

  

 

 

 

(http://dialogosvisuais.blogspot.com.br/2011/01/dica-de-leitura-o-homem-que-sabia.html)



  

 

 

 

"São artigos como esse que dão água na boca, Flávio... para nós que amamos a literatura. Será que um dia leremos todas as obras que ouvimos falar desde crianças?"

(MIGUEL CARQUEIJA, comentário à matéria [mencionada acima] sobre TARTARIN DE TARASCON,

http://www.portalentretextos.com.br/colunas/recontando-estorias-do-dominio-publico/permanencia-d-aventuras-prodigiosas-de-tartarin-de-tarascon-de-alphonse-daudet,236,4358.html)

 

 

 

 

 

(http://osilenciodoscarneiros.blogspot.com.br/2009/08/sarcofago-o-homem-que-sabia-javanes.html)

 

 

 

 

 

MARCO NANINI, MULTIPREMIADO ATOR-BRASILEIRO-

DE-LONGO CURSO, INTERPRETOU, EM 1994, NA

TV GLOBO, O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

(http://www.jornallivre.com.br/323158/qual-e-a-origem-de-marco-nanini.html)

 

 

 

 

 

 

(http://dialogosvisuais.blogspot.com.br/2011/01/dica-de-leitura-o-homem-que-sabia.html)



 

 

 

 

 

O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS - chamada (1994-95)

[ADAPTAÇÃO LIVRE, com mudanças na estória,

mas com o mesmo "homem que sabia javanês",

personagem de Lima Barreto, TV GLOBO, Rio de Janeiro-RJ,

1994; chamada de BRASIL ESPECIAL / "Terça Nobre"

(reapresentação, em 1995)],

Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=PI-y4BfgBgQ,

onde se pode ler:

"Chamada da reprise de 'O Homem Que Sabia Javanês', baseado na obra de Lima Barreto, na 'Terça Nobre', em 1995, que tinha no elenco Marco Nanini, Giulia Gam e Fernanda Torres, entre outros. Originalmente exibido em 1994. Inclui vinheta da Globo de 30 anos. '

 

 

 

 

 

TRADUÇÃO PARA A LÍNGUA INGLESA

DO FAMOSO CONTO O homem que sabia javanês

(The man who knew Javanese) PODE SER LIDO

NA WEB, EM:

http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3286/3013

 

  

 

 

 

BUSTO EM BRONZE - na Rua do Lavradio, Centro do Rio - DO IMORTAL

ESCRITOR BRASILEIRO LIMA BARRETO (1881 - 1922) CUJA INAUGURAÇÃO, 

REALIZADA PELO PREFEITO QUE PROVIDENCIOU ESSA MERECIDA HOMENAGEM

(Eduardo da Costa Paes) MOSTRA O RESPEITO DOS CARIOCAS PELA VIDA E

PELA OBRA DE Afonso Henriques de Lima Barreto:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/capas/obras-literarias/lima-barreto.php)

 

 

 

 

 

Um texto bilíngue em português e javanês:

Ficheiro:Javanese script01.jpg

(http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_javanesa)

 

 

  

 

 

TRADUÇÃO DO CONTO DO PORTUGUÊS -

como de outras ótimas narrativas - PARA

O INGLÊS (UNIV. FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL,

BRASIL):

  

"Caderno de Tradução Número 22

 

Janeiro-Junho 2008

Caderno de Tradução Número 22

 

CONTEÚDO:

 

Presentation

 

Midnight mass

Machado de assis

 

The man who knew Javanese

Lima barreto

 

The other

Rubem Fonseca

 

Turtledove or A love story

Lygia Fagundes Telles

 

Those two

Caio Fernando Abreu

 

Pale eyes big white horse - 2002

Jane Tutikian

 

(http://paginas.ufrgs.br/net/publicacoes/cadernos-de-traducao-2008/numero-22,)

 

 

 

 

 

 

ILHA DE JAVA (INDONÉSIA):

Ficheiro:Java tk kaart.jpg

(http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_javanesa)

 

 

 

 

 

 

LIMA BARRETO,

AUTOR DO CONTO

O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS:

Ficheiro:LimaBarreto.jpg

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Lima_Barreto)

 

 

 

 

 

"Javanês é a língua falada pela maioria dos habitantes da Ilha de Java, e uma das línguas oficiais da Indonésia, sendo a língua materna de mais de 75 milhões de pessoas.

O javanês faz parte das línguas austronésias assim como o malaio e o indonésio. Além da ilha de Java é falada também em menor número em outras ilhas do sudeste asiático, como Timor, bem como em áreas de imigração javanesa, como no caso de Suriname.

A escrita javanesa é específica do sudeste asiático, apesar de ser usado às vezes o alfabeto árabe e romano. Os diversos aspectos desta escrita são visíveis em textos epigráficos, sendo o mais antigo, uma inscrição redigida em sânscrito (língua sagrada da Índia), encontrada em Caugal, no centro da ilha de Java, datada de 6 de Outubro de 732. Uma outra inscrição de 28 de Novembro de 760, realizada com a ajuda de um alfabeto diferente, foi encontrada no leste da mesma ilha, em Dinaya. Ela representa o primeiro elemento de uma série de documentos epigráficos cuja forma, após diversas alterações, condicionou os caracteres tipográficos modernos dos alfabetos orientais de Java.

Esta escrita possui uma particularidade que consiste na introdução, no princípio ou no interior de algumas palavras, de letras comparáveis às maiúsculas dos alfabetos latinos e que se destinam unicamente a conferir a estas palavras um carácter honorífico e respeitável."

(http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_javanesa)

 

 

 

 

"(...) Castelo [PERSONAGEM DA NARRATIVA QUE, NA ESTÓRIA, OBTEVE SUCESSO E GALGOU POSIÇÕES NO GOVERNO AFIRMANDO DOMINAR IDIOMA DA ILHA DE JAVA - *risos*] não pode apenas saber parcialmente. Trata-se, para que essa sátira satisfaça o quesito de ser um comentário que implique os modos sociais praticados no Brasil, não de saber ou não saber o javanês, mas de não saber todo o javanês que se finge saber."

