Capítulo 4: Iantok
Por Miguel Carqueija Em: 24/08/2011, às 10H53
Miguel Carqueija)
O Chanceler Saturnino investiga.
CAPÍTULO 4
IANTOK
Saturnino fitou o homem barbudo, cabeludo e bigodudo à sua frente. Se usasse máscara, Iantok talvez não disfarçasse melhor sua verdadeira fisionomia.
— Então? — disse o Chanceler, seco como Javert (*).
— Acredito de antemão que o senhor não dará crédito ao que eu tenho a dizer.
— Oh, pelas estrelas! Se eu não lhe acreditasse acha que o encarregaria da investigação? Desembuche.
— Bem, Chanceler. Esse trabalho foi feito por uma só pessoa.
— Que?
— É o que eu lhe digo.
— Estou pronto a acreditar, visto que o caso é tão estranho. Mas que provas você tem?
— Examinei tudo, com minha equipe. Desde os pragais que rodeiam o túnel, até o interior dele. O palerma do Marte ajudou bastante, ele é um homem de inteligência limitada mas fiel e trabalhador, pode crer.
— Sei disso. Continue.
— Ora bem: examinei particularmente o telhado, por assim dizer, do trem. Só encontramos microvestígios de tecidos que revelam uma única pessoa, que se pendurou no teto da caverna e na hora certa pulou sobre o comboio. Agora, a maneira como o trem foi desmontado, serei franco: revela uma tecnologia que me escapa completamente.
— Não tem nem uma pequena idéia?
— Tudo que posso dizer é que foram desfeitas as conecções que faziam do vagão uma coisa compacta, unida. Os rebites, os parafusos, soltaram-se e as guaritas caíram ao chão. Como pode ter sido feito isso em poucos minutos é algo que não posso imaginar.
— Não mesmo? Que espécie de cientista você é?
Iantok dificilmente aturaria essa espicaçada de outro homem que não fosse o chanceler.
— Posso formular hipóteses, senhor. Um campo energético teoricamente poderia ser empregado para mover objetos sólidos e produzir descoesão molecular, descompressão ou movimento desatarrachatório, mas empregar uma tal força com inteligência sobre vários objetivos determinados... de qualquer forma eu não conheço o aparelho capaz de gerar um tal feito. Certamente não foi obra de magia negra.
— Nem negra, nem roxa, nem verde. É uma invenção secreta, então?
— Isso, Chanceler, é uma conclusão lógica. Mande usar o soro da verdade em todos os prisioneiros políticos. Se alguém souber alguma coisa, não deixará de falar.
— Farei isso. É a primeira sugestão aproveitável que eu recebo desde que começou essa história.
— Não sou cientista há quarenta anos para me revelar um inútil quando o Chanceler precisa de mim.
— Diga antes o Estado. Não precisa me adular. Agora eu quero também que você reproduza os fenômenos. Essa é uma arma que nós precisamos ter.
Pelos olhos de Iantok passou uma sombra de aborrecimento, mas ele não se deu por achado:
— Muito bem, senhor.
— Crê que pode fazê-lo em quanto tempo?
— Terei de fazer um relatório pessoal definindo tudo o que tiver de reproduzir e reunir uma equipe específica...
— Eu sei disso. Você tem dezenas de cientistas a seu serviço; escolha quem precisar mas não forme equipe muito grande. Não vamos espalhar muito esse assunto. Mas eu quero domínio sobre essa tecnologia. Agora responda ao que eu perguntei.
— Se o senhor puder me conceder dois anos...
— Dois anos? Tem certeza de que não quer logo vinte ou trinta?
— Senhor — disse o pesquisador, com estudada dignidade — não sabemos quantos anos foram necessários para que o personagem misterioso dispusesse das armas que usou. Provavelmente mais de dez.
— Está bem. Dois anos. Mas isso é o prazo máximo que eu lhe dou. Muito antes disso começarei a cobrar resultados.
— O senhor os terá.
Ao se retirar da audiência, Iantok estava, quanto a essa última observação, muito menos convencido que o próprio chanceler.
(*) O terrível inspetor de polícia em “Os miseráveis”, de Victor Hugo.