Atritos entre críticos e autores brasileiros conteporâneos
Por Cunha e Silva Filho Em: 10/05/2024, às 07H42
Nota aos meus estimados leitores:
O artigo a seguir fará parte do meu livro
Literatura as duas faces
(Meditações sobre o fenômeno literário)
Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos
Cunha e Silva Filho
De um debate realizado entre dois críticos bem conhecidos, Alcir Pécora e Beatriz Resende, ocorrido no blog de Instituto Moreira Salles, resultou um longo artigo, “A hipótese da crise”, de Pécora publicado, na primeira página do Caderno Prosa & Verso do Globo do dia 23 deste mês e concluído na página 3. Nesta mesma página ainda se publicou um artigo de Miguel Conde, editor-assistente daquele Caderno,“ Acusados de compadrio, autores se desentendem com críticos.”
O artigo de Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, desdobra a discussão iniciada no mencionado blog, em torno da situação da literatura brasileira contemporânea, sobretudo dos autores mais novos e, em particula,r do nível de valor de parte dessa produção. Para Pécora, a produção ficcional não vai bem, carece de novas formas de exprimir a vida em termos de arte narrativa.
Pécora, entretanto, ao referir-se à arte ficcional, descarta a possibilidade da validade do “romanesco” tendo como parâmetro o que fazia a literatura universal do século 19. Pondera que, a esta altura de novas experiências da vida contemporânea, em que outros meios de comunicação ocupam o que os escritores daquele século representavam como formas de fabulação de estofo realista, já não mais comportam aquele tipo de narrativa. Mas, aqui abro um parêntese. Penso um pouco diferente do Pécora, uma vez que, levando em consideração, a parte do receptor ou decodificador da mensagem ficcional,i.e. do leitor comum que compra um livro e dá lucro ao autor e aos editores. E ainda há o fator da idade do leitor comum, que também pesa no conjunto do circuito autor+ livro + leitor.
O comportamento do leitor com a fabulação ainda pesa muito e disso tenho ouvido diversos leitores/as que são viciados em romance, novela, conto, biografia, autobiografia, memória, lembrando que a questão do enredo está muito ainda enraizada (plot) . O que eles/as querem de um livro de ficção, em sua generalidade, é a história (estória) a ser relatada e de forma convincente pelo autor/narrador. Caso o leitor comum perceba que está sendo devidamente conduzido pela mão segura e não vacilante,no caso de um autor pouco competente, do autor, a fim de sentir a verossimilhança da narrativa, aquilo que um ficcionista (acho que foi o grande contista J.J.Viega) chamou a travessia do “espelho de Carroll, e não consiga penetrar nesse novo mundo criado pelo escritor como se fosse a “realidade” de um mundo bem inventado e imaginado, o leitor/a tenderá a largar o romance.
A fabulação, o assunto, a história, a época, o ambiente social e cultural, os tipos de personagens, a intriga, o herói, a heroína, os antagonisas. o tempo e o espaço romanesco têm realmente muito peso na aferição do leitor/a. As peripécias, as aventuras narradas, (sobretudo amorosas) pelo escritor . etc., se não forem escritas com o corpo e alma resultarão no facasso do romance m noveal , conto, drama ou peça teatral., O "prazer" do texto perde o seu encanto.
Na verdade, só quem gosta de romances cerebrais são os especialistas e os leitores sofisticados. Quem conece bem romancesnces m feitos por especialistas? Quase ninguém, exceto um restito públlco da uniaversidade. Não o leitor comum que vai chancelar se um livro é bom ou ruim. E o autor perdeu mais um leitor que não gostou da sua ficção mal elaborada. Outros leitores comuns me confessaram que o enredo para eles é presença dominante na narrativa.
O que os leitores comuns teriam para contar aos outros sobre essa questão do romance? O leitor comum não quer muito saber se o ficcionista tem lá suas preocupações de ser um experimentalista o dediscuir no próprio corpo do romance sobre metaficção, algo que o leitor comum desconhece,No entanto, tentar novos modos de compor um romance será sempre bem-vindo. . Agora, do ponto de vista do leitor especializado, dos críticos, essas tentativas de experimentar novas formas de escrever ficção podem ser muito bem-vindas. O que há no surgimento de " uma pedra no meio do caminho": s leitor especializado já perdeu a inocência.
Ou seja, pelo que que percebo, para ele o chamado “enredo” como reprodução da realidade, até mesmo com tintas mais radicais, como ocorreu com o Naturalismo, levando ao extremo a preocupação de retratar a realidade física, moral psicológica dos personagens e da narrativa fundamentada nas leis das ciências físicas e biológicas da época, está fora de cogitação para os tempos cibernéticos de hoje.
