Capitão Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, neto.
Por Reginaldo Miranda Em: 07/12/2020, às 09H44
Reginaldo Miranda*
Educador, jornalista, historiador, biógrafo, político, servidor público e comerciante, Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, neto, foi um piauiense que prestou relevantes serviços à sua terra, sobressaindo-se de sua lavra um precioso conjunto de biografias ainda bastante atualizado, mesmo quase cento e cinquenta anos depois de sua elaboração.
Nasceu esse distinto homem público, em 15 de junho de 1836, na vila hoje cidade de Campo Maior, filho do coronel Lívio Lopes Castelo Branco e Silva, político e revolucionário piauiense, e de sua esposa Bárbara Maria de Jesus Castelo Branco. Na pia batismal tomou o nome completo do avô materno, sendo este um renomado magistrado, o primeiro bacharel em Direito nascido no Piauí e formado pela Universidade de Coimbra.
Possuía menos de dois anos de idade, quando rebenta um movimento rebelde no Maranhão e que logo se alastra para o Piauí, liderado pelas camadas mais baixas da população, entre os quais negros escravos, lavradores e vaqueiros, além de alguns membros da elite agrária que faziam oposição aos governos das províncias do Maranhão e Piauí. Para dissabor da família, seu pai embora pertencendo a uma das mais distintas famílias da província, por fazer oposição ao governo reúne cerca de seiscentos homens em maio de 1838, e vai engrossar as tropas rebeldes, tomando parte ativa no cerco de Caxias, importante vila do vale do rio Itapecuru, na província do Maranhão. Em pouco tempo, dada a sua ascensão social e nível intelectual, passa a liderar o referido cerco, assumindo a testa do movimento rebelde a que se denominou Balaiada. Depois de cinco meses se desgasta com outros líderes e abandona o campo de batalha, refugiando-se pelas províncias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, nesta última se demorando por mais tempo. Embora anistiado de seus crimes políticos por decreto de 22 de agosto de 1840, permaneceu morando em Recife e depois em São Luís do Maranhão, somente retornando a Campo Maior, no Piauí, em 1844, depois de cessado o governo do Visconde da Parnaíba, que o jurara de morte. Nesse intervalo de tempo nosso biografado somente veria o pai uma única vez, em março de 1841, na vila de Sobral, província do Ceará, onde a família encontrou-se secretamente com o patriarca, depois cada qual retornando ao seu destino. Dessa forma, foi somente com quase cinco anos de idade que veio a conhecer o genitor, com ele permanecendo por poucos dias.
Diante dessas circunstâncias, foi apenas em princípio do ano de 1847, quando contava mais de dez anos de idade, que começou a frequentar a aula pública de primeiras letras de Campo Maior, ministrada pelo mestre José Alves Barbosa, um português naturalizado que prestou relevantes serviços por aqueles dias, desasnando a meninada do centro-norte do Piauí.
Em 13 de junho de 1855, com dezenove anos de idade, evidentemente com uma formação escolar deficitária, seguiu em companhia de um tio[1], o ilustre magistrado Antônio Borges Leal Castelo Branco, para a cidade de Oeiras, então capital da província do Piauí. Este ia assumir o cargo de juiz de direito daquela comarca e aquele deveria ser dali encaminhado para a Bahia, a fim de estudar escrituração mercantil e empregar-se no comércio. De fato, em pouco tempo seguiu para o destino que lhe fora traçado, em companhia do Dr. Casimiro José de Moraes Sarmento, advogado e tribuno parlamentar de raro talento. No entanto, apenas alcançaram a vila de Jacobina, na Bahia, tiveram de retornar em face da peste do cólera que grassava na capital daquela província. Dois anos depois, em 1857, seguiu na companhia do mesmo tio, para o Recife, a fim de estudar Direito. Chegou a matricular-se previamente no Colégio das Artes, mas acometido de uma congestão pulmonar, e atendendo a conselhos médicos, abandonou os estudos em princípio de 1860, mesmo ano em que deveria matricular-se no curso jurídico[2].
Assim, com a saúde frágil retornou para a vila de Campo Maior. Oito anos depois de seu retorno, foi acometido de uma oftalmia aguda que lhe prejudicou definitivamente a visão do olho esquerdo.
Convolou núpcias pela primeira vez, em 30 de setembro de 1860, na fazenda Vitória de Baixo, com a prima Cassiana Ferreira de Araújo e Silva Castelo Branco, prematuramente falecida em 14 de julho do ano seguinte. Era filha do capitão Marcelino José Ferreira e de D. Bernardina Luzia da Silva Ferreira.
