Dílson Lages eleito para a APL

O professor e escritor Dílson Lages Monteiro, editor do Portal Entretextos, foi eleito  hoje, 4 de julho, para ocupar a cadeira 21 da Academia Piauiense de Letras. A cadeira 21 teve como primeiro ocupante o poeta Da Costa e Silva, que foi sucedido pela professora e poetisa Isabel Vilhena.  A Isabel,  sucedeu  o poeta Hardi Filho,  falecido em 21 de maio. A vaga na APL foi disputada com os escritores Marcos Damasceno e João Renôr de Carvalho.

Dílson Lages Monteiro cultiva gêneros literários diversos e publicou doze livros, passeando entre a prosa e a poesia, além de produzir livros didáticos. Para o professor de Teoria Literária da Universidade de Brasília, Ricardo Araújo, “A poesia de Dílson Lages tenta recuperar através do sentidos “O sabor das imagens”, propondo novas associações de imagens e ampliando o horizonte de possibilidades metafóricas". Ainda, segundo Araújo, "Lages cria novas metáforas buscando ilações inusitadas e auscultando os diversos sons provenientes destes seres peculiares que integram a personalidade humana de cada um de nós".

O processo de criação de imagens na poesia de Dílson é também destacado pelo escritor Francisco Miguel de Moura. Na mais recente edição de Literatura Piauiense, editado em junho de 2015, Moura enfatiza que esse é o traço estilístico que personifica a poética de Dílson. “Sua dicção poética tem matriz na imagem com sobreposição de metáforas, no uso da metonímia e outros tropos”, diz, enfatizando que o poeta “vai reinventando recursos além da retórica tradicional, ao lado de criações linguísticas da modernidade”.

Rogel Samuel, romancista, críticos literário e professor aposentado da Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreveu que a poesia de Dílson, principalmente no livro Os olhos de silêncio, é uma poesia “Zen”. Diz o escritor que “ é a poesia mínima, reduzida ao mínimo, no minimalismo característico do pós-moderno”.

A atuação de Dílson Lages  na literatura vem se estabelecendo nos últimos anos pela exploração da prosa de ficção  em narrativas curtas e longas.  O morro da casa-grande (1997, duas edições), novela, e O rato da roupa de ouro (2014), conto infantil, foram recebidos com louvor por leitores e críticos literários. Adotados em escolas no Piauí e fora dele, esses livros consolidaram um novo escritor em formação. Naquele, o prosador uniu memória, ficção e poesia, para contar a destruição do patrimônio cultural de sua cidade-berço; neste, resignificando elementos do conto infantil clássico,  aproveitou para, por meio do lúdico, envolver as crianças em virtudes universais como a bondade e o altruísmo.

Conforme o crítico literário  Manoel Hygino do Santos, da Academia Mineira de Letras, em artigo publicado no jornal Hoje em Dia (Belo Horizonte-MG), “O morro da casa-grande trata-se de um trabalho interessante, a que não faltam vocábulos praticamente não usados no Sudeste e no Sul, expressões bem próprias do interior piauiense. Mas um texto agradável, com uma narrativa que faz sentido e tem propósitos claros, entre os quais o de proteger tanto quanto possível o legado das velhas gerações”.

Analisando a linguagem empregada por Dílson Lages na novela "O morro da casa-grande", o escritor e crítico literário Cunha e Silva Filho, Pós-doutor em Literatura pela UFRJ, ressalta que a "ideia propiciada pela leitura da sua narrativa teria aquela mesma sensação da leitura de um texto poético". O crítico acrescenta que, "Há um dado que muito conta a favor desse escritor: é que, ao lado da linguagem que, por vezes, tangencia a poetização do seu tecido literário, ao mesmo tempo existe um cuidado especial com a linguagem, com a sintaxe do discurso narrativo, e isso é bem visível no espaço do enunciado, no qual as imagens poéticas e o lirismo potencialmente forte se casam perfeitamente, numa harmonia de um discurso que traz um sabor - diria - clássico".