(ÉLIDE VALARINI OLIVER, últimas linhas do ensaio que foi publicado na Revista da USP

e adiante está transcrito, na íntegra)

 

 

  

 

 

"SE VOCÊ ESTIVER NUM AMBIENTE QUE OCORRA A ALGUÉM

CITAR O FAMOSO CONTO DE LIMA BARRETO, EXPERIMENTE

SE SAIR COM ESTA TIRADA NO MÍNIMO CURIOSA:

"AH, SIM, JAVANÊS! VC SABIA QUE NA MALÁSIA TAMBÉM SE FALA JAVANÊS?

NÃO É SÓ NA INDONÉSIA, NÃO! AS PESSOAS PENSAM QUE SÓ SE FALA

JAVANÊS NA ILHA DE JAVA...".

POIS BEM, SE OS PRESENTES NÃO SOUBEREM DESSE DADO LINGUÍSTICO

E SE, ALÉM DISSO, NÃO FOR INADEQUADO, ACRESCENTE, SUAVEMENTE:

EU, ANTES DE ESTUDAR JAVANÊS, TAMBÉM PENSAVA, PELO NOME,

QUE SÓ SE FALAVA ESSA LÍNGUA NA ILHA, MAS DEPOIS QUE VISITEI

A MALÁSIA, FIQUEI PERPEXO: flagrei no próprio hotel onde eu estava

hospedado - imaginem vocês! - o gerente falando fluentemente javanês

com um turista que aproximou-se da Recepção, pedindo informações.

Foi quando eu perguntei (em javanês) para este último: "- o Sr. é

natural da ilha de Java?". O gerente interrompeu o nosso diálogo e

falou, surpreso: "- Não! Ele é conterrâneo. É um conterrâneo que

é meu amigo de infância! Estudamos juntos da primeira à última

série do ensino fundamental (primário e ginásio ou 1º grau). 

Como eu, nasceu aqui em Kuala Lumpur, mesmo!". DEPOIS DISSO,

POR FAVOR, ESCREVA PARA ESTA COLUNA E DIGA COMO REAGIRAM

OS SEUS AMIGOS, POR FAVOR".

(COLUNA, "Recontando ..."; o endereço de e-mail deste espaço de

jornalismo webcultural-independente é: [email protected])

 

 

 

 

 

 

VISTAS MAGNÍFICAS DE KUALA LUMPUR

[não fica em Java], CAPITAL DA MALÁSIA:

LOCALIZADO NA WEB, VOCÊ PODE LER, se tiver tempo e interesse, 

O FAMOSO CONTO O homem que sabia javanês, DE LIMA BARRETO,

ACESSANDO: 

http://www.releituras.com/limabarreto_javanes.asp

 

 

 

 

 

                             HOMENAGEANDO AS MEMÓRIAS DOS GRANDES AUTORES BRASILEIROS

                             AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO (RIO DE JANEIRO-RJ, 1881 - 1922) E

                             ÁLVARO MOREYRA (PORTO ALEGRE-RS, 1888 - RIO DE JANEIRO-RJ, 1964) E

                             ABRAÇANDO FRATERNALMENTE O MULTIPREMIADO ATOR

                             MARCO ANTÔNIO BARROSO NANINI, O ESCRITOR QUE

                             RECEBEU O PRÊMIO JABUTI EM 2001

                             TIAGO MELO DE ANDRADE , A ARTISTA PLÁSTICA

                             LÚCIA BRANDÃO (ex-ilustradora da Folha de São Paulo)

                             E O ATUAL PREFEITO DO RIO

                             EDUARDO DA COSTA PAES, AOS QUAIS SE DESEJA MUITA SAÚDE,

                             PAZ, REALIZAÇÕES E VIDA LONGA

                                               

 

 

6.8.2012 - Estudo em profundidade de Élide V. Oliver sobre O homem que sabia javanês - O título do ensaio da Profª Drª. É. V. Oliver é "O SABER EM 'O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS', DE LIMA BARRETO". (O referido ensaio foi publicado na Revista USP em nov. / 2010.)  F. A. L. Bittencourt ([email protected])

 

 

 

"Revista USP

versão ISSN 0103-9989

Rev. USP  no.87 São Paulo nov. 2010

 

TEXTOS

 

O saber em "O Homem que Sabia Javanês", de Lima Barreto

 

 

Élide Valarini Oliver

Professora do Departamento de Espanhol e Português da Universidade da Califórnia - Santa Bárbara (EUA)

 

 

O conto de Lima Barreto, "O Homem que Sabia Javanês", publicado na Gazeta da Tarde no Rio de Janeiro em 20 de abril de 1911, propõe, numa leitura que já se tornou estabeleci-cida, que o título seja irônico, pois Castelo, num bar, conta ao amigo Castro "as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver" (Barreto, 2006, p. 49)1. Comentando sua história de vida, Castelo afirma ao amigo que, mesmo sem sair do Brasil, que Castro considera aborrecido, "imbecil e burocrático", "se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês!" (p. 49). E ficamos sabendo, então, no desfiar do conto, como Castelo, fingindo-se passar pelo que não era, conseguiu obter fama e sucesso na vida, passando de bacharel fracassado e endividado a cônsul.

Mais que irônico, o conto é uma sátira, variação do adágio em terra de cego quem tem olho é rei ou, mais apropriadamente no caso, quem finge ter olho é rei. Lima Barreto não esconde a origem de sua ideia: Gil Blas. Mas é Castelo, o narrador da história, que se apresenta como um "Gil Blas vivido" e faz questão de apresentar-se ao leitor, desde o primeiro momento, como um ludibriador contumaz. Já no segundo parágrafo, Castelo conta que numa ocasião em Manaus escondeu sua qualidade de bacharel para "mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho". Os indícios de sátira social, sobretudo para um leitor assíduo do autor, mesclam-se, no conto, com outra característica barretiana: a facilidade para a caricatura. Uma e outra servem ao propósito de crítica social na medida em que oferecem pinceladas bem definidas, traços gerais, até esquemáticos dos assim chamados sintomas sociais, como deseja pintá-los a corrente estética naturalista. Não há dúvida de que Castelo se virava na vida como podia e disso não fazia segredo, quer isso o denegrisse ou não. Não é sob o ângulo da depreciação moral que Castelo se vê. Também seu amigo Castro, ao longo do conto, parece apenas reagir com curiosidade, talvez admiração, à história que Castelo lhe desfia, mas não o reprova. O conto, portanto, não entra na questão da justificativa ou da explicação do comportamento de Castelo. O tom deste, ao contar sua história, é o de alguém que se gaba e se orgulha do que fez e, no final, sem remorso ou arrependimento, diz que o faria de novo.