Desolado com esse rude golpe que lhe roubara a companheira, deixou a vila natal em abril de 1862, fixando residência na cidade de Teresina, que fora fundada dez anos antes. Na jovem capital abriu uma aula de instrução primária e fundou um jornal literário e recreativo denominado Aurora Teresinense. Em 23 de janeiro de 1863, foi nomeado para exercer o cargo de contador, partidor e distribuidor da comarca, primeiro de forma interina e depois sendo efetivado através de concurso público. No mesmo mês foi nomeado para amanuense da Secretaria de Polícia. Em 1864, por nomeação do governo provincial, regeu de forma interina a cadeira de Francês, do Liceu Piauiense. Em 1865, pediu exoneração do cargo de amanuense para assumir o de escrivão da coletoria de Teresina. Nesse mesmo ano foi eleito para secretário da Santa Casa de Misericórdia de Teresina[3].
Embora exercendo cargos modestos, lembra seu biógrafo Clodoaldo Freitas, que Miguel Borges, como era conhecido, por diversas vezes ofereceu parte de seus ordenados para fins patrióticos e humanitários, a exemplo dos 10% (dez por centos) oferecidos por ocasião das pendências e ajustes suscitados pelo governo inglês[4].
Em decorrência de divergências políticas entre os redatores do jornal Liga e Progresso e seu proprietário Dr. Almendra, foi Miguel Borges incumbido de sua redação e direção, a partir de 1865. Em 1872, depois da morte de Deolindo Moura, seu concunhado, foi convocado pelo partido liberal para assumir a redação d’A Imprensa, jornal de divulgação da mesma agremiação política. Por via de consequência, assumiu também a gerência e outros cargos da diretoria da Companhia de Navegação a Vapor do Rio Parnaíba, cargos que seu sócio majoritário e chefe liberal, José de Araújo Costa reservava para remunerar os redatores do indicado jornal[5]. No fim da vida, redigiu a Mocidade Piauiense, onde publicou alguns trabalhos de cunho histórico.
Elegeu-se para vereador da câmara municipal de Teresina[6] e deputado provincial, este último na legislatura iniciada em 1866. Durante essa legislatura apresentou um importante projeto para criar uma biblioteca pública na capital; também, requereu a nomeação de uma comissão de três membros para dirigir à Assembleia Geral do Império, uma representação no sentido de se estabelecer os limites da província do Piauí com a do Ceará, desde a costa marítima à Serra Grande e rio Timonha, definindo como pertencente ao Piauí o litoral compreendido desde a foz deste rio até a Barra das Canárias. Portanto, vê-se que foi um parlamentar atuante, preocupado com o desenvolvimento da província, defendendo uma causa ainda atual, a delimitação dos limites entre o Piauí e o Ceará.
Obtendo a autorização do vice-presidente da província, no exercício do cargo, Augusto da Cunha Castelo Branco (Barão de Campo Maior), em 1878, firmou contrato com a comissão de socorros às vítimas da seca, para a criação de um núcleo de retirantes composto, a princípio, de cento e cinquenta membros, no sítio Guandu, de sua propriedade, que mais tarde foi elevado, seguidamente, a duzentas e oitocentas pessoas. Ainda sobre o assunto, em 1880, contratou com a presidência da província, a direção e fornecimento da enfermaria de emigrantes criada na capital, em substituição à que existia no sítio Morro, distante duas léguas, tendo recebido agradecimentos do governo imperial por ter admitido na respectiva enfermaria, à sua custa, seis enfermos e ter recebido para educar gratuitamente, em sua casa, um pequeno menino retirante da seca.
Por nomeação do governo, assumiu o cargo de procurador-fiscal do tesouro provincial. Por portaria de 26 de janeiro de 1880, foi nomeado para exercer o cargo de delegado de polícia da capital[7].
Apesar de não ter alcançado o ensino superior, por motivo de doença, Miguel Borges era autodidata tendo aprimorado seu conhecimento com a leitura diária e a lida na imprensa, na política e no serviço público. Fez-se estudioso da história e da problemática piauiense, tendo publicado alguns trabalhos pioneiros e interessantes, a saber: Almanaque Piauiense, primeiro volume publicado em 1878; Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí, em 1879; Almanaque Piauiense, mais dois volumes, ambos publicados em 1880; Manual da Guarda Nacional, também em 1880; por fim, em 1881, publicou um volume sobre a nova lei eleitoral.
Do conjunto dessa obra, sobressaem os Apontamentos biográficos ..., conjunto de 28 perfis tirando “do abismo do injusto esquecimento aqueles varões ilustres que fazem a glória do nosso panteão. O trabalho ficou em meio, mas tem frutificado e outros lhe seguem os passos, movidos por igual amor à terra piauiense”, disse Clodoaldo Freitas[8]. Freitas acrescenta que Miguel Borges não era um literato na acepção da palavra, escrevendo obra incompleta, porém, valiosa para o estudo dos nossos ilustres antepassados, cuja memória feneceria sem o seu monumento. Diz que suas biografias, embora singelas são escritas com paixão, transformando-se em pecúlio de informações preciosas, de dados verídicos, cuja inteligência supria as lacunas de sua educação.