Dissecando temática e estruturalmente a novela, Cunha e Silva Filho esclarece que “o leitmotif da narrativa não deixa de ser a derrubada da igreja na sua imbricação com a imagem fantasmagórica do morro da Casa-Grande. Dessas duas circunstâncias podemos depreender toda a motivação  do núcleo  do relato. A Igreja da Matriz  de Barras reforça esse elemento temático-nuclear com  a chancela histórica de ilustrações inseridas no corpo do texto , assim como de outras ilustrações e paisagens alusivas ao meio rural, a um antepassado histórico, ao rio Marataoã, a ruas de Barras, a outros logradouros da cidade e, finalmente,  a ilustrações representativas daquela igreja. Esses dados da realidade no campo e  na cidade, por assim  dizer, quebram a chamada ilusão ficcional, predispondo o leitor a uma volta ao mundo empírico e a ver a ficção como  uma mera construção imaginativa, mas não desligada dos seus liames histórico-culturais.”

Para a escritora e doutora em Estudos Literários pela UFG, Rosidelma Fraga, “O projeto de escritura histórica é seco, medido e racional, mas a forma como a narrativa é contada, sem dúvida, é de um lirismo derramado”. Ela salienta que ‘a ênfase do narrador para a antiga cidade de Barras do Marataoã é tão delineada que o rio de mesmo nome parece adquirir vida humana em forma de lirismo puro: “O Marataoã parece que saiu do lugar – repetia a balconista, com o leque nas mãos. O leque dançando, dançando, ao som seco e abafado do vento. O leque atritando o ar em coreografias” (MONTEIRO, 2012, p.13).’

Entre os que escreveram sobre o conto infantil O rato da roupa de ouro, ricamente ilustrado por Ângela Rêgo, está o crítico literário de O Globo José Castello. Em extensa resenha, Castello desnuda os mecanismos de criação empregados por Dílson Lages,  para levar o tema da política e do poder aos pequenos. Para o crítico, “A história de Dílson Lages Monteiro conduz seus pequenos leitores a uma confrontação precoce (e divertida) com a fragilidade dos valores humanos. Mostra-lhes que eles são móveis, que eles são instáveis, que eles são transitórios — que eles são, enfim, o que define o próprio humano”.

O Portal Entretextos, que agrega colaboradores e entusiastas da literatura, é criação de Dílson Lages. Fundado em 2002, o Portal é referência em literatura. Em artigo intitulado “O uso de blogs e chats no ensino de literatura”, publicado na revista Letras Hoje, da PUC-RS, o professor da universidade Estadual de Maringá (UEL), Dr. Marciano Lopes e Silva, recomenda Entretextos como uma das páginas literárias em Língua Portuguesa com conteúdo relevante para utilização em aulas de literatura (http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/7528/5398).

Textos do Portal Entretextos são utilizados atualmente em atividades do projeto didático A didatiteca virtual de ensino em português, elaborado pelo Departamento de Português do Centro de Ensino de Línguas Estrangeiras da Universidade do México (CELE – UNAM)

 

OBRAS PUBLICADAS:

a)Mais Hum (poemas – 1995);

b)Cabeceiras: a marcha das mudanças (estudo historiográfico – 1995) – coautoria;

c)Colmeia de concreto (poemas – 1997);

d)Os olhos do silêncio (poemas – 1999);

e)A metáfora em textos  argumentativos (ensaio – 2001)- duas edições

f)O sabor dos sentidos (poemas – 2001);

g)Entretextos (artigos e entrevistas – 2007);

h)Texto argumentativo – teoria e prática (didático – 2007) – adotado em diversas escolas como livro-base para alunos de terceiro ano do Ensino Médio;

i)Adiante dos olhos suspensos (poemas – 2009);

j) O morro da casa-grande  (romance – 2011) – duas edições. Obra adotada como leitura obrigatória  em várias escolas, inclusive fora do Piauí.

l)O rato da roupa de ouro (infantil – 2012) – livro adotado por diversas escolas do Piauí e fora do Estado.

m)Ares e lares de amores tantos (poemas – 2014).