Não sabemos se o comportamento de Castelo advém de sua psicologia, de um traço de caráter pessoal que afloraria em qualquer tipo de sociedade e cultura, ou se já é um sintoma social típico da cultura brasileira, na visão barretiana, ou seja, fruto de uma sociedade onde grassam as aparências, e onde o peso das relações pessoais e não do mérito é fator determinante.

Segundo a escola naturalista, que pregava a determinação do indivíduo pelo meio, esta última hipótese tem mais peso, e Castelo se mostra então um mero produto mecânico desse caldo de cultura. Nesse caso, condena-se a sociedade e salva-se o indivíduo. Mas como salvar Castelo? A personagem se recusa a manter-se dentro da tipologia da caricatura naturalista, determinada pelo meio, pois mostra que, ao longo de sua existência enquanto professor de javanês e cônsul, foram seu agenciamento individual e suas escolhas que definiram sua história de vida. Seria mais oportuno dizer que Castelo é um profundo conhecedor do caráter, das normas e das limitações de sua própria sociedade e cultura e, quando dada a oportunidade, usa-a para ocasionar transformações em sua vida. Nesse caso, a sátira recairia muito mais sobre a sociedade do que sobre Castelo. No entanto, que este use das fraquezas e mazelas da cultura da qual supostamente é produto, e as use dubiamente, mentindo e fingindo sem jamais ter sido descoberto, funciona como uma condenação muito mais de Castelo do que da sociedade em que vive. Levar vantagem sobre um velho ingênuo e bom como o Barão de Jacuecanga não é fazer sátira social bem-sucedida, nem mesmo quando se quer interpretar, tosca e pobremente em nosso entender, a figura do barão como "símbolo de decadência da aristocracia" como o faz certa crítica. Se o objetivo de Lima Barreto, no conto, era a sátira social, como muitas vezes a praticou (como em A República dos Bruzundangas ou Coisas do Reino do Jambom, para citarmos apenas as mais evidentemente programáticas), temos que concluir que o objeto lhe saiu das mãos e acabou gerando um campo de sentidos bem mais complexos do que até mesmo os pretendidos por seu autor. Mas isso é da natureza mesma da sátira.

Lima Barreto, como amplamente se sabe, criticou Machado de Assis em diversas ocasiões, e na famosa carta a Austregésilo de Ataíde, escrita no ano anterior de sua morte (1921), em que agradece ao crítico o fato de separá-lo de Machado, menciona que, para ele, Machado demonstrava uma secura de alma e uma falta de simpatia, além de uma linguagem correta e elevada (Barreto, 1993, p. 284) à qual a obra do próprio Lima buscava se opor.

Entretanto, é impossível não ver na obra de Lima Barreto a sombra (encobridora ou não, para variarmos a expressão covering angel de Harold Bloom) de Machado2. No caso do conto em questão, Irenísia Torres de Oliveira chega a "desconfiar" da afirmação de Lima Barreto de que não tinha sido influenciado por Machado e vê algumas semelhanças mas muitas diferenças com "Teoria do Medalhão" (Oliveira, s.d.). Em nosso caso, achamos que qualquer que tenha sido a hostilidade de Lima Barreto com relação a Machado, não lhe foi possível, consciente ou inconscientemente, deixar de absorver e mesmo de tentar reescrever a obra deste último. No caso específico de "O Homem que Sabia Javanês" não se trata apenas de "Teoria do Medalhão", como apontou Torres de Oliveira. "O Espelho" também tem com o conto de Lima Barreto um diálogo misterioso. Não podemos deixar de reconhecer que o título de "professor de javanês" é a farda de alferes de Jacobina. Sem ela, Castelo também desapareceria sem deixar traço. Ser professor de javanês é a sua alma exterior e precisa dela para sua própria existência assim como Jacobina precisou vestir a sua farda para poder ver-se inteiro novamente. Não sabemos se o filho, em "Teoria do Medalhão", conseguirá ter sucesso com os conselhos do pai, mas Jacobina e Castelo, ambos narradores de suas respectivas histórias, contam a seus amigos admirados a trajetória de alguém bem-sucedido. Se em "O Espelho", à narração em terceira pessoa se insere a de Jacobina, que logo domina o texto até o fim, o conto de Lima Barreto é narrado inteiramente por Castelo. Isso nos leva a perguntar: quem deu o título ao conto? Pergunta que pode, à primeira vista, parecer irrelevante, mas se ele não está claramente assinado por Lima Barreto, então devemos assumir que o autor do conto seja Castelo. E como, então, devemos ler o título?

Por outro lado, a reunião desses três contos nos leva forçosamente a reconhecer, em tudo isso, o caldo de cultura em que se nutrem esses Jacobinas, Castelos e pais e filhos medalhões, medir a necessidade das fardas e máscaras sociais que, embora um imperativo universal - e essa é a abordagem machadiana preferida -, podem muito bem adquirir feições bastante regionais, ângulo de preferência de Lima Barreto.

