Drummond: "Festa no Brejo"
Por Bráulio Tavares Em: 10/06/2011, às 08H51
[Bráulio Tavares]
É um dos poeminhas menores, quase invisíveis, de Alguma Poesia (1930), primeiro livro de Carlos Drummond, cujos 80 anos foram comemorados no ano passado, e que eu recebi (de mim mesmo) a incumbência de comentar, poema por poema. “Festa no brejo”, se enviado anonimamente para a maioria das revistas literárias de hoje, dificilmente emplacaria uma publicação. O poema diz: “A saparia desesperada / coaxa coaxa coaxa. / O brejo vibra que nem caixa / de guerra. Os sapos estão danados. // A lua gorda apareceu / e clareou o brejo todo. / Até a lua sobe o coro / da saparia desesperada. // A saparia toda de Minas / coaxa no brejo humilde. // Hoje tem festa no brejo!”.
Parece uma pequena polaróide caipira, registro da observação de um capiauzinho à beira de sua palhoça, contemplando o brejo ao luar. Ilusão trêda! Para mim o poema de Drummond é citação, homenagem e piscadela-cúmplice-de-olho na direção do famoso poema de Manuel Bandeira “Os Sapos” (no livro Carnaval, 1919). Diz Bandeira: “Enfunando os papos/ saem da penumbra. / Aos pulos, os sapos / a luz os deslumbra. // Em ronco que aterra, / berra o sapo-boi: / - Meu pai foi à guerra! / – Não foi! – Foi! -- Não foi!” // O sapo-tanoeiro / parnasiano aguado, / diz: -- Meu cancioneiro / é bem martelado. // Vede como primo / em comer os hiatos! / Que arte! E nunca rimo / os termos cognatos”.
Já se viu, né? É Bandeira mangando dos poetas acadêmicos que só tem o academicismo para lhes valer, dos poetas que esquartejam o poema no leito de Procusto dos tratados de versificação. Consta que o poema é de 1918, ano da morte de Olavo Bilac. Isso será Bandeira perturbando o velório do outro? Ou terá sido justamente o poema que precipitou o desenlace? Difícil saber a esta altura, e desnecessário. Drummond e sua festa no brejo estão fazendo uma referência clara ao inconformismo generalizado contra o Modernismo, de que Bandeira é considerado uma espécie de precursor, de São João Batista vindo para anunciar quem virá depois.
Os sapos de Drummond, que estão desesperados, podem ser os críticos ou os poetas acadêmicos mineiros, horrorizados com os modernistas, essa quadrilha de diferenciados que surgiu para agredir a Norma Culta do idioma. (Naquele tempo, amigos, era agressão à Norma Culta dizer “que nem”, e um adjetivo como “danado” só se usava em contextos teológicos e canônicos.) O retrato que o poeta nos dá do brejo é o de uma imensa aflição que, linha a linha, vai meio que desmentido a “festa” do título. O que a gente vê é uma situação ansiosa, pois os sapos coaxam de fúria, ou de irritação, ou de desespero. No fecho do poema, contudo, vem uma frase inesperada e triunfante: “Hoje tem festa no brejo!”. Como se dissesse: “O brejo é nosso! Eles estão aí, reclamando pra valer, mas não adianta! A lua não lhes dá ouvidos, ninguém lhes dá ouvidos, viemos aqui pra fazer a festa no brejo. O brejo é nosso! Urrú! Urrú! O brejo é nosso!”