DOIS TEXTOS

GUILLERMO FRANCOVICH

De repente, no meu arquivo, uma carta antiga, de 6 de novembro de 1986, do filósofo boliviano Guillermo Francovich. Que traduzo. "Mui estimado amigo R. S. Acabo de receber, com o mais vivo prazer o recorte do Suplemento Literário do Jornal do Comércio que você se dignou enviar-me e que traz um artigo em que, ao mesmo tempo que se refere a Serrano Caldera, tem você a gentileza de comentar dois livros meus que tive o prazer de enviar-lhe já faz algum tempo." Segue por aí a carta. Caldera é o filósofo, jurista e escritor nicaragüense.
Francovich faleceu em 1990. Agora está muito mais famoso do que antes. Eu o conheci numa reunião de intelectuais. Estava muito idoso, sozinho num canto, e eu me aproximei, apresentei-me. Devia ter uns oitenta anos. Pequenino, magro, elegante, nobre. Fiquei com ele durante todo tempo, impressionado com aquele saber enciclopédico. Não o conhecia. Nunca tinha ouvido falar nele. Ele morava na
Vieira Souto, frente para o mar, em Ipanema. Bairro nobre. Pediu-me o endereço e foi, ele mesmo, levar-me alguns livros seus, que deixou na portaria. Escreveu dezenas de livros. "Filósofos brasileiros", de 1939, é um pioneiro. Além de Pascal, Heiddeger etc, interessava-se por índios, mitos indígenas. Escreveu algumas peças de teatro, contos.
Está traduzido para várias línguas e tem um livro sobre O cinismo. Lembro-me de que perguntei por que estava morando no Brasil. E ele disse: "A Bolívia tem um golpe de estado a cada dois anos". Para ele,
os mitos "son la expresión de actitudes vitales, de sentimientos y de experiencias que se manifiestan como convicciones cuya certeza es tal que pasan a ser tenidas como sagradas, como evidentes por sí mismas, situándose en un plano que las aleja de cualquier intento de crítica racionalizada" (pp. 7-8). Los mitos representan, por lo tanto, una categoría especial en el discurso axiológico de cualquier pueblo; se refieren siempre a vivencias dotadas de un fuerte fondo subjetivo, pero cuyos contenidos están al alcance de cualquier persona ... [y] despiertan resonancias en el alma colectiva" (p. 11). ("Los mitos profundos de Bolivia", 1980).  Foi bom reencontrar este carta. Agora vou atrás do recorte do Jornal do Comercio de Manaus, onde eu escrevia, naquela época.

CUIDADO COM A FLECHA

Leio num saite que "o índio sateré maué Jecinaldo Barbosa Cabral, chefe da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), jogou um copo d'água no deputado Jair Bolsonaro que tinha batido boca com Tarso. - Eu peguei um copo de água e joguei nele porque não tinha flecha - afirmou o indígena".
Faz muito tempo que nenhum índio ataca com flecha. Aqui no Rio de Janeiro, terra das balas perdidas, o fundador da cidade Estácio de Sá morreu ferido por uma flecha perdida. Ele combateu os franceses e seus aliados indígenas por mais dois anos. Em 20 de janeiro de
1567, foi gravemente ferido por uma flecha que lhe vazou um olho durante a batalha de Uruçu-mirim, veio a falecer um mês mais tarde (20 de Fevereiro). Ele Em 1º de março de 1565 fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, no terreno plano entre o morro Cara de Cão e o morro do Pão de Açúcar, bem perto de onde moro. Meu falecido pai, que era francês, adorava arco e flecha indígena, com que se exercitava. Não caçava. Não matava animais. Mas atirava muito bem com arco e flecha. A flecha é arma terrível, silenciosa, mortal. Os índios tratam a ponta com um veneno mortal. Somos alvos fáceis de suas flechas, dardos e zarabatanas. A zarabatana solta um dardo muito pequeno e muito rápido, que não se vê no ar, e é muito preciso, mortal, envenenado por um tipo de curare feito do cipó uirari e dos venenos de cobras, moscas, aranhas e escorpiões misturados num tipo de ritual. Paralisa o sistema nervoso e mata por asfixia. É uma arma sutil, sibila no ar. Lembro-me de meu pai atirando flechas no antigo balneário "Parque Dez", que era fora da cidade de Manaus e hoje está no centro urbano. Certa vez, entrando num "paraná", a lancha de meu pai foi alvo de uma flecha com uma espécie de signo vermelho. Era um aviso. Significava "não entre". Os índios estavam invisíveis.

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Editora: Vozes
Autor(es): Rogel Samuel

232 páginas
Formato (largura x altura): 13.7 x 21.0 cm cm
Peso: 196 gramas
4ª edição (2007)
Assunto:
Letras e literatura

Preço: R$ 33,80

 

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