Sérgio Buarque de Holanda (2007, p. 43) comenta que a exploração dos trópicos pelos portugueses não se processou de maneira racional ou metódica, mas "fez-se antes com desleixo e certo abandono", obedecendo mais à lógica do aventureirismo que à ética do trabalho. Isso marcou definitivamente a estruturação da sociedade brasileira, onde prevaleceu um sistema social edificado sobre laços diretos, de pessoa a pessoa (Holanda, 2007), justamente o tipo de mundo onde Castelo, depois de se tornar "professor de javanês", triunfa, pois é a partir de sua relação com o barão, e sobretudo com o genro deste, que consegue uma posição de destaque e é daí catapultado para o sucesso. Desnecessário dizer que, neste mundo, o que vale são as relações em si e o poder que têm de criar uma rede operativa de fato. Ora, isso é reconhecer que tais relações são fundamentalmente performativas, pois têm o poder, como dito acima, de fazer acontecer, de operar, de transformar, de unir ou desligar. Para funcionar perfeitamente, esse tipo de interação social teria que depender inteiramente de um código de honra, em que fingir ou mentir estivesse absolutamente fora de questão. Esses eram os ideais do mundo dos romances de cavalaria medievais. Desnecessário dizer que eram também os ideais de Dom Quixote.

No caso de Castelo, quer tenha ou não conhecimento suficiente para ser professor de javanês, não importa. Não há código de honra que o impeça, ou acordo de cavalheiros. Castelo busca a sobrevivência e, spencerianamente, talvez acredite que estará usando a lei dos mais fortes. A fraude se mascara em autenticidade, o animal não venenoso mimetiza-se com cores fortes, para passar-se por venenoso e assim sobreviver. Mas a diferença entre Spencer e Darwin é que, para a teoria da evolução, não se trata dos mais fortes mas dos mais adaptados. A espécie humana, com sua curta história, está longe de bater os fungos, esponjas e bactérias em sobrevivência e adaptação.

Mas teria Castelo se adaptado ao meio social em que vive? Para que faça uso da rede de relações pessoais é necessário que a roda da fortuna social tenha um primum mobile, que é o perpetrador do engodo, ele mesmo. Se são as aparências que contam para os pistolões, o embusteiro precisa ser um artista prestidigitador a não deixar dúvidas quanto à sua capacidade. Castelo, que já tinha passado de bacharel a feiticeiro, adapta-se ainda mais, e, aproveitando a oportunidade que o destino lhe oferece, passa a professor de javanês e a cônsul.

Como Castelo se apresenta, até com um orgulho bem-humorado, como uma pessoa sem escrúpulos, parece perfeitamente adaptado ao sistema de nepotismo, hipocrisia e ignorância que a sátira de Lima Barreto busca retratar. Tanto quanto Brás Cubas3, que também se esforça por apresentar-se ao leitor sob forma negativa, pintando um retrato sem retoques de si mesmo e de seus semelhantes, também Castelo oferece ao leitor um retrato negativo de si mesmo, pois assim, conclui o leitor, é esse o objetivo de Lima Barreto, fazer uma sátira em que desmascare as práticas sociais da sociedade brasileira. Pelo menos é o que reza o credo simplista da "sátira social".

Sim e não. O que talvez seja mais interessante, do ponto de vista satírico, nesse conto é a luta de intenções entre autor e conto, entre intenção inicial e produto literário final. Isso só acontece porque o meio no qual se desenvolve uma sátira é sempre um meio desestabilizante. Ao escrever uma sátira, a mão do autor é constantemente desviada pela própria lógica interna da sátira que se impõe a tudo e busca escrever-se a si própria. É isso o que pretendemos, neste breve artigo, apontar.

Como dissemos anteriormente, o título do conto é, numa primeira leitura, irônico, pois acabamos concluindo que o homem não sabe javanês. É nessa conclusão que insiste Castelo e, talvez por trás dele, Lima Barreto. Mas para que essa conclusão seja atingida, o conto sofre uma intervenção a meio caminho que busca redirecionar o leitor para que não se distraia numa leitura paralela, que vinha perigosamente sendo delineada desde o princípio e que, se mantida, comprometeria a narrativa linear de Castelo que, insistimos, busca controlar a direção interpretativa do leitor a cada vez que reafirma sua venalidade ou o prazer que deriva dela. Em nossa opinião, isso só acontece porque há o perigo, durante todo o conto, de que a sátira se escreva ela mesma e que, ao final, o leitor conclua algo diferente da intenção do narrador e mesmo do autor.

O campo de batalha em que esse confronto entre sátira e narrador/autor se dá é em torno do conceito de saber no conto. O que é saber? Evidentemente não podemos incluir aqui uma digressão sobre os detalhes filosóficos dessa discussão complexa, mas, para o caso em questão, saber significa deter um conhecimento. Saber é conhecer. Saber é saber algo. Não pode ser confundido com crença ou opinião. A fórmula filosófica é x sabe que p (implica p), enquanto, se disser que x acredita em p, crer não implica p4.

A implicação de p, no caso de Castelo, é a de que, ao saber javanês, ele o saiba. Mas como se sabe uma língua? Sem um conceito de gradação, não podemos avançar na discussão do que é saber uma língua. Conhecimento passivo ou ativo? Saber uma língua instrumentalmente implica a capacidade de leitura. Mas o quanto se sabe quando se sabe ler apenas uma língua? Algumas falhas de compreensão de estruturas sintáticas existirão. Qual o tamanho ideal do vocabulário ativo se um dicionário pode ser sempre consultado? Podemos ler e escrever uma língua, mas não conseguimos dominar a língua falada. Podemos falar uma língua estrangeira e não ser capazes de escrevê-la (o que hoje é denominado "falante por herança"). Depois de quantos anos de aprendizado se sabe uma língua estrangeira? Qual a extensão de conhecimento gramatical e vocabular que autoriza alguém a dizer que sabe uma língua? Mesmo que ainda nem estabeleçamos uma diferença entre saber e conhecer - talvez saibamos apenas a língua materna, ou a gramática universal -, podemos ver que o conto de Lima Barreto tropeça perigosamente nessa gradação. Para poder conseguir a colocação de professor de javanês, Castelo tem ao menos que fingir que sabe, e para poder fingir completamente, como no poema de Fernando Pessoa, tem que aprender o javanês.

