[Whashigton Ramos]

          Bar Don Juan, de Antônio Callado, é um romance publicado em plena efervescência da ditadura civil e militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, mais exatamente em 1970. Deve ter sido escrito nos anos finais da década de 60, pois contém referência ao general Artur da Costa e Silva, cujo governo termina em 1969.

     Trata-se de uma narrativa politicamente engajada no período histórico no qual ela se insere. Mas não se constitui num engajamento ideológico e panfletário, embora seja possível perceber uma leve queda do narrador a favor dos personagens de esquerda. As personagens, no entanto, não são idealizadas (as que querem se unir a Che Guevara na Bolívia) nem satanizadas (as que combatem os guerrilheiros de esquerda). São simplesmente figuras humanas atuando de acordo com aquilo em que acreditam. Agora, de todas as personagens que agem contra os guerrilheiros, apenas uma é apresentada uma pouca mais detidamente. Isso comprova que o narrador tem um lado naquilo que ele conta, embora seja sutil.

     Sobre a organização e atuação das personagens que querem fazer uma revolução e tomar o poder, as palavras que podem defini-las são os vocábulos “risíveis” e “ridículas.” Sua única atuação que tem algum impacto são os assaltos a bancos. Mesmo assim, o último assalto foi frustrado, e seu principal mentor foi morto com uma bala no pescoço. Essas personagens não discutem um planejamento, não discorrem sobre como seria uma sociedade mais justa, não dizem quais seriam suas primeiras medidas quando tomassem o poder. Reúnem-se no Bar Don Juan, no Rio de Janeiro. No escritório desse bar, falsificam uísque. Então é assim, adulterando uísque, sendo desonestos, que esses caras querem fazer uma revolução para tomar o poder? É uma boa pergunta que o leitor atento pode fazer.

     É risível e ridícula também a situação de Che Guevara na selva boliviana.  (Ele é personagem nessa narrativa de Antônio Callado). Doente, cansado, com poucos homens, fugindo dos militares que o perseguem, ele não se arrepende dos fuzilamentos que autorizou em Cuba. Perguntado pelo guerrilheiro Eustáquio sobre o que faria se, na vida pós-túmulo, encontrasse as pessoas que mandou fuzilar, Guevara simplesmente afirma: “Eu digo ‘che’ e vou em frente. Quem quiser que ganhe uma boa morte, merda...”

     Sente-se que o narrador tem uma pontinha de simpatia por essa figura histórica, que ele chama de comandante. Mas o leitor pode ter uma opinião diferente e questionar: como é que o cara invade um país (a Bolívia, no caso), querendo, sem a menor logística, fazer uma revolução? Isso foi um desafio ao Estado boliviano. Será que ele tinha noção do que seja desafiar um Estado?

     Muito provavelmente, não. Ele, com certeza, era mais um iludido com as ideias socialistas da época.

     Bar Don Juan é um bom romance que pode lembrar, ao leitor atento e sem ilusões tolas, que o mundo político-social dos anos 60 e 70 do século XX não faz mais sentido hoje.