 

OBRAS INÉDITAS:

Infantis –  Meus olhinhos de brinquedo  (no prelo) , A formiguinha espiã, A ovelha que voava,  O gato da pele de gente e Bem-ti-vi, bem tem vê;

Infanto-juvenil O menino da alma de pássaro (em fase de reescrituras);

           Novela Capoeira de Espinhos

PEQUENA BATERIA DE POEMAS DE DÍLSON LAGES: 

 

A VAIDADE DO VERÃO

A solidão do sol absorve 
o verão vitorioso 
das tardes de agosto 
e o gosto da vida 
vira gota de lágrima perdida.

A solidão do sol silencia 
o sepulcro das ruas 
que rastejam na poeira do poente.

A solidão do sol 
apaixonada pelo brilho 
dos próprios olhos 
atira-se sobre o telhado 
da casa 
e morre curiosa.


(IN)DECISÃO

Cai o sereno nas notas da noite
e o coração do sol se assombra.

Cai sobre a máscara do mar
e a face cega do amor
canta uma canção de despedida.

Cai sobre as pálpebras da boneca
despenteada pelo calor dos olhos.

Cai sobre as mãos 
que acenam o adeus.


O GALOPE DAS ESTRELAS

Meus olhos tocam o campo 
onde cavalgamos sonhos.

Ouço o mugido do gado 
preservando o encanto da noite 
e galopamos na tangente do açude 
onde o céu se oferece para contemplação.

A madrugada corre ensandecida. 
Minhas mãos alcançam as alturas 
e degusto o oásis do sertão 
onde cavalgamos sonhos.


OLHOS NO INFINITO

A palavra seca 
o rio que nasce 
nos meus olhos.

Semeio suor 
nos ombros do tempo 
e a vida do silêncio brota nos jardins 
que o olhar esconde.


CONTATO

O coração 
Pulsa 
Entre o sol 
Riso.


SOMBRA DE EROS
Para aldairis

A tua alma brilha
nas paredes do meu quarto
no silêncio da noite escura.

E os raios de teu riso
oferecem ao ar
os riscos de tuas cores:

O vermelho paira na pele
e o calor róseo
de preto e branco
veste a luz.

Ofusco-me com o rumor
de tua presença
e a alma de teu sorriso ilha
brilha na lembrança
livre de impedimentos.


ASSIM

Não se entregue assim
por inteiro
se a tarde demora
e o demônio mora
na hora mórbida
desse momento.

Não se entregue assim
passageiro
se o pássaro pousa
em sua audição
o som triste
da natureza.

Se entregue assim
por inteiro
se o coração suspira
o suor do silêncio
e a noite diz sim


(IN)CERTEZA DA ILUSÃO

Entrego a ti
o trajeto de minha emoção
e naufrago no afeto de teu tribunal.

Teu coração pequeno não comporta
o compasso de meus passos
e machuca o caminho das sensações.

Entrego-me a ti teu coração
cortado pelo olhar da tarde
que desce no degrau do firmamento.

Entrego-me a teu coração
o curso do sol que divide o hoje
entre o ontem e o amanhã.


CARNE DE PAPEL

Sem o corpo
o espírito vaga no ar
da paisagem oculta.

Sem o corpo
o espírito vaga
por onde crescem os fantasmas
de tuas fortalezas.

Sem o corpo
a paisagem oculta
a sinuosa curva do sonho
que se dissolve pelo chão.

Sem o corpo a noite
escurece o céu de silêncios
e o espírito se perde
entre as estrelas
para te encontrar
onde a memória alcança.


TERAPIA

Consigo me ver nos seus olhos
neles me vejo
como quem vê a si no silêncio.

Consigo ser o sal de seus sentidos
e o sol das emoções
vestidas pelo suor suave
que me confunde os verbos.

Consigo tocar a lucidez de sua face
e a loucura dos pensamentos
mergulhados no mar
que nos atira à areia.