O paradoxo do saber e o perigo da gradação se estabelecem bastante claramente nas primeiras páginas do conto. Ao ler o anúncio que buscava um professor de javanês, Castelo raciocina que estava ali uma colocação que não teria muitos concorrentes, decidindo se apresentar se "capiscasse quatro palavras" (p. 50). Para tanto, ele se dirige à Biblioteca Nacional onde consulta a Grande Encyclopédie na letra J e começa a aprender não apenas alguma coisa sobre o javanês, mas, a partir de indicações de artigos na própria enciclopédia, faz o que todo bom estudioso faz: vai consultá-los. Assim começa a praticar o alfabeto e a pronúncia: "com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente" (p. 50). De pronto, a questão da gradação está colocada no texto. Capiscando umas quatro palavras, decorando o alfabeto e a pronúncia, Castelo está a caminho de saber alguma coisa sobre o javanês, que tão orgulhosamente conta a Castro, que não sabe.

Ao enviar a carta propondo-se como professor, Castelo nos conta:

"Em seguida voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar" (p. 51 - grifo nosso).

O trecho é significativo no que marca ainda outro paradoxo. Ao mesmo tempo, Castelo descreve perfeitamente o procedimento comum de aprendizado, no qual a aquisição de conhecimento se dá de maneira irregular, orgânica e não mecanicamente. Mas se nota, também, já uma ansiedade por parte de Castelo em distanciar-se do fato de que possa estar começando a saber javanês. Por outro lado, se saber apenas o alfabeto javanês é o único saber necessário a um professor de língua malaia, então, Castelo se qualifica minimamente, sobretudo se seu aluno for um iniciante que nem isso sabe. Essa oscilação paradoxal pode denotar também o fato de que Lima Barreto tem que calibrar finamente a sátira e, consciente de que ela possa sair-lhe da mão e escrever-se sozinha, prepara-se firmemente para controlá-la.

E o faz da seguinte maneira: o fato é que os efeitos benéficos desse aprendizado e possível colocação já se fazem sentir no dono da pensão onde mora Castelo, que vem cobrar-lhe o aluguel atrasado. O português, ao saber que Castelo está para ser "nomea-do" professor de javanês, uma língua que se fala "pelas bandas do Timor", sente-se tocado pelo patriotismo e esquece-se da dívida. O episódio está justificado pois mostra ainda mais claramente o instinto manipulador do narrador, e lembra ao leitor a motivação amoral de Castelo.

Castelo, entretanto, aguarda uma resposta ao seu pedido de colocação, que vem na pessoa do Barão de Jacuecanga. E, continuando sua narrativa ao amigo Castro, observa:

"É preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar e responder - 'como está o senhor?' - e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico" (p. 51).

Novamente, o problema da gradação do conhecimento da língua se interpõe no texto, bem como a questão do aprendizado.

É a partir daí que, mais firmemente ainda, o conto dá uma virada definitiva. Ao visitar o barão, Castelo se detém numa descrição detalhada e memorável pela acuidade e evocação de pathos e imagem. Mostra-se como um observador agudo e conhecedor da natureza, nomeando plantas do jardim, e observando que a casa "estava maltratada, mas não sei por que me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza"(p. 52)5.

Arma-se aí uma armadilha emocional, talvez até o início de um drama moral ao qual o leitor deve se preparar para enfrentar. Está claro que ele deve simpatizar com o velho criado do barão, "antigo preto africano, cujas barbas e cabelos de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento" (p. 52) e com o próprio barão "um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho" (p. 52) e que leva uma enormidade de tempo para apresentar-se a Castelo, pois caminha com dificuldade. O leitor luta contra a torpeza de Castelo, que, embora momentaneamente roído pelo remorso, hesita, mas resolve ficar, assumir-se como professor de javanês e, surpreendido pela pergunta "Onde aprendeu o javanês?" (p. 53), nos conta que "imediatamente arquitetei uma mentira" (p. 53), e se declara um falante por herança, visto que era filho de javanês. Talvez esse pai devoto lhe tivesse ensinado mais que a língua falada, mas como teria ensinado ao filho toda a literatura? De novo, o problema da gradação vem atrapalhar a caracterização esquemática.

Não se sabe se para amenizar o choque ético - efeito da ironia e da sátira - Castelo nessa circunstância também observa que sua resposta à pergunta do barão se estava disposto a ensinar-lhe javanês saiu-lhe "sem querer: - Pois não" (p. 53). Mas a espontaneidade da resposta, que poderia registrar um repente impensado e inocentá-lo em parte, pelo contrário, também indica uma dúbia disposição de caráter: mentir e enganar lhe era tão natural que assim procedia sem o menor esforço.

A partir daqui se acelera a ansiedade de Castelo em mostrar sua conduta como francamente amoral, hipócrita e mentirosa. E pelas mesmas razões, podemos imputar à mão de Lima Barreto a aceleração da hipérbole caricatural de Castelo, como se o autor quisesse se certificar de que o leitor não possa concluir outra coisa do caráter do protagonista do conto. Ao examinar o livro que o velho barão lhe apresenta, Castelo consegue ler o prefácio, escrito em inglês, e, assim, começar sua carreira de ludibriador bem-sucedido. Ainda mais porque o acaso o ajuda. O barão não consegue aprender, mas a fama de Castelo se espalha na família, e o genro deste, "homem relacionado e poderoso", o ajuda. A oposição fundamental entre ludibriador e ludibriado sofre uma atenuação interessante. Por não conseguir aprender, o barão está aquém de Castelo em termos de saber. Este possui, dadas as devidas proporções irônicas, um relativo conhecimento da língua que os outros não têm. De novo a questão da gradação vem perigosamente interferir no campo da história.

Da mesma forma, a relação afetiva que acaba se desenvolvendo entre o barão e Castelo tem o potencial de atenuar a sátira. Sabedor do perigo, Castelo faz questão de continuar a bater na tecla de sua pusilanimidade, pois, ao lembrar constantemente ao leitor suas falhas, o narrador procura manter o controle da narrativa que, de outra forma, está por escapar-lhe das mãos:

"Sabes bem que até hoje nada sei de javanês mas compus umas histórias bem tolas e impingi-as ao velhote como sendo do cronicon. Como ele ouvia aquelas bobagens!... Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado... fui perdendo os remorsos" (p. 54).

