Como disse David Thomson, Buñuel é um diretor idealmente formatado para o cinema popular, pela importância que este atribui aos sonhos, às questões de identidade e às manifestações da fantasia. Indo na contramão da maioria dos críticos que acusam Buñuel de incompreensível e antiburguês, ele afirma: “Os manifestos surrealistas não poderiam ter encontrado uma arena melhor do que o cinema comercial. O estilista Buñuel nunca esquece que ali estamos nós, sentados na escuridão, presos às imagens luminosas”. A superfície exterior do melodrama, os conflitos emocionais, a empatia imediata provocada pelos seus conflitos cotidianos e facilmente inteligíveis – tudo isso pode funcionar como uma isca, arrastando o espectador para dentro de uma situação dramática cuja fundação ele entende por completo, e, a partir daí, alvejá-lo com a desconcertante artilharia de imagens surrealistas, apanhando-o desprevenido. Foi justamente isto que Buñuel fez em A Bela da Tarde (1967), Tristana (1970) e Este obscuro objeto de desejo (1977),
Neste filme, a presença da criada Céléstine (Jeanne Moreau) num solar interiorano, no meio de uma família consistentemente repulsiva, desencadeia uma série de pequenas crises, inclusive o assassinato de uma garota. As manobras de Céléstine para descobrir e punir o criminoso se misturam às suas manobras de ascensão social; seria um filme típico de diretores franceses da época, como René Clair ou o próprio Renoir. Os pequenos detalhes buñuelescos (fetichismo, etc.) não destoam de um filme uniformemente bom, correto e competente, mas um equivalente aos filmes menores que ele fazia no México quinze anos antes.