Cel. Gonçalo Teixeira Nunes
Por Reginaldo Miranda Em: 09/04/2024, às 14H19
Reginaldo Miranda[1]
Corria o ano de 1904, na vila de Regeneração, hoje cidade de mesmo nome. Era 15 de agosto. Em sua casa o sitiante Deolindo José Nunes, entrava e saía inquieto, acompanhado pelos dois filhos pequenos enquanto a esposa entrava em trabalhos de parto para o nascimento do terceiro varão. Não demorou a ouvir o choro da criança que nascera naquele dia, pelas mãos da velha parteira do lugar. Ao adentrar aos aposentos da parturiente pôde contemplar a criança que era embalada nos braços da orgulhosa mãe, a professora Florinda Teixeira Nunes, conhecida por “Dona Sinhá”, ou “Buá”, como era tratada pelos filhos e, mais tarde, também pelos netos e demais familiares. Em pouco tempo, a casa encheu-se de parentes e amigos que ali foram felicitar o jovem casal pelo nascimento da criança. Recebeu na pia batismal o nome do padroeiro daquela freguesia e no registro civil o nome completo de Gonçalo Teixeira Nunes.
Descendia de tradicional família do Médio-Parnaíba piauiense, tendo seus ancestrais prosperado na lavoura, na pecuária e no comércio, com participação ativa na política. A família Nunes remonta suas origens ao português Pedro José Nunes, radicado no vale do rio Berlengas durante o último quartel do século XVIII, oportunidade em que ocupou por mais de uma vez os cargos de vereador e juiz ordinário de Valença. Pelo costado materno, descendia de uma ilustrada família maranhense, os Teixeira do vale do rio Itapecuru, sobretudo dos termos de Caxias e Colinas, onde deram enorme contribuição nos campos da cultura, jornalismo, magistratura, política e nas profissões liberais.
Oriundo desses velhos troncos familiares do Meio-Norte brasileiro, Gonçalo Teixeira Nunes viveu a infância na vila de Regeneração, entretido entre os bancos escolares e as peraltices próprias da idade. Cursou o ensino primário com o professor Benedito José de Neiva (Dito Neiva) e com sua genitora Florinda Teixeira Nunes (D. Sinhá), que foi incansável na dedicação ao seu aproveitamento escolar.
Alcançando a adolescência, em 1º de fevereiro de 1917, com pouco mais de 12 anos de idade, foi mandado para a vizinha cidade de Amarante, para complementar os estudos e aprender a prática comercial, trabalhando como caixeiro na casa comercial de D. Maria Ayres Lima, esposa do Dr. Francisco Ayres Cavalcanti. Trabalhava durante o dia com aquela e, à noite, recebia lições deste, que era médico excelente e professor admirável[2]. Era aquela cidade ribeirinha do Parnaíba, então importante entreposto comercial. Por aqueles dias a navegação fluvial no rio Parnaíba representava o principal corredor de acesso de pessoas, mercadorias e serviços entre a faixa litorânea e os longínquos Sertões de Dentro do Piauí e Maranhão. No início daquele século era o porto de entrada na foz daquele rio, situado na cidade de mesmo nome, o principal entreposto comercial do Piauí, seguido pelo da cidade de Amarante, então a segunda praça comercial do Estado do Piauí. No entanto, quando o jovem Gonçalo Nunes ali aprimorou os seus estudos e aprendeu a prática do comércio, a cidade de Amarante lutava arduamente contra a decadência; visivelmente perdia a liderança comercial dos sertões para a cidade de Floriano, que, aos poucos conquistava a liderança econômica e política do sul do Piauí e Maranhão.
De retorno à vila de Regeneração, em 1921, Gonçalo Teixeira Nunes reúne a pequena economia auferida, certamente, reforçada com o apuro de alguns semoventes e a ajuda dos familiares, abrindo sua casa comercial na praça da matriz. Perspicaz, inteligente, bem relacionado não demora a dominar o comércio de fazendas e gêneros. Atira-se com afinco e denodo na compra de produtos da lavoura, da pecuária e da flora regional para vender nos centros mais adiantados, de onde trazia roupas, tecidos e produtos industrializados para venda em seu estabelecimento. O transporte que era feito inicialmente em lombo de mulas, mais tarde, passa a ser feito em veículos automotores. Com essa visão aguçada, enquanto muitos comerciantes faliram durante a seca de 1932, consolidou ele o giro de seu comércio, passando a ser o principal comerciante do lugar.