O papel do acaso, um deus ex machina que tanto parece ajudar Castelo, primeiro com o anúncio insólito no jornal, depois com a colocação, também cresce e ajuda ainda mais a impunidade de nosso narrador. O barão, que acreditava que o manuscrito, herdado do pai, possuía algum poder de talismã, de suspender as desgraças pelas quais passava sua família, acaba recebendo uma herança de um parente esquecido e atribui "a coisa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também" (p. 55). Aqui, novamente, a despeito de si mesmo, entrevê-se a ambiguidade da figura de Castelo, que não pode sustentar constantemente sua farsa sem que algo lhe doa na consciência, apesar de não ser essa a imagem que quer manter com o leitor.

Ao entrar para a diplomacia, porque sabia javanês, Castelo, que pela aparência física se fez passar por filho de javanês, agora, pela mesma aparência, vê sua entrada vetada pelo ministro6, que lhe oferece então um consulado e a oportunidade de representar o Brasil no congresso de linguística de Bale. Dessa vez, Castelo, que não tinha tido tanto problema em aprender um pouco de javanês para garantir a colocação de professor, retrocede em sua narrativa e garante ao amigo Castro e ao leitor que "não havia meio" (p. 56) de aprender a língua e justifica sua relutância por estar "bem jantado, bem vestido, bem dormido" (p. 56) e não ter a energia necessária para tal. Entretanto, a convite da redação do Jornal do Comércio, redige um artigo de quatro colunas sobre a literatura javanesa.

"Como, se tu não sabias?", pergunta o "atento Castro" (p. 57), e a resposta de Castelo surpreende, pois diz que descreveu a "ilha de Java, com o auxílio de dicionários e umas poucas de geografia e depois citei a mais não poder" (p. 57)7. O que é para ser uma sátira aos artigos assinados por especialistas que não passam de citações de outros livros, sem nenhuma contribuição original, acaba, no entanto, sendo um comentário que adquire vida própria e, ao fazê-lo, gera um certo número de problemas. Um deles é a excessiva e ingênua crença de que artigos se escrevem apenas com originalidade e sem nenhuma referência. Ainda mais no caso de um suposto artigo geral sobre a literatura javanesa que, já pelo teor, não pode passar de uma compilação, quer o especialista saiba javanês ou não. "Citar a mais não poder" não implica desonestidade, por mais que a ironia do contexto queira sublinhar. Castelo não comete plágio. A sátira aqui é imperfeitamente elaborada porque seu objeto é imperfeitamente apreendido. Novamente, a gradação vem estragar o argumento, agora acompanhada de um traço ainda mais incômodo, que é o fato de que, ao "citar a mais não poder", Castelo só pode ter obedecido às regras fundamentais da lógica textual para poder compor seu artigo, e pelo fato mesmo de ter apenas citado, e ter sabido citar, seu texto deve ter sido inteligível e mesmo informativo. Parece até que Castelo, em seu afã de mostrar-se um completo farsante, não sabe o quanto sabe, ou o quanto aprendeu ao "citar a mais não poder", ao selecionar suas citações pertinentes da Revue Anthropologique et Linguistique, dos Proceedings of the English-Oceanic Association e do Archivo Glottologico Italiano. Nada mau enquanto pesquisa para um autor que se propõe tão categoricamente a ser um farsante. Podemos mesmo dizer que há um deslizar da questão do saber para a questão do quem está autorizado a dizer que sabe. Isso implica ainda estabelecer-se que esse saber varia se usado como fim ou como meio.

É esse, afinal, o fulcro da sátira nesse conto. Isto é, o conto passa da questão espinhosa do que é saber (com todas as gradações e volatilidades que ele implica, para não se dizer nada da fluidez do próprio aprendizado) para uma bifurcação complexa que busca atrelar esse saber ao tratamento satírico. E aí, como vimos, a questão sai perigosamente das mãos do narrador ou do autor do conto. Como o reconhecimento social do saber pode muito bem tropeçar na aparência do saber apenas, não é possível determinar quem sabe sem que se estabeleçam padrões, critérios e testes. Mas estes também podem falhar ou ser passíveis de fraude. Qual a diferença entre Jacobina de "O Espelho" e Castelo? A alma exterior de Jacobina se expressa na farda de alferes. Seu eu pessoal era composto apenas de seu eu social, fato que Jacobina, surpreso, descobre ao ficar sozinho diante do espelho e não ver refletida sua imagem se não vestisse a farda de alferes. Seus dividendos são psicológicos. Já Castelo parece não se importar se sua imagem aparece refletida na do homem que sabia javanês ou não, contanto que ela gere dividendos sociais e, sobretudo, econômicos.

Estar autorizado a saber implica que o reconhecimento externo, social, esteja em acordo com a aquisição gradual de um conhecimento, que se torna, ao fim e ao cabo, saber. O que Castelo faz o tempo todo no conto é, na verdade, prevenir que isso aconteça e prevenir o leitor a inferir que na mais remota possibilidade isso venha a acontecer. Se ele tem sucesso em ambas as tarefas é um sucesso, no entanto, relativo. Como determinar quando essa aquisição se completa? Evidente que a exigência, segundo os pressupostos morais do conto, seria a de que Castelo, para legitimar-se enquanto sabedor de javanês, teria que ler, falar, escrever fluentemente a língua javanesa quantum satis. Mas quantos professores sabem tanto? No caso do principiante barão, qualquer lição sobre o alfabeto seria já uma lição de javanês. Evidentemente isso não elimina a questão ética dos meios e dos fins. O projeto do barão era bastante ambicioso, embora não tivesse a menor consciência da enormidade da tarefa à qual se impusera: queria saber o suficiente para poder ler um manuscrito antigo que lhe havia sido passado como um poderoso talismã que talvez o ajudasse a sair da desgraça econômica e familiar onde teria caído. Sem essa importante peça do enredo, que situa o conto firmemente no domínio da sátira moral, o comportamento de Castelo não seria diferente de qualquer postulante ao saber. Para complicar ainda mais, sabemos que o destino acaba interferindo e o barão recebe uma herança de Portugal, e atribui isso ao poder do manuscrito, sem saber que Castelo, em vez de traduzi-lo, o ludibria com lendas e histórias inventadas. Também, aqui, a sátira sai do controle da mão do autor, pois, ao fazer recair o foco, mais uma vez, no descaramento do ludibriador - e querer reforçar o elemento spenceriano -, a sátira não deixa de respingar na questão da origem de nossas tradições, histórias e lendas, que também foram inventadas (talvez por um fraudador do mesmo quilate que Castelo), mas com a diferença de que o foram muito tempo atrás. Aqui, como em outros lugares do conto, o vetor da sátira que implica x em direção a y se inverte e faz com que y implique x.

