Elmar Carvalho
Logo ao chegar ao patronato, procedente de Teresina, seguindo em direção à casa de meus pais, situada na rua do Estádio, naquelas imediações, notei a novidade. O terreno baldio, ao lado do Grupo Escolar Leopoldo Pacheco, apresentava seis postes com refletores, três em cada lateral. Joguei bola, quase diariamente, nesse terreno, no início de minha adolescência. Alguns anos depois, quem o comprou o murou, mas nunca ergueu nenhuma edificação em seu interior. Sem uso, sequer por algum tipo de esporte, matapasto, matagal e ervas daninhas tomaram de conta do imóvel. Ao ver esse local, onde tantas vezes joguei futebol, abandonado, fechado ao esporte, sendo pasto de cobras, lagartixas, carambolos, camaleões e outros bichos miúdos, não pude deixar de me recordar do soneto Saudade, de Raimundo Correia, cujo verso inaugural diz: “Aqui outrora retumbaram hinos”. Sentia-me o próprio Jeremias desse poema, a espraiar os olhos tristonhos “sobre a Jerusalém de tantos sonhos”... Tudo passou, como diz o texto poético.
Num país em que o poder público pouco investe em equipamentos de esporte e de cultura para a ocupação e entretenimento dos jovens, tirando-os do ócio, que muitas vezes é mau conselheiro, o chamado futebol de várzea (ou dos terrenos baldios) é que permitiam a prática futebolística, integrando as comunidades, consolidando o companheirismo e a amizade. No meu livro O Pé e a Bola, em que tratei da história do futebol em Campo Maior e Parnaíba, tive a oportunidade de dizer: “Nos campinhos de várzea ou nos encravados em terrenos baldios, havia memoráveis partidas de treinamento ou até mesmo torneios e campeonatos amadores. Essa prática saudável do futebol certamente contribuía para afastar a meninada do ócio, que muitas vezes é mau conselheiro, e concorria para afastar esses menores das traquinagens e vandalismos, e principalmente do cometimento de atos infracionais de mais graves consequências, hoje tão comuns nas grandes e desumanas cidades. A “pelada” suburbana servia para provocar a interação entre os garotos, eliminando as discriminações raciais, sociais, religiosas e econômicas, através da sociabilidade desse esporte coletivo. Infelizmente, em decorrência do êxodo rural, do crescimento desordenado das cidades e da especulação imobiliária, entre outros fatores, esses campos de futebol vão sendo sufocados e desaparecendo”.
Quando morei na rua Capitão Félix (rua do Estádio), em minha adolescência, joguei futebol sobretudo no campinho do Colégio Estadual, que hoje leva o nome do professor Raimundinho Andrade, e nos campos situados perto do Grupo Escolar Leopoldo Pacheco e da casa do tenente Jaime da Paz, numa prainha de alvíssima areia, à margem do Açude Grande, que na época não era muito poluído. No início, eu preferia este último, na orla arenosa do açude, pois me permitia arquitetar “pontes” e ensaiar saltos ornamentais, verdadeiras pulutricas e aéreas acrobacias, cujas quedas eram amortecidas por sua areia, além de que tinha a vantagem adicional de nos proporcionar um saboroso banho após o o jogo.
Depois, em virtude de minha amizade com o Otaviano Furtado do Vale (irmão do grande craque Augusto César), que era meu colega de classe no Colégio Estadual, passei a jogar com mais assiduidade no campo ao lado do Leopoldo Pacheco, onde ele era o cacique e dono da bola. Contudo, ele não precisava ser o proprietário da pelota para ter o seu lugar assegurado, pois além de atleta habilidoso, era aguerrido, lutador, e um verdadeiro líder futebolístico. O Otaviano, conforme disse no referido livro, era “jogador rápido, hábil e vigoroso, que transitava pela defesa e pelo ataque, funcionando como um coringa e líbero, com atuação predominantemente pela lateral esquerda; era uma espécie de capitão dos dois times, mas tinha o defeito de não gostar de perder, por mais amistosa que fosse a partida”. Nas derrotas, ele não era nada amistoso.
Por tudo isso, atropelado por essas emoções, após ter degustado uma gostosa traíra no boteco do Cacheado, localizado no outro lado da cidade, após o bairro Flores, à margem da estrada que vai para Barras, fui em companhia de meu irmão Antônio José e do meu amigo Carlos Cardoso, verificar as “torres” de iluminação do campo do Leopoldo Pacheco, que chamo, brincando, de Estádio Otaviano Furtado do Vale. Foram colocadas traves metálicas e uma camada de areia, além de haver sido feita a sua demarcação lateral. Fiquei com certa nostalgia, por causa desses melhoramentos, sobretudo da colocação de areia.
É que, no meu tempo, esse campo era terrível para um goleiro, pois seu terreno era de piçarra, que funcionava como uma verdadeira lixa, a arranhar e mesmo arrancar a pele dos atletas, além de o solo ser duro, o que não favorecia o amortecimento em caso de quedas, acidentais ou voluntárias. Nos três campos referidos, com maior ou menor frequência, jogavam bola, no início da década de 1970, os atletas Otaviano, Carlos Cardoso, Antônio Francisco Sousa, Hugo Reis, Valdinar Cardoso, Nena, Xixá, Cajuí, Assis Capucho, Dragão e Losa, entre outros. Todos ou quase todos foram embora de Campo Maior ou já foram convocados pela “indesejada das gentes”, no dizer de Manuel Bandeira, e partiram para a eternidade, onde jogam futebol em algum campinho de várzea, encravado nas imensas campinas do infinito.