Consigo o céu pousa
na palma de minha mão.
Eu astro e rei
brinco de tiro ao alvo.


SENHORA DE MIM

O espaço cola minha alma à tua
e sou presa fácil
do olhar fixo dos passarinhos.

O ar acaricia teu rosto
e a febre da tua boca
esfria meu estômago quente.

Sou presa fácil:
meus pés pisam o asfalto


SIGNO(FICA)

O que signi(fica) a forma de teus lábios
no céu de minha cama no teto do ar?

Onde leve(estamos)
o signo na clareira
encerra o ser.

O que signi(fica) o conteúdo do teu corpo
na imaginação do estado único
de minha transparência?

Em que ciência construímos a razão do dia
se a carne dos nervos em versos de suor?

Acaso o caos sucumbiu-nos
nus entre-verbos da comunicação
respostas (i)mediatas?

Onde leve(estamos)
par-oxítonas
para o ritmo do amor.


TAL VEZ

Um dia talvez
a tarde se deite
debaixo de meu lençol
e o corpo do tempo
seja o seio
que seguro
em minha mãos.

Um dia talvez
os versos do olhar
liguem o céu à terra
e o corpo do tempo
seja o seio
que desliza
em meus lábios.

Um dia talvez
teus labirintos
sejam a linha line(ar)
do pensamento
e o presente reviva
colorindo o peito.


PERMANÊNCIA

Minha pele não vê
a superfície da luz oculta
e o tato toca o corpo
sem sentir
o tom das tuas mãos.

meu nariz não respira
o cair de tua presença
como sombra de meus passos
nem o olfato fala
teu cheiro de flores do campo.

Meus olhos não degustam
a grama da cama macia
e o paladar mastiga os lábios
sem engolir o gosto
dos beijos de açúcar.

Mas a pele, o nariz, os olhos
em meu coração, poesia.


MARATAOÃ
Para José do Rego Lages

O rio corre em meu coração
e separa os sentimentos da areia.

A vaga das água vai
virando pó em pensamento
e a estrada encurta distâncias.

O rio viaja no horizonte
onde dançam os cabelos das carnaúbas
e soluçam os olhos do sol.

O rio corre em meu coração
e deságua nas correntezas do caminho.


O VOO DO CÉU

Como a manhã sem pressa
no alto da colina
nasce a palavra na retina
onde crescem a lavoura
e o voo do céu.

Nasce sem pressa a manhã
no leito lento do rio
onde reses ruminam
a mina do sol.

Nasce sem pressa a manhã
nos palácios de palha
onde o corpo repousa
o silêncio do cio.

Como a manhã sem pressa
no coração da imagem
crescem a lavoura
e o voo do céu.


(RE)PRESA

A água debaixo da ponte
agita-se com o reflexo do céu
e devora a noite
tecendo o rio de estrelas.

Debaixo da ponte
os lábios das margens
molham-se de delírios
e os lírios olham a imensidão.

Debaixo da ponte
o corpo da água escorre
entre os dedos de concreto
e esbarra no beijo da vegetação.


DIAS QUE SE REPETEM

O fogo fortalece
a fortaleza incerta
do após.

Aposta-se o destino
dos sonhos não vividos
e a emoção parte
lentamente
das praças órfãs.

Aposta-se a Barras dos bares
que embriagam o presente
com a desgraça sem graça
dos ébrios e ditadores.

 

Aposta-se o povo
nas carrocerias dos caminhões
e a sombra do inferno
cobre as vozes
mascaradas de progresso
enquanto a cidade para
no enterro dos vivos


ASSISTA AO VIDEO-POEMA:

Na foto - em pé, da esquerda para a direita: Homero Castelo Branco, Humberto Guimarães, Fonseca Neto, Reginaldo Miranda, Oton Lustosa, Francisco Miguel de Moura, Paulo Nunes, Dílson Lages, Magno Pires, Nildomar da Silveira Soares e Elmar Carvalho. Agachados: Herculano Moraes e Nelson Nery Costa