Tal tensão nos conduz a um mistério não resolvido no conto. Castelo manda publicar no Mensageiro de Bale seu retrato, notas biográficas e bibliográficas, antes do congresso de línguas acima mencionado. Isso nos leva a crer que tenha escrito alguma coisa ou assim quer que se acredite. Ao voltar fica de mandar ao presidente (não sabemos ao certo se é o presidente do congresso, se é que há tal cargo, ou o da Suíça) as suas obras sobre o javanês, o que naturalmente o narrador não o fez "até hoje" (p. 57). Mas, no parágrafo seguinte, ficamos sabendo que Castelo mandara publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bale (que sabemos constituir-se apenas de uma fotografia e de notas biográficas e bibliográficas) em Berlim, Turim e Paris, "onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido pelo Senador Gorot" (p. 57). Ficamos imaginando quais seriam tais obras que, agora, acham até leitores. Numa outra contradição no mesmo parágrafo, Castelo, depois de dizer que o banquete lhe tinha sido oferecido pelos leitores, afirma que "Custou-me toda essa brincadeira inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga" (p. 57). Como pode ser, pergunta o leitor? A obra de Lima Barreto, irregular e muitas vezes escrita na pressa e premida por necessidades financeiras, oferece-nos essas incongruências, mas aqui, estranhamente, esses dois elementos em litígio contra a lógica textual do conto acabam por involuntariamente criar um outro tipo de desconfiança do narrador. Estaria ele revelando a Castro, e a nós, apenas uma parte de uma história ainda mais complexa? A inconsistência de Castelo fica assim exposta e, por causa disso, pode comprometer o texto todo. Algum leitor mais paranoico pode, com base nisso, levantar a inusitada hipótese de que Castelo, afinal, sabe mais do que está nos revelando no conto e talvez esteja querendo enganar a nós e ao amigo Castro. O terreno instável da sátira, mais uma vez, cede sob os pés do narrador.

Como para assegurar-se de que controla a reação do leitor até o fim, Castelo, agora cônsul, voltará a ocupar um posto em Havana por mais seis anos "a fim de aperfeiçoar os [...] estudos das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia" (p. 58). E para que não haja dúvida quanto ao seu persistente não saber, afirma ao amigo Castro que, se não estivesse contente com a situação, seria "bacteriologista eminente" (p. 58). O toque final não deixa dúvidas quanto ao caráter de Castelo, visto que um falso bacteriologista pode efetivamente causar muito mais mal do que um homem que "apenas" finge que sabe javanês. A indiferença de Castelo quanto ao conteúdo do que não sabe é o que faz a sátira ainda mais mordaz. Mas, por outro lado, alguns outros fios também tecem essa trama e a tingem com cores misturadas.

Saber que não se sabe é o princípio de toda sabedoria, como ensina Sócrates. E o que sabe o homem que sabia javanês? Não sabia, naturalmente, todo o javanês, mas sim algum. Possuía alguns rudimentos de língua, de geografia, de antropologia, de literatura e de cultura gerais. Mas o conto, à medida que essa segunda alternativa vai se desenhando e tentando corroer o vetor único de uma mera sátira de ataque, é corrigido em sua rota. Mais do que qualquer outro gênero literário, a sátira pode escapar ao controle do satirista e, praticamente em razão de sua ironia instável, escrever-se sozinha. Griffin (1994, p. 64) observa que a partir do momento em que Swift decide que

"[...] na filosofia das Roupas, o Homem é um 'micro-casaco' onde 'a alma é o lado externo e o Corpo o lado interno do Tecido', as próprias regras do jogo convidam à inversão irônica e às pinceladas satíricas... A brilhante passagem a respeito da consciência - é um 'par de Calças que, embora sirva de Cobertura para a Indecência e a Sujeira, é facilmente abaixado para o Serviço de ambas' - parece não ser tanto parte do propósito mais geral de Swift (expor a filosofia das roupas) mas um achado de momento, inspirado pela ideia de que o interior é o exterior".

Por isso mesmo, não se pode deixar de reconhecer que, no conto em questão, Castelo ou Lima Barreto, sentindo o perigo, acabam por decidir-se pelo controle, e isso implica transformar Castelo na caricatura unilateral do ludibriador. A estratégia funciona, porém, até certo ponto, pois, como tentamos demonstrar aqui, é a própria linguagem da sátira que resiste à univocidade. Como um último paradoxo nesse conto de paradoxos, é a sátira ela mesma que salva o conto das mãos de Lima Barreto e de Castelo.

Castelo não pode apenas saber parcialmente. Trata-se, para que essa sátira satisfaça o quesito de ser um comentário que implique os modos sociais praticados no Brasil, não de saber ou não saber o javanês, mas de não saber todo o javanês que se finge saber.

