Breve nota biográfica sobre Genuíno Sales
Em: 18/06/2019, às 16H57
No dia 15 de abril de 1938, na Fazenda Tamburiu do Sales, na cidade de Pedro II, chamada, atualmente, de Domingos Mourão, localizada no estado do Piauí, nasceu o menino Genuíno Francisco de Sales, o décimo terceiro filho da dona-de-casa Izabel Francisca de Jesus e do pecuarista e criador Antônio Francisco de Sales.
Aos 10 anos, conseguiu se alfabetizar, através do preceptor ou mestre-escola, uma espécie de professor particular da época, que lhe inseriu no universo das letras. No 3° livro de leitura de Erasmo Braga, Genuíno iniciou suas leituras. Apenas, aos 11 anos, após insistência de dona Izabel, Genuíno vai para a escola pública de Pedro II cursar o 1° ano primário.
Aos 12 anos, por razões vagas, voltou ao sertão, e integrou-se ao trabalho do campo onde desempenhou tarefas, comumente, realizadas por adultos, como cuidar do gado e da plantação. “Eu queria fazer trabalho de gente grande”, afirma Genuíno.
Aos 16 anos, com a família bastante reduzida, pois todos os seus irmãos já haviam deixado a fazenda, Genuíno, auxiliado por seu professor, prestou exame de admissão para o Ginásio São Luiz Gonzaga da Diocese de Parnaíba, que possuía regime de internato. Genuíno então tirou primeiro lugar no teste de admissão, considerado o mais difícil do Estado do Piauí. O pai estava com medo de deixá-lo ir estudar fora, pois eram vários os casos de rapazes que iam para fora só para gastar o dinheiro da família. “Ninguém tinha coragem de falar com ele”, relembra. Porém, a insistência do Mestre e da mãe consegue convencê-lo.
No internato, aprendeu latim e estudou até o 3° ano científico, conhecido, hoje, como 3° ano do ensino médio.
Em 1961, aos 23 anos, veio para Fortaleza. “Naquela época eram 600 paus para viver na capital”. Ao chegar aqui, admirou-se com o telefone, a luz elétrica e o modo como as pessoas se vestiam, que nem de longe lembrava a maneira de vestir da gente de sua cidade natal. O matuto Genuíno, como ele mesmo se intitula, então se inscreveu para os vestibulares da Universidade Federal do Ceará e Universidade estadual do Ceará. Para orgulho de toda a família Sales, ele conseguiu ser aprovado em Direito na UFC e em letras na UECE.
Após adquirir os títulos de Bacharel em Direito e Graduado em Letras por notório saber, Genuíno trabalhou como consultor jurídico da Federação dos Bancários Norte e Nordeste, durante cinco anos. Com essa formação, foi logo nomeado juiz de direito no Piauí, mas recusou o cargo, pois o interesse pelas leis não superava sua paixão pela literatura. Decidiu seguir os caminhos de seu mestre-escola, e tornou-se professor, cargo que exerceu por mais de 50 anos, tendo ministrado aula para cerca de cento e cinqüenta mil alunos.
Em 1962, conheceu sua mulher Glides Mendes Sales que também morava em Pedro II, com quem namorou durante seis anos, teve três filhos, dois homens e uma mulher e quatro netos.
Por volta de 1975, foi eleito presidente da Academia Cearense de Língua Portuguesa. O seu excelente trabalho na presidência da academia lhe permitiu exercer mais três mandatos. No primeiro concurso Ceará de literatura, promovido pela Secretária de Cultura, os contos de Genuíno conseguiram o 1° lugar.
No início dos anos 90, por conta dos infortúnios da vida, adquiriu Mal de Parkinson. Aos 70 anos, ele falou das dificuldades de viver com a doença: “Uma coisa é você não fazer por que não sabe ou não quer outra é por que não pode”.
Dono de um humor contagiante. ”Não me levo a sério de jeito nenhum”, Genuíno conta que o Mal de Parkinson já lhe colocou em muitas situações cômicas como no dia em que colocou a mão no bolso e não conseguia mais tirar por que começou a tremer. Ele então pediu para um rapaz: “Ei, tira aqui a minha mão do bolso? “O rapaz, achando que era brincadeira, nem deu ouvidos, e ele ficou lá tremendo com a mão dentro do bolso. Outro dia, num elevador, ouviu os comentários de duas senhoras sobre ele: “Eu tenho pena desse desgraçado. Ele anda assim para se esfregar na gente”.
Em 1999, recebeu o título de cidadão cearense, outorgado pela Assembleia Legislativa. “É o título que mais me orgulho”, afirma.
Nesse período, publicou Entrementes, livro de poemas que lhe rendeu prêmio no concurso Ideal Clube de Literatura e publicou também Fins d’ Águas. “Nesse livro, todos os contos são do sertão, não têm nenhum da cidade”, revelando assim a forte influência do regionalismo em sua literatura. O conto Veio no Vento presente no livro Fins d’ Águas mistura trechos de ficção e realidade vivida pelo menino Genuíno.
