Chico Acoram e a mosca azul
Por Elmar Carvalho Em: 08/11/2017, às 08H47
Chico Acoram e a mosca azul
Elmar Carvalho
Segunda-feira, velório de meu pai, falecido no domingo, dia 5, às seis horas da tarde. Além de parentes, colegas e amigos, marcaram presença alguns intelectuais de minha estima. Já perto de uma hora da tarde, quando o féretro seria levado para Campo Maior, onde seria celebrada a missa de corpo presente e procedido o sepultamento, na mesma sepultura em que repousava minha mãe, eu conversei com o historiador e romancista José Pedro Araújo, o articulista e cronista Chico (Araújo) Acoram e o historiador e escritor Fonseca Neto, sobre assuntos diversos, menos temas fúnebres.
No momento em que os dois primeiros se despediam, eu disse que o Chico Acoram já tinha material suficiente, em quantidade e qualidade, para publicar um livro com suas notáveis crônicas memorialísticas e historiográficas. Disse com toda a sinceridade porque lhe reconheço o valor literário. Mas o Chico, humilde, arredio e infenso a vaidade, me retrucou que ainda não havia sido picado pela mosca azul.
Quando jovem, eu podia perder a amizade, mas não perdia a oportunidade de fazer uma boa piada ou jocosa anedota. Agora, perco a blague, porém não perco o amigo. Mesmo assim, sem medir possíveis consequências, respondi-lhe:
- Mas você, Acoram, jamais será picado pela mosca azul; sabe por que? Porque o amigo é a própria mosca azul.
Apesar das risadas, eu não estava me contrapondo a ele, e nem estava lhe insinuando qualquer vestígio de vaidade. Muito pelo contrário. A mosca azul inocula o pecado da vaidade nos outros, mas ela própria não a tem. E não a tem por não ter consciência de sua beleza ou por tê-la em grau absoluto, de modo que o seu encanto é algo que lhe é natural e indiferente.
Com isso, eu estava a dizer que o nosso bom amigo Chico Acoram não poderia picar-se a si mesmo, e, portanto, jamais seria envenenado pelo vírus da vaidade, como nós outros. Afinal, a mosca azul do poeta, magnífica em sua beleza, contudo sem a vaidade dos homens, não se contamina com o que não tem, mas que, mesmo não tendo, transfere aos homens, talvez porque os humanos só recebem de verdade aquilo para que são propensos.
A humildade de meu amigo Acoram é de fato humilde e discreta; não é da estirpe daquelas que se empavonam pela própria ostentação dos que se autoproclamam humildes.