Nota aos  meus  estimados leitores:

O artigo a seguir  fará parte do meu livro

             Literatura as duas faces

(Meditações sobre o fenômeno literário)

Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos        


Cunha e Silva Filho


                           De um debate realizado entre dois críticos bem conhecidos, Alcir Pécora e Beatriz Resende, ocorrido  no blog de Instituto Moreira Salles, resultou um longo artigo, “A hipótese da crise”, de Pécora publicado, na primeira página do Caderno Prosa & Verso do Globo do dia 23 deste mês e concluído na página 3. Nesta mesma página ainda se publicou um artigo de Miguel Conde, editor-assistente daquele Caderno,“ Acusados de compadrio, autores se desentendem com críticos.” 
                        O artigo de Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, desdobra a discussão iniciada no mencionado blog, em torno da situação da literatura brasileira contemporânea, sobretudo dos autores mais novos e, em particula,r do nível de valor de parte dessa produção. Para Pécora, a produção ficcional não vai bem, carece de novas formas de exprimir a vida em termos de arte narrativa. 

                          Pécora, entretanto, ao referir-se à arte ficcional, descarta a possibilidade da validade do “romanesco” tendo como parâmetro o que fazia a literatura universal do século 19. Pondera que, a esta altura de novas experiências da vida contemporânea, em que outros meios de comunicação ocupam o que os escritores daquele século representavam como formas de fabulação de estofo realista, já não mais comportam aquele tipo de narrativa. Mas, aqui  abro  um parêntese.   Penso   um pouco diferente  do Pécora,  uma vez que, levando em consideração,  a parte do receptor ou decodificador da mensagem  ficcional,i.e. do leitor comum que compra um livro e  dá lucro ao autor e aos editores. E ainda  há o fator  da idade do leitor comum, que também pesa  no conjunto  do circuito  autor+ livro + leitor.

O comportamento do leitor  com a  fabulação  ainda pesa muito e disso  tenho  ouvido  diversos  leitores/as  que são viciados em romance, novela, conto, biografia, autobiografia, memória, lembrando  que a questão  do enredo está muito ainda  enraizada  (plot) .   O que eles/as  querem  de um  livro de ficção, em sua generalidade,  é a história (estória) a ser relatada  e  de forma  convincente pelo autor/narrador. Caso  o leitor comum perceba que está sendo devidamente  conduzido  pela mão  segura e não vacilante,no caso de um  autor pouco  competente,  do autor,  a  fim de sentir a verossimilhança da narrativa, aquilo que  um ficcionista (acho que foi  o grande contista  J.J.Viega)  chamou  a travessia  do “espelho de Carroll,  e não consiga  penetrar  nesse novo mundo criado  pelo escritor como se fosse a “realidade” de   um mundo  bem inventado  e imaginado,   o  leitor/a tenderá a largar  o  romance. 

     A  fabulação,  o assunto,  a história,  a época, o ambiente social  e cultural, os tipos de personagens, a intriga, o herói, a heroína, os antagonisas.   o tempo e o espaço  romanesco  têm  realmente  muito peso  na aferição  do leitor/a.  As peripécias,  as aventuras  narradas, (sobretudo  amorosas)  pelo  escritor . etc., se não forem   escritas com o   corpo  e alma resultarão no facasso  do romance  m noveal  , conto, drama ou  peça teatral., O "prazer" do texto perde o seu encanto.

     Na verdade, só quem   gosta de romances cerebrais são   os especialistas e os leitores sofisticados. Quem conece bem     romancesnces m  feitos   por  especialistas? Quase ninguém, exceto um  restito   públlco da uniaversidade. Não o leitor comum  que vai chancelar se um livro  é bom  ou ruim. E o autor  perdeu  mais um leitor que  não gostou  da sua  ficção mal  elaborada.  Outros leitores comuns me  confessaram  que o  enredo para eles  é presença dominante na  narrativa. 

      O que os leitores comuns   teriam  para contar aos outros sobre  essa questão  do romance? O leitor comum não quer muito saber se o  ficcionista  tem lá suas preocupações de ser um experimentalista o dediscuir  no  próprio corpo do romance sobre  metaficção, algo que o leitor comum  desconhece,No entanto,  tentar  novos modos  de  compor um romance será sempre  bem-vindo. . Agora,  do ponto de vista do leitor especializado,  dos críticos,  essas tentativas  de experimentar  novas formas  de  escrever ficção  podem  ser   muito bem-vindas. O que há no surgimento de " uma  pedra  no meio  do caminho":  s leitor especializado  já perdeu  a inocência.     

       Ou seja, pelo que que percebo, para ele o chamado “enredo” como reprodução da realidade, até mesmo com tintas mais radicais, como ocorreu com o Naturalismo, levando ao extremo a preocupação de retratar a realidade física, moral psicológica dos personagens e da narrativa fundamentada nas leis das ciências físicas e biológicas da época, está fora de cogitação para os tempos cibernéticos de hoje.