Carismático, com capacidade de liderança e vocação pela política, desde muito moço participa dos embates eleitorais, primeiro ao lado do genitor e, mais tarde, do irmão primogênito Severino Teixeira Nunes, ambos conselheiros municipais em legislaturas diversas. Na verdade, a partir do pleito municipal desferido em 16 de novembro de 1920, o capitão Severino Nunes vai suceder ao genitor no conselho municipal de Regeneração, hoje câmara municipal, onde permanece por três legislaturas consecutivas, até 4 de outubro de 1930, em face do movimento revolucionário. Nessa época, a atuação política de Gonçalo Nunes já se faz notar, aparecendo algumas notas na imprensa.
Em 29 de julho de 1925, o comerciante Gonçalo Teixeira Nunes casa-se com Maria de Lourdes Mendes Leal, depois de casada Maria de Lourdes Leal Nunes, filha do capitão Juvenal Mendes Leal e de sua mulher Maria Alves Mendes Leal, ambos oriundos de tradicionais famílias daquela região.
Em atenção às novas diretrizes político-administrativas do movimento revolucionário encabeçado por Getúlio Vargas, foi o Município de Regeneração extinto no período de 26 de junho de 1931 a 15 de fevereiro de 1934. Mais tarde, com o restabelecimento da autonomia administrativa foi pelo Interventor Federal nomeado para prefeito municipal de Regeneração, em 21 de fevereiro de 1934, seu irmão secundogênito Francisco de Paula Teixeira Nunes, o “Mestre Velho”, que, com pequeno interregno, passa quase 12 anos no comando administrativo da municipalidade, onde estabelece sólida liderança política.
Nas eleições estaduais de 14 de outubro de 1934, com 30 anos de idade, foi o coronel Gonçalo Nunes, como era conhecido, eleito deputado estadual constituinte, sendo diplomado em 28 de março do ano seguinte. Participando ativamente dos trabalhos legislativos e constituintes, integrando a bancada oposicionista, teve seu mandato interrompido pelo Golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, desferido pelo Presidente Vargas, que instituiu o “Estado Novo”.
Retorna então às suas atividades empresariais, dando um passo importante ao tornar-se gerente da filial piauiense da Empresa Industrial Lucaia Ltda., grupo empresarial nordestino. A sede da empresa foi estabelecida no bairro Vermelha, em Teresina.
Em 1940, exerceu o cargo de delegado geral do recenseamento no Estado do Piauí. Em seguida, de inspetor geral da companhia de seguros de vida A Equitativa, tendo servido no Piauí, Ceará e Bahia, de onde retornaria ao Estado para continuar a sua vida profissional no comércio, na indústria e na vida pública.
Com o fim da “Ditadura Vargas”, o coronel Gonçalo Nunes possuía um nome conhecido e respeitado no Estado, tanto na atividade empresarial quanto na política. Caiu então o Governo Leônidas Melo, substituído pelo coronel Antônio Leôncio Pereira Ferraz, que foi nomeado Interventor Federal no Piauí, prestando compromisso de posse junto ao Ministério da Justiça, em 5 de novembro de 1945. Chegou à cidade de Teresina e assumiu a Interventoria em 9 de novembro daquele ano, demitindo de pronto todos os prefeitos municipais e nomeando em lugar destes, pessoas de sua confiança, simpatizantes da nascente União Democrática Nacional (UDN). Nessa quadra surge impasse na política da cidade de Floriano, então principal polo econômico e político do centro-sul piauiense, com liderança regional estendida às vastidões do sul do Piauí e Maranhão. Para resolver essa situação política, em 17 de novembro de 1945, foi o coronel Gonçalo Teixeira Nunes nomeado para exercer em comissão, o cargo de prefeito municipal de Floriano, havendo-se com elegância em sua curta gestão administrativa na Princesa do Sul.
Retornando o Brasil à normalidade democrática, realizam-se eleições estaduais em 19 de janeiro de 1947, com forte polarização no Piauí, entre UDN e PSD. A primeira legenda elegeu o governador Rocha Furtado e as duas vagas de senador que foram colocadas em disputa, todas por pequena margem de votos, em acirrado pleito. Nessa altura, rachou a família Nunes, de Regeneração, vivenciando luta eleitoral entre os irmãos Francisco de Paula Teixeira Nunes e Gonçalo Teixeira Nunes, que apresentaram suas candidaturas para deputado estadual, respectivamente, pelo PSD e UDN. Não logrando eleger-se ficaram ambos na suplência, mas o coronel Francisco Nunes foi convocado e chegou a ocupar a titularidade do cargo, por breve período. As eleições municipais somente foram realizadas em 29 de fevereiro de 1948, elegendo-se em Regeneração o candidato do PSD, Raimundo Pereira de Vasconcelos (Redondo), primo de ambos, primeiro prefeito eleito nessa fase da redemocratização do País.
