(Miguel Carqueija)

Precisamos iniciar uma campanha para que os valiosos livros de Thales Andrade sejam reeditados

 

BEM-TE-VI FEITICEIRO, LIBELO ECOLÓGICO DE THALES ANDRADE


O Homem, filho de Deus e rei da criação, nos faz a guerra sem tréguas. Sim! O Homem, tendo coração e tendo raciocínio, é quem nos rouba a liberdade, por todos os meios, sob desculpas as mais injustas; é quem nos arranca a vida, por todas as maneiras, ainda as mais bárbaras! Ah! Homenzinhos! Desculpai que eu me desabafe convosco a imensa dor que pesa no coração das aves. Tolerai que eu vos diga essas duras verdades.”

(THALES ANDRADE – “Bem-te-vi feiticeiro”)


    Quando eu era criança minha mãe começou a comprar para mim os livros de Thales Andrade (às vezes grafado como Tales Andrade), lindas brochuras das Edições Melhoramentos, então uma das melhores editoras da praça. Data dessa época a minha paixão por Thales Andrade, entorpecida por anos e décadas sem encontrar mais nada dele. Sim, porque não nos foi possível achar todos os livros da série “Encanto e verdade”, e hoje as obras deste autor sumiram das livrarias e dos sebos.
    Apesar disso até hoje conservo alguns títulos, e um deles, “O pequeno mágico”, recuperei anos atrás num sebo, em edição ainda mais antiga.
    Hoje eu quero falar do nº 3 da coleção, uma extraordinária mensagem de pioneirismo ecológico.
    Um menino da cidade, Marcelo, sonha com as férias, quando irá para a fazenda de seu tio e padrinho e, ao lado de Pedro, seu primo, poderá caçar á vontade os passarinhos da mata. “Hão de ver comigo os passarinhos! Hão de ver pelotas e chumbo, sem descanso.” Essas assustadoras palavras me fazem pensar na vida real e em como é possível que tantas crianças, ainda mal começando a viver, já consigam ser tão perversas com animais indefesos e frágeis.
    Porém algo inesperado e inusitado aguarda Marcelo e Pedro, quando eles se perdem na floresta: a aparição de um fantástico bem-te-vi falante, do tamanho de uma pessoa, que, entre lágrimas, lhes faz um discurso estarrecedor, mostrando, de um lado, o quanto os pássaros são úteis à raça humana, destruindo quantidades incalculáveis de insetos nocivos ás plantações, e, de outro lado, o quanto o ser humano é ingrato, dando em troca, às aves, toda sorte de agressão, de extermínio, de opressão e crueldade.
    Ainda que o aspecto sobrenatural da narrativa ganhe uma possível explicação natural no desfecho, isto não fica nada claro, de modo que podemos tranquilamente considerar que esta noveleta não faz parte do “mainstream” e sim da nossa literatura fabulística, onde Thales C. de Andrade (1890-1977) enfileira tranquilamente ao lado de Malba Tahan, Vicente Guimarães e Francisco Marins, entre outros.
    O mais notável, porém, em “Bem-te-vi feiticeiro”, é o vigor do libelo que pode sacudir consciências entorpecidas infantis, adolescentes ou adultas, diante da crua realidade do desamor dos homens para com os seres da natureza.
    Num apêndice, este grande escritor e educador que foi Thales Andrade acrescenta dados que merecem ser repassados:

“NINHOS”

    “Numa légua quadrada de terreno há, em média, 10.000 ninhos! Em casa ninho moram 3 aves. Para alimentar cada ave são precisos 60 insetos por dia.
    Portanto, só numa légua quadrada de terreno e só num dia, as aves destroem para seu alimento:

(10.000 X 3) X 60 = 1.800.000 insetos

    Um milhão e oitocentos mil insetos nocivos à agricultura destruídos pelas aves só numa légua quadrada de terreno e só num dia!
    — E em todo o município quantos insetos elas destroem?
    — E em todo o estado? E em todo o País? E durante um mês? E durante um ano?
    — Crianças, professores, lavradores e governadores: — Tomai do lápis e fazei a conta. O resultado vos assombrará.”


    Anotado a lápis, no meu exemplar, com minha letra “(Em todo o Brasil, em um ano, mais ou menos:)”
    E com letra que não parece minha (deve ser da pessoa adulta que fez a conta, não sei com qual critério):

1.971.000.000.000

    (um quatrilhão, novecentos e setenta e um trilhões de insetos devorados pelos pássaros!)

 (Rio de Janeiro, 27 de janeiro a 1º de fevereiro de 2012)