Banho de mangueira

 

[Chagas Botelho] 

Eu caminhava apressado pelo centro. Tinha importante consulta agendada. Na cabeça, mil pensamentos borbulhavam. Uns positivos, outros, nem tanto. A vida é mesmo uma encrenca, ainda assim, é preciso enfrentá-la com obstinação, e se possível, com leveza.

O consultório o qual me dirigia,em busca de dias melhores, estava próximo. Ao médico, relataria os incômodos da iminente velhice. É quando a consciência, com a proximidade da finitude existencial, vem à tona. “Boom! Daqui a pouco, o corpo jaz”, pensei desanimado.

Uma rua antes, um homem de meia idade, apenas de calção, tomava banho de mangueira. A água lhe caía como bálsamo, tanto era o seu contentamento. Desacelerei ao presenciar a cena insólita. Vi a cobra de plástico envolver suas carnes vividas. Enlaçado, ele ria satisfeito.

Encheu o balde, depois derramou sobre a cabeleira grisalha. Fez de conta que o banho era de cachoeira, por isso, repetiu a cascata. Todo encharcado, inclusive a alma pueril, ele pulava em êxtase enquanto cada gota d 'água lhe rejuvenescia. Não apresentava sinais de loucura. Apenas aproveitou para lavar o carro e se assear também.

Com o banho de mangueira em público, na calçada de casa, e muito contente, duvido que esse homem vá ao médico. Duvido que tome remédios controlados ou descontrolados. Vai ver sua imunidade venha desse gesto simples de limpeza corporal, sem floreios e florais. Usa somente um objeto comprado em qualquer esquina.

Desta forma, graças a felicidade testemunhada do banhista, decidi confrontar meu especialista. Direi a ele para não me prescrever medicação, nem cara e nem barata. Que trate minhas enfermidades com uma alternativa mais eficiente. Então, ele me perguntará, "qual seria?". Convicto, responderei: “Receite banho de mangueira três vezes ao dia”.