Para o critico da Unicamp a narrativa atual no país, sobretudo a rotulada de “geração 90”, não está produzindo literatura que realmente ofereça novos caminhos originais que valham a pena ser chamados de ficção entendendo como expressão de competência de composição ficcional, de originalidade na tratamento da linguagem e de formas diferentes de pensar a literatura. Sabe-se que literatura é técnica – ele mesmo o afirma -, é ter consciência do seu artesanato. Isso, porém, não é tudo no domínio literário, seja em ficção seja em poesia. Não só os componentes estratégicos do arcabouço do gênero erigem o objeto ficcional. Há outras camadas tão e por vezes mais importantes do que a técnica: a infusão dos sentidos com toda a sua capacidade de, através da linguagem, dar vida ao objeto ficcional ou poético. Sem vida, não há linguagem e vice-versa. São interdependentes, partes da mesma moeda, fusão do abstrato na apreensão da existência e seus conflitos com o concreto, a linguagem humana no sentido em que a ciência linguística a entende.
A função do crítico deve ser cautelosa e segura, assim como imparcial. Não significa, por outro lado, que seja transigente com a mediocridade e o desvalor. Deve servir de orientador, completar a visão do leitor comum que lê literatura, da mesma maneira que não deve ser só destrutiva, como diria Álvaro Lins (1912-1970). Julgar demanda paciência, tempo e distanciamento. Nada de generalizar, o que é prematuro e arriscado para quem lida com a crítica.
Clareza sem superficialidade seria um exemplo da boa crítica. Há textos críticos que deixam outros indivíduos que militam no mesmo ofício em dúvida no tocante a enunciados tendentes a hermetismos.
Pécora afirma que muitas vezes se sente melhor lendo teóricos. É uma opção dele. Contudo, a crítica como atividade de julgamento só cresce com o pé no eixo teoria-literatura. Sem isso, perde sua razão de ser porque ela não vive da teoria pela teoria. A literatura até poderia viver sem os críticos, embora estes lhe sejam importantes, complementares, parte de um todo na captação do fenômeno literário.
Pécora assinala ainda que a literatura brasileira contemporânea está pobre. Segundo ele, o fenômeno artístico da escrita é “competitivo.” De minha parte, diria, que semelha à "angústia da influência" bloomiana. Sim, é certo, mas disso os escritores devem estar conscientes, sem recalques, é claro, visto que, do contrário, logo deveriam desistir da tentativa da opção literária.
Assisti também ao vídeo apresentado no blog do Instituto Moreira Salles, que deu início a essa “quase” polêmica”. Verifiquei que a ensaísta Beatriz Resende, minha ex-professora no mestrado da UFRJ, mais preocupada está com a questão da literatura “nacional,’ velha questão várias vezes discutida até por ensaístas e críticos do passado, sendo um deles Afrânio Coutinho (1911-2000).
Beatriz Resende mostra preocupação com o que se poderia chamar de caráter nacional da literatura brasileira, levantando algumas interrogações:. Como os nossos ficcionistas resolveriam o delicado problema de uma escritura narrativa em tempos em que é muito forte a influência de tantos modos de expressão literária vindos de fora do país e mesmo de autores de origens diversas? Seria ainda lícito afirmar que ainda existe literatura nacional na época em que vivemos, tão contaminada de novos meios de comunicação trazidos pela globalização no seu aspecto cibernético? São indagações difíceis de serem respondidas de forma pronta e imediatista.
O artigo de Miguel Conde dá conta desse debate entre aqueles dois críticos e nos informa que a discussão em questão resultou na reação de escritores contemporâneos: Marcelino Freire, Sérgio Rodrigues, João Paulo Cuenca etc, rebatendo tanto as opiniões de Pécora quanto as de Beatriz Resende. Esta, por seu turno, bastante aborrecida com a repercussão que teve o debate, chegou a dizer, através do Facebook, que deixaria de dar continuidade às suas pesquisas sobre ficcionista contemporâneos: ‘Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar pra o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah e outros mortos que já sossegaram o ego’. Acredito que não fará isso. Deixou escapar estas palavras num momento de desabafo. Sei que é uma pesquisadora séria e competente.
Penso que dos dois lados há deficiências de comportamento. Só o tempo ensinará a ambos os lados uma forma de convivência cordial. Quantos autores foram entusiasticamente louvados na sua estreia, nos vários gêneros, e hoje não passam de ilustres desconhecidos. Basta ver um livro, 22 diálogos sobre o conto brasileiro (1973), de Temístocles Linhares, renomado crítico e historiador literário, nascido no Paraná, em 1905 crítico que já teve grande prestígio. Vários críticos do passado mais remoto (a conhecida dupla Sílvio Romero e José Veríssimo) ou menos remoto não viram confirmadas, no futuro, seus julgamentos de louvores ou de detrações de autores. A história literária está cheia desses exemplos.