“Impossível um menino mais dengoso do que aquele caçula do coronel. Mestre Constantino o considerava precoce, superdotado, mas com severa advertência de que menino criado com mimo e dengue daquele jeito, seria fatalmente no futuro, um homem pávido e medroso. O medo – dizia o mestre – é a pior balda que um homem pode carregar na vida. E era verdade, dura verdade! Tinha medo de tudo, até da sombra. Tinha medo de ficar só. Não se deslocava do alpendre à cozinha da Casa Grande, que não fosse acompanhado de uma pessoa qualquer da casa. Quando a noite chegava, a situação se agravava. Para onde botasse os olhos espantados parece que estava vendo uma assombração”.[…]
Genuíno contava que a lembrança mais viva que tinha era a da moagem da cana. “Mestre Cícero Leitão quem fazia rapadura”.
“A preocupação do mestre-escola não era apenas com os estudos do caçula, mas aquelas ocorrências que já beiravam o escândalo. As infucas do caçula do coronel, naquela vadiação destampada nos matagais do sítio, com a filha da Gregoriana, que já se punha moça empubecida. Vadiavam o dia inteiro perdidos nas moitas e debaixo dos barceiros dos mofumbais umbrosos. A censura se espalhava e não faltava quem não explorasse o assunto com o viso da maldade e do enxovalhamento”.[…]
Entre risos, Genuíno afirma: “A parte da vadiação é ficção”. Porém, confessou que quando jovem tinha mais ou menos oito namoradas ao mesmo tempo. “ Tinha uma no internato que namorei sete anos e outra em Piripiri que também namorei sete anos”.
No dia 10 de maio de 2006, foi eleito o novo membro da Academia Cearense de Letras. No primeiro turno, Genuíno teve 20 votos, contra 13 de José Teles e 5 de Marcelo Gurgel. O número de 21 votos, necessários para ocupar uma cadeira na Academia, foi atingido no segundo turno, quando Sales recebeu 27 votos contra os 11 de José Teles. Genuíno Sales, então, passou a ocupar a cadeira que pertenceu ao escritor João Clímaco Bezerra, falecido no dia 4 de fevereiro de 2006. Em declaração ao jornal O Povo, Genuíno falou de sua eleição à Academia: “Me senti muito honrado. Eu considero um privilégio muito grande você ser acadêmico. Eu acho que ser acadêmico é assumir um compromisso muito grande com a cultura do Ceará. E eu estou disposto a fazer”.
Dois anos após à nomeação à ACL, no dia 28 de setembro, Genuíno Sales, publicou um artigo, no Caderno Suplementos do jornal Diário do Nordeste, sobre o gênero literário conto, considerado o seu gênero favorito. “Escrever um conto é tornar-se notário perspicaz no tabelionato da existência com a ansiedade insondável da procura de realizar a epifania da história. Os que escrevem conto são os maiores timoneiros do destino por que imortalizam a certeza dos desígnios dos mares tumultuosos da vida.”
Segundo Genuíno, o conto tende a se firmar por causa da síntese, que caracteriza o conto moderno. Moreira Campos e Machado de Assis são considerados, por Sales, os melhores escritores do gênero conto.
Genuíno também admirava muito os cordéis “Eu já tive mais de 3000, mas os cupins comeram muitos”. Chegou a possuir mais de 3000 cordéis quando jovem, levados pelos ambulantes para a cidade de Pedro II. Estes, segundo Sales, são considerados de extrema importância para qualquer pessoa que queira ser literato.
O poema Presença foi premiado pelo concurso do Ideal Clube. “Melhor poema que eu escrevi foi esse”, afirma Genuíno.
Presença
Eu gosto de não te ver
para não sentir em vão
com tua presença esquiva
o pecado inevitável.
Eu gosto de não te encontrar
para não sofrer a tentação
do irrealizável.
Mas mesmo sem querer te vejo
e mesmo sem querer te encontro.
E se te vejo peco
e se te encontro sofro
sofro e peco
porque a tua presença onírica
é a volúpia de minha solidão
na certeza do impossível
em que pulveriza meu sonho.
Projetos desenvolvidos
No Quiosque da literatura, durante um período, Genuíno deixava livros de sua biblioteca que já chegou a ter 10 mil exemplares, dos quais muitos já foram doados, em um quiosque para que o dono pudesse emprestá-los.
Entre os projetos sociais desenvolvidos por Genuíno, destacaram-se o Recital do Quarteirão. Nos fins de semana, ele reunia crianças e jovens do bairro, alguns meninos de rua, para declamar poesias.
Principais Obras
Presença – poema
Fins d’águas – contos
Entrementes – poesia
Iluminados – texto
Homenagem póstuma do Colégio Farias Brito ao seu mestre Genuíno Sales.
Genuíno Sales faleceu em 28 de setembro de 2018, em Fortaleza-CE.
Fonte: https://deviaestarestudando.wordpress.com/
Em 15.06.2019, a Academia de Letras do Vale do Longá realizou panerígico em favor da memória de Genuíno Sales. O evento teve como palco o Auditório do Instituto do Coração em Teresina, sendo a oração proferida pelo professor Ernani Gentirana.