Drummond: "Moça e Soldado"
Por Bráulio Tavares Em: 20/06/2012, às 07H11
[Bráulio Tavares]
Dizem os que conheceram Carlos Drummond que ele era um desses paqueradores meio tímidos, que ficam circulando pela rua, de olho nas moças que passam. Não sei se isso é verdade ou se é uma auto-sugestão das testemunhas, influenciadas pelos inúmeros poemas em que o autor se descreve fazendo exatamente isto. Circular pelas avenidas cheias de gente, sempre de olho atento nos atributos das moças em volta, seguindo esta ou aquela no mesmo passo, é uma grande Arte; ainda mais quanto o poeta é mineiro, casado e não tem intenção de fazer assédio, de incomodar, de abordar moças na rua. Ele não quer “nada além de uma ilusão”.
“Moça e Soldado” é um dos poemas do seu livro de estréia (Alguma Poesia, 1930) em que ele se dedica a esse esporte. “Meus olhos espiam / a rua que passa. / Passam mulheres, / passam soldados”. O detalhe cinematográfico do poema é a angulação voltada para baixo, rumo às pernas dos passantes: “Meus olhos espiam / as pernas que passam. / Nem todas são grossas... / Meus olhos espiam. / Passam soldados. / ...mas todas são pernas.” De olhos baixos, o poeta se livra de cruzar os olhos com as possíveis ofendidas, e aproveita para avaliar o torneado das pernocas. No “Poema de 7 faces” que abre o livro, ele já se perguntava: “Pra que tanta perna, meu Deus?”.
O poema faz o paralelo constante entre as “moças bonitas feitas para namorar” e os “soldados barbudos feitos pra brigar”. A época era de conflagração política, e aquelas ruas deviam ser de vez em quando invadidas por soldados, ora desfilando, ora de folga. E o poeta compara as pernas que passam marchando ao som de “tambores e clarins”, e as pernas que simplesmente passam. Passam para brigar, e passam para namorar; e Drummond conclui com sua melancolia recorrente: “Só eu não brigo. / Só eu não namoro”. Essas duas provas de masculinidade lhe são vedadas; ele inveja os soldados, deseja as moças, mas pressente que os dois existem num mundo mais saudavelmente animal do que o dele.
Este espírito de paquerador peripatético seria mais bem descrito por Drummond em seu livro seguinte, Brejo das Almas, no poema “O procurador do amor”, onde ele diz: “Meu olhar desnuda as passantes. / Às vezes um bico de seio / vale mais que o melhor Baedeker”. Baedeker eram os famosos guias turísticos do começo do século, publicados na Alemanha, muito ricos em informação. Ele diz: “O andar, a curva de um joelho, / vinco de seda no quadril / (não sabia quanto eras pura), / faço a polícia dos ‘dessous’”. O termo francês tanto se refere à parte de baixo quanto às roupas íntimas femininas. Que o poeta flâneur não perdia de vista nem de imaginação