Nas eleições gerais de 3 de outubro de 1950, o coronel Gonçalo Teixeira Nunes apresenta seu filho Alfredo Alberto Leal Nunes para concorrer pela primeira vez ao cargo de deputado estadual, pela legenda do Partido Social Progressista (PSP). Obtém expressiva votação, mas a legenda somente elege um deputado, Dr. Agenor Barbosa de Almeida, permanecendo Alfredo Nunes na primeira suplência. Nesta eleição também apresentou-se como candidato a deputado estadual, apoiado pelo grupo político de Francisco Nunes, seu sobrinho Amandino Teixeira Nunes, notável advogado, professor e redator do jornal O Estado, órgão do Partido Social Democrático (PSD). Desgostoso com os rumos da política, esse último muda-se para o Estado do Maranhão, onde enceta vitoriosa carreira no ministério público estadual, mais tarde, aposentando-se no cargo de procurador de justiça. Apresentando-se novamente no pleito de 1954, Dr. Alfredo Nunes, permaneceu na suplência.
No entanto, com o trabalho redobrado do pai e filho, aliado à união familiar com os demais parentes, nas eleições de 1958, Alfredo Nunes elege-se deputado estadual pela legenda do Partido Social Democrático (PSD), cujo mandato foi renovado nas eleições de 1962 e 1966, por três legislaturas consecutivas. Orador brilhante, teve participação ativa no parlamento estadual, sobressaindo na tribuna e nas proposições legislativas, tendo, porém, o seu mandato cassado em 1969, decorrente do famigerado AI-5. Alfredo Nunes foi também advogado combativo e ilustre membro do Ministério Público, aposentando-se no cargo de procurador de justiça.
Nas eleições de 3 de outubro de 1962, o coronel Gonçalo Teixeira Nunes foi eleito prefeito municipal de Regeneração, realizando profícua gestão. Sob sua influência foram desmembrados dois povoados para formação de novos municípios, sendo Lagoinha dos Mota, hoje Hugo Napoleão e Baixa do Coco, hoje São Gonçalo do Piauí. Na sucessão de 1966, elege seu sobrinho Augusto Carlos Teixeira Nunes para prefeito municipal de Regeneração. Por esse tempo, habilmente celebra acordo com a oposição udenista, naquele município chefiada pelo ex-prefeito Luiz Moreira Ramos, elegendo para prefeito nas eleições de 1970, Benedito Moreira Ramos, enquanto ele concorre ao cargo de deputado estadual. No pleito de 1972, Gonçalo Nunes vai novamente eleito prefeito municipal de sua terra natal, primando seu mandato com obras que visavam o bem estar da população, seja na área educacional, na de saúde, ou no atendimento aos serviços básicos de urbanização, como calçamento, reformas de prédios públicos, açudagem no interior, água e luz.
Na política ainda viu o genro Wilson de Andrade Brandão eleger-se deputado estadual nas eleições de 1966, sendo sucessivamente reeleito até 1990, quando foi sucedido pelo filho Wilson Nunes Brandão (seu neto), ainda em plena atividade no parlamento estadual. Assim, sem solução de continuidade, a família do coronel Gonçalo Nunes está há 90 anos mantendo uma cadeira no parlamento estadual, sendo, assim, uma das mais longevas da vida pública estadual.
Falecendo a primeira esposa em 3 de setembro de 1959, voltou a contrair núpcias em 16 de dezembro de 1960, com a sobrinha Maria do Perpétuo Socorro Nunes, de cujo consórcio teve mais dois filhos.
No período de 1968 a 1972, exerceu o cargo de diretor-presidente do Frigorífico do Piauí S.A. (FRIPISA).
Faleceu o coronel Gonçalo Teixeira Nunes, em 8 de abril de 1994, na cidade de Teresina, onde fixara residência, com quase 90 anos de idade. Deixou um nome honrado e larga folha de serviços prestados à sua terra. Seu sobrinho M. Paulo Nunes, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, que com ele convivera, assim testemunha:
“Era ele um homem bem humorado, tratando todas as pessoas, de qualquer condição social, com urbanidade e respeito. Era o protótipo do homem cordial, educado, atencioso, amante da boa conversa e do diálogo inteligente, um amor de pessoa. Jamais o haveremos de esquecer os que com ele convivemos.
‘Era também um otimista e uma pessoa confiante. Nunca lhe surpreendi um momento de depressão, achando que as coisas tendiam sempre a melhorar. Orador articulado e fluente, era um encanto ouvi-lo”.
[1] Membro Titular da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Contato: [email protected]
[2] NUNES, M. Paulo. Evocações de Gonçalo Nunes. Regeneração: 2004.