 

BIBLIOGRAFIA

BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Um Longo Sonho de Futuro. Rio de Janeiro, Graphia, 1993.         [ Links ]

________. Melhores Contos. Seleção de Francisco de Assis Barbosa, São Paulo, Global, 2006.         [ Links ]

GRIFFIN, Dustin. Satire. A Critical Reintroduction. Kentucky, University of Kentucky Press, 1994.         [ Links ]

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.         [ Links ]

OLIVEIRA, Irenísia Torres de. "Pensando as Críticas de Lima Barreto a Machado de Assis". www.anpoll.org.br/revista/index.php/rev/article/view/23/11.         [ Links ]

 

 

1 Todas as referências ao conto de Lima Barreto são dessa edição.
2 Tratamos dessa questão na monografia "Ácida? Amarga? O Gosto da Sátira em Lima Barreto", publicada pelo Ministério das Relações Exteriores no tomo Ensaios Premiados. A Obra de Lima Barreto (2º Concurso Internacional de Monografias, 2008).
3 Brás Cubas é, aliás, o pai de toda uma série de narradores na literatura brasileira que se caracterizam por um tom confessional característico que busca, entre outras coisas, a autossubversão. Da mesma forma, o tom confessional não necessariamente precisa ser irônico ou satírico, para que reconheçamos a influência de Machado. Basta que este assuma uma "autenticidade" de voz que busca narrar todos os detalhes, mesmo os mais sórdidos, da "alma" do narrador, a influência de Brás Cubas estará presente. Vemos sua sombra entre tantos outros em Mário de Andrade, Clarice Lispector, Raduan Nassar, Rubem Fonseca, para apenas citarmos alguns exemplos.
4 Dicionary of Philosophy, London, Penguin, 2000 (verbete "knowledge").
5 Evidentemente o uso da palavra desleixo aqui não passa de uma coincidência com relação ao comentário que fizemos acima, citando Sérgio Buarque de Holanda, mas não deixa de ser interessante que acabe como símbolo do mundo do barão, a nobreza brasileira que agora na velha República não passava de uma sombra do passado, mas que, enfraquecida, envelhecida e ingênua ao buscar num último recurso perpertuar-se, cai na fraude de um impostor esperto que acaba por roubar-lhe tanto a dignidade quanto seus últimos recursos.
6 Aqui, um outro exemplo de como a sátira pode funcionar para desestabilizar não apenas um vetor: de x a y, mas também e ao mesmo tempo de y a x, e funciona sempre num circuito de mão dupla. Se a aparência de mestiço, de mulato, faz com que Castelo engane o barão e sua família, como "filho de javanês", essa mesma aparência, agora como "filho de javanês", (e, implicitamente, como "mulato") também o impede de ser diplomata.
7 Talvez haja um erro no texto em "umas poucas de geografia", mas podemos entender o texto com uma elipse de palavra, por exemplo, "umas poucas noções". Ainda, a linguagem coloquial do início do século XX poderia admitir essa construção.

(http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-99892010000400019&script=sci_arttext)

 

 

 

 

 

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O IMORTAL LIMA BARRETO, RETRATADO

EM CARICATURA DE SUA ÉPOCA:

Lima Barreto 01

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.brasilcultura.com.br/cultura/as-enchentes/)

 

  

 

 

 

MACHADO DE ASSIS, GÊNIO DA LITERATURA UNIVERSAL

(escritor brasileiro que, hoje, vai sendo traduzido para várias línguas,

o que não acontecia em seu tempo, infelizmente),

NO TRAÇO, RECENTE, DO CARICATURISTA FRAGA:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://www.flickr.com/photos/fragadesenhos/1820414622)

 

 

 

 

 

BRIGA FEIA EM DESENHO REPRESENTADA:

 

 
 

 

 

(http://elainequinzani.blogspot.com/2011/04/barraco-na-fila.html)

 

 

 

"Morreu, na Tijuca, o diretor aposentado de uma repartição da Prefeitura. Teve tremendas discussões, e muitas vezes chegou aos sopapos, por sustentar que Lima Barreto era superior a Machado de Assis. Estava com quase oitenta anos e não admitia, velho, como não admitira, moço, que houvesse diante dele outra opinião. Lima Barreto, sim! Machado de Assis, não! Era o motivo de sua vida. As últimas palavras que exclamou neste mundo foram estas: - E, entretanto, nunca li nem um nem outro!"

 (ÁLVARO MOREYRA, As amargas, não... Lembranças,

http://www.portalentretextos.com.br/colunas/recontando-estorias-do-dominio-publico/lima-barreto-era-literariamente-superior-a-machado-de-assis,236,6788.html)

 

  

 

 

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REPRODUÇÕES DE

DESENHOS DE LÚCIA BRANDÃO

DIVULGADAS NO SITE

LABIRINTOS NO SÓTÃO PONTO COM:

 

 

"30.1.09

Galeria do Labirinto: Lúcia Brandão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 















 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lucia Brandão:
 
Iniciei como ilustradora aos 17 anos na Folha de São Paulo onde permaneci como colaboradora durante alguns anos. Depois de um bom tempo ilustrando revistas e jornais decidi participar do universo literário de onde nunca mais saí, adoro ler os textos, me emocionar, realmente me encanto com as estórias. Escolhi ser ilustradora muito criança ainda, quando passava os meus dias sempre entre livros, minhas janelas para o universo. Depois de muitos e muitos livros ilustrados, uma vida inteira, mais de vinte anos me sentindo sempre muito honrada em ser convidada a participar dos livros de tantos autores maravihosos, estou só agora descobrindo a beleza de criar meus próprios livros com foco é claro nas ilustrações, unindo tres paixões antigas, meio ambiente, crianças e desenhos. Nasci em São Paulo e há 7 anos tomei uma grande decisão em busca de mais tranquilidade e uma vida natural num ambiente rural, me mudei para Avaré, interior de São Paulo. Nesta pequena cidade de 80 mil habitantes me descobri uma ambientalista atuante por força das circunstâncias, na falta de pessoas interessadas em perservação ambiental e proteção dos animais, iniciei no rádio com um programa que criei sem mesmo ter familiaridade com a nova linguagem, muito preocupada em informar e motivar a população, depois textos para jornais, blogs, tv local e muitas participações em sessões da câmara. O que fica é que o bom da vida é podermos ser um pedacinho da transformação que queremos para o mundo e de alguma e qualquer forma podemos inspirar que seja uma única pessoa a seguir um sonho de viver com mais qualidade, respeito à vida e beleza.
Para saber mais, acesse: http://www.luciabrandao.blogspot.com"
 

(http://www.labirintosnosotao.com/2009/01/galeria-do-labirinto-lucia-brandao.html)

 

 

 

 

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O GENIAL LIMA BARRETO,

SENTADO, AO AR LIVRE,

POSANDO PARA A POSTERIDADE:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://literatura.atarde.uol.com.br/?p=480)