                         Para o critico da Unicamp a narrativa atual no país, sobretudo a rotulada de “geração 90”, não está produzindo literatura que realmente ofereça novos caminhos originais que valham a pena ser chamados de ficção entendendo como expressão de competência de composição ficcional, de originalidade na tratamento da linguagem e de formas diferentes de pensar a literatura.       Sabe-se que literatura é técnica – ele mesmo o afirma -, é ter consciência do seu artesanato. Isso, porém, não é tudo no domínio literário, seja em ficção seja em poesia. Não só os componentes estratégicos do arcabouço do gênero erigem o objeto ficcional. Há outras camadas tão e por vezes mais importantes do que a técnica: a infusão dos sentidos com toda a sua capacidade de, através da linguagem, dar vida ao objeto ficcional ou poético. Sem vida, não há linguagem e vice-versa. São interdependentes, partes da mesma moeda, fusão do abstrato na apreensão da existência e seus conflitos com o concreto, a linguagem humana no sentido em que a ciência linguística a entende.

                        A função do crítico deve ser cautelosa e segura, assim como imparcial. Não significa, por outro lado, que seja transigente com a mediocridade e o desvalor. Deve servir de orientador, completar a visão do leitor comum que lê literatura, da mesma maneira que não deve ser só destrutiva, como diria Álvaro Lins (1912-1970). Julgar demanda paciência, tempo e distanciamento. Nada de generalizar, o que é prematuro e arriscado para quem lida com a crítica.

                       Clareza sem superficialidade seria um exemplo da boa crítica. Há textos críticos que deixam outros indivíduos que militam no mesmo ofício em dúvida no tocante a enunciados tendentes a hermetismos.

                        Pécora afirma que muitas vezes se sente melhor lendo teóricos. É uma opção dele. Contudo, a crítica como atividade de julgamento só cresce com o pé no eixo teoria-literatura. Sem isso, perde sua razão de ser porque ela não vive da teoria pela teoria. A literatura até poderia viver sem os críticos, embora estes lhe sejam importantes, complementares, parte de um todo na captação do fenômeno literário.
                   Pécora assinala  ainda  que a literatura brasileira contemporânea está pobre.   Segundo ele,   o fenômeno artístico da escrita é “competitivo.”  De minha parte, diria,   que semelha à "angústia  da influência"  bloomiana. Sim, é certo, mas  disso os escritores devem estar  conscientes, sem recalques, é claro,  visto que, do contrário, logo deveriam desistir da tentativa da opção literária.

                       Assisti também ao vídeo  apresentado no blog do Instituto Moreira Salles, que deu início a essa “quase” polêmica”. Verifiquei que a ensaísta Beatriz Resende,  minha ex-professora no mestrado da UFRJ,  mais preocupada está com a questão da literatura “nacional,’ velha questão várias vezes discutida até por ensaístas e críticos do passado, sendo um deles Afrânio Coutinho (1911-2000). 

                       Beatriz Resende mostra preocupação com o que se poderia chamar de caráter nacional da literatura brasileira, levantando  algumas interrogações:. Como os nossos ficcionistas resolveriam o delicado problema de uma escritura narrativa em tempos em que é muito forte a influência de tantos modos de expressão literária vindos de fora do país e mesmo de autores de origens diversas? Seria ainda lícito afirmar que ainda existe literatura nacional na época em que vivemos, tão contaminada de novos meios de comunicação trazidos pela globalização no seu aspecto cibernético? São indagações difíceis de  serem respondidas de forma pronta e imediatista.       

                      O artigo de Miguel Conde dá conta desse debate entre aqueles dois críticos e nos informa que a discussão em questão resultou na reação de escritores contemporâneos:  Marcelino Freire, Sérgio Rodrigues, João Paulo Cuenca etc, rebatendo tanto as opiniões de Pécora quanto as de Beatriz Resende. Esta, por seu turno, bastante aborrecida com a repercussão que teve o debate, chegou a dizer, através do Facebook, que deixaria de dar continuidade às suas pesquisas sobre ficcionista contemporâneos: ‘Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar pra o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah e outros mortos que já sossegaram o ego’. Acredito que não fará isso. Deixou escapar estas palavras num momento de desabafo. Sei que é uma pesquisadora séria e competente.

                      Penso que dos dois lados há deficiências de comportamento. Só o tempo ensinará a ambos os lados uma forma  de convivência cordial. Quantos autores foram entusiasticamente  louvados na sua estreia, nos vários gêneros, e hoje não passam de ilustres desconhecidos. Basta  ver um livro, 22 diálogos sobre o conto brasileiro (1973), de Temístocles Linhares,  renomado crítico e historiador literário, nascido no Paraná, em 1905 crítico que já teve grande prestígio. Vários críticos do passado mais remoto (a conhecida dupla Sílvio Romero e José Veríssimo)  ou menos remoto não viram confirmadas, no futuro, seus julgamentos de louvores ou de detrações de autores. A história literária está cheia desses exemplos.