EGITO, PIOR DO QUE O IRÃ
Por Rogel Samuel Em: 09/02/2011, às 02H35
DO EDITOR BBC
Os acontecimentos no Egito, onde confrontos entre seguidores e críticos de Hosni Mubarak ainda podem causar um banho de sangue, adquiriram uma velocidade impressionante. Digna de uma revolução. E, como em toda revolução, é possível saber como ela começou, mas nunca como acabará. As forças liberadas por um processo revolucionário, como o francês, no final do século 18, ou o russo, no início do século 20, são explosivas e duradouras, podendo mostrar seu verdadeiro impacto apenas muitos anos depois. Guerras civis, mortes e a adoção de regimes autoritários estão entre as várias nocivas consequências de movimentos que, no início, pretendiam ser um caminho para a democracia. Uma revolução é geralmente uma viagem acelerada e tortuosa em meio à escuridão.
Muitos consideram os atentados de 11 de Setembro ou a queda do Muro de Berlim os mais importantes fatos internacionais desde a Segunda Guerra Mundial. Outros, no entanto, apontam para um acontecimento transformador cujos efeitos se fazem sentir até hoje no cenário político global. A Revolução Iraniana, de 1979, mudou o paradigma de governo no Oriente Médio, abriu um novo espaço na vida pública para a religião e modificou os cálculos políticos das grandes potências. O regime iraniano é tão orgulhoso de sua revolução que apressou-se em dizer, dias atrás, que o movimento político no Egito era inspirado nos fatos de 1979 em Teerã. De certa maneira, é possível entender tal argumento, mas há muitas diferenças entre os dois movimentos. A revolução egípcia pode não ter o mesmo caráter transformador e inédito do levante que derrubou o xá Reza Pahlevi, mas é capaz de mais repercussões imediatas na região.
Diferentemente do movimento egípcio, a revolução do Irã tinha uma figura central, idolatrada por grande parte da população. O aiatolá Khomeini já era um ponto de referência para a oposição iraniana havia mais de dez anos enquanto estava baseado na cidade iraquiana de Najaf. Khomeini deu ao movimento que derrubou o xá um forte caráter religioso, apesar de na oposição haver várias outras tendências políticas, inclusive liberais e comunistas. O resultado foi a adoção de um regime islâmico e xiita, algo que o mundo ainda não havia presenciado. No Egito, apesar da significativa penetração da Irmandade Muçulmana, grupo político islâmico proibido por Mubarak, não existe uma figura central e inspiradora que conduza a ação dos manifestantes. Tal vácuo na liderança pode poupar os egípcios do caminho religioso adotado em Teerã, mas põe mais pontos de interrogação em um movimento difuso e sem clara direção.
A Revolução Iraniana também teve um resultado político regional relativamente modesto, apesar de em certa medida ter mesmo mudado o mundo. Cercada de inimigos por todos os lados, especialmente os árabes sunitas, muitos no Ocidente acreditavam que o levante de Khomeini fosse vulnerável demais para sobreviver. Estados Unidos e seus aliados incentivaram então seu amigo Saddam Hussein a tentar sufocá-lo por meio de uma guerra, um ano depois da queda do xá. Oito anos de combates deixaram 1 milhões de mortos, mas o grande aiatolá e sua República Islâmica do Irã sobreviveram. O novo regime inspirou e armou movimentos militares além das suas fronteiras, particularmente o libanês Hezbollah, mas não se expandiu, nem provocou a queda de outros aliados dos americanos na região.
Tal efeito pode, entretanto, ser provocado pela revolução egípcia. Apesar de já termos visto a queda de um ditador neste ano, na Tunísia, o Egito é a maior nação árabe, e a queda de Mubarak pode ter um efeito dominó por toda a região. Efeito que não veio imediatamente com a Revolução Iraniana, mas que de certa forma terá suas origens nos acontecimentos de 1979 em Teerã. Símbolo do controle ocidental sobre o Oriente Médio, Reza Pahlevi teve o fim temido por líderes da Arábia Saudita, Jordânia, Egito, Argélia etc. O caráter xiita do movimento iraniano o restringiu geograficamente, mas a ideia de um levante popular no Oriente Médio continuou na mente de muitos na região, tanto os que o esperam como os que o temem. Os revolucionários egípcios podem agora provocar um efeito dominó reformador que leve democracia a povos calados por ditaduras, o que faltou ao movimento do Irã. Mas nada é garantido em uma revolução. As cenas de violência no centro do Cairo indicam que até mesmo uma nova guerra civil pode surgir, em meio ao tortuoso e incerto caminho revolucionário.