De fato, esse livrinho simples mas escrito com muito empenho, perpetuará para sempre em nosso meio o nome de seu autor. Por esforço nosso, quando presidíamos a Academia Piauiense de Letras foi tirado do limbo do esquecimento e reeditado na coletânea comemorativa do centenário daquele Sodalício. Contamos com a preciosa ajuda da confreira Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz, para encontrar um exemplar acessível e, assim, organizar a segunda edição, o que ela fez com muito amor e carinho, todos nós assim cumprindo a nossa missão de preservar a memória de nossa terra.
Em 1º de maio de 1882, já com a saúde bastante comprometida, Miguel Borges fundou o Colégio de Nossa Senhora das Dores, em cuja direção empregou métodos modernos de ensino e envidou os maiores esforços para bem educar a juventude que o procurava. E, de fato, a escola foi muito prestigiada pela sociedade teresinense, que para ali enviava seus filhos confiando nas lições do mestre. Voltava ele, na velhice à profissão que abraçara na mocidade. No entanto, o destino começava a lhe ser atroz. A 2 de setembro de 1883, partiu para Fortaleza, em busca de recursos médicos para o terrível glaucoma que o acometia, submetendo-se a demorada cirurgia procedida pelo conceituado oftalmologista Viriato de Medeiros[9]. No entanto, embora tenha experimentado mendazes melhoras, em pouco tempo sobreveio-lhe a completa cegueira, perdendo o único olho que ainda tinha. Para completar o quadro deprimente, em 9 de maio de 1884, perdeu o filho Antônio Borges Castelo Branco, o que agravou seu sofrimento. Nessa situação, embora a escola continuasse em funcionamento e convenientemente dirigida pelo vice-diretor, Marcelino Castelo Branco, com a cegueira do mestre fundador, diminuiu o número de matrículas e frequência dos alunos, sendo insustentável a situação. Desde então submeteu-se Miguel Borges, a sérias agruras financeiras, a tudo suportando com calma e resignação, sem proferir queixas. Dessa época interessante é o registro feito por Clodoaldo Freitas, que testemunhou de perto toda essa situação:
“O seu alto corpo magro envergava-se ao peso dessas dores, que ele heroicamente curtia, no seio da família querida e de alguns raros amigos, que iam piedosamente animá-lo com longas palestras, para ele um grande consolo”[10].
Foi casado em segundas núpcias com dona Emídia Henriqueta de Noronha Castelo Branco[11], da família Viana, de Caxias, de cujo consórcio lhe sobreviveram quatro filhos: Maria Emídia Castelo Branco, que passou a dirigir o Colégio Nossa Senhora das Dores; o alferes do Exército Raimundo Borges Castelo Branco, Lívio Castelo Branco e o cirurgião-dentista Waldimir Castelo Branco.
Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, faleceu na cidade de Teresina[12], em 22 de abril de 1887, antes de completar 51 anos de idade, quase paralítico e cego, depois de quatro anos de indizíveis padecimentos. Por sua dedicação ao Piauí e pela obra que deixou merece figurar nessa galeria do notáveis.
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*REGINALDO MIRANDA, membro da Academia Piauiesne de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. E-mail: [email protected]
[1] Foi também um seu irmão de nome Francisco Borges Castelo Branco.
[2] Em julho de 1859, ainda estudava no Recife e correspondia-se com David Caldas, a respeito da política piauiense (A Imprensa, 7.11.1868).
[3] A Imprensa, 25.11.1865.
[4] FREITAS, Clodoaldo. Vultos piauienses: apontamentos biográficos. 3ª Ed.. Coleção Centenário 4. Teresina: APL-EDUFPI, 2012.
[5] A Imprensa, 28.2.1878.
[6] A Imprensa, 21.4.1878.
[7] A Imprensa, 9.2.1880; 11.9.1880.
[8] FREITAS, Clodoaldo. Vultos piauienses: apontamentos biográficos. 3ª Ed.. Coleção Centenário 4. Teresina: APL-EDUFPI, 2012.
[9] Especializado em Paris, onde frequentou as clínicas dos oftalmologistas Drs. Panas, Galezowski, Landolt, e Wecker, além dos principais hospitais daquela cidade.
[10] FREITAS. Op. cit.
[11] A Imprensa, 14.6.1887.
[12] Foi sepultado no cemitério São José, na mesma cova da genitora.