As vozes amargas


Rogel Samuel


Depois de muitos anos de busca, consigo "As vozes amargas", de Djalma Passos. É um excelente livro, esgotado há 57 anos! Fiquei tão feliz que o transcrevi integralmente no meu blog.

É um livro temático, fechado, que se pode dizer tem começo, meio e fim. Não pode avaliar a poesia de Passos quem só ler um poema. Seu tema é o homem, ou seja, a sociedade e suas questões religiosas e humanas.

Foi publicado em 1952, e poucos anos depois Passos foi meu professor de português no Ginásio de Aparecida. Era um homem calmo e bom, bem me lembro, e morava na época perto da casa de minha avó, na Rua Japurá, onde eu também vivi por alguns anos.

Lembro-me de ter ido à sua casa, não me lembro por quê. E talvez foi lá que eu ganhei um exemplar do livro, que se perdeu ao longo da vida como tantos. Eu já escrevia quando era adolescente, e dirigi um jornal estudantil feito no mimeógrafo onde colaboravam colegas meus, hoje famosos, como a tia de um hoje Senador pelo Amazonas, a esposa de um Governador e Prefeito de Manaus, e a Ira Esteves, hoje em Los angeles. Não tenho nenhum exemplar, pois logo ganhamos espaço nos jornais de Manaus e fundamos o Grupo Satírico Gregório de Matos.

O livro de Djalma Passos é muito bom. A crítica atual da literatura amazonense não fala dele, menos o falecido Artur Engrácio e o piauiense Assis Brasil. Como desconhecem o maior cronista do Amazonas, Afonso de Carvalho. Mas não faz mal. Djalma Passos será lembrado como
um dos maiores poemas amazonenses, por poemas como:

CANTO DE AMOR À NOITE

Agora eu quero amar profundamente a noite,
Essa noite enfeitada de estrelas lucilantes
E dessa lua que branqueja todos os telhados ...
Não quero amar somente essa noite elegante dos salões,
De mulheres fascinantes, de mãos fidalgas
Bailando maravilhosamente nos teclados
E se perdendo na vertigem das declamações ...
Noite de alvos colos nus,
De lábios rubros, sensuais,
Feitos para a volúpia de incógnitos desejos ...
Mas também essa noite ampla e humilde dos subúrbios,
De homens cansados, suarentos,
De pele tostada de sol,
Dessas mulheres profundamente humanas
De pes sujos de terra
Que trazem no ventre o fruto de seus amores ...
Amar essa noite misteriosa das florestas
Onde o pioneiro avançou
E dorme agora silenciosamente.
Essa noite de lendas de pescadores rudes
Que falam dos encantos das boiúnas
E do feitiço dos igarapés ...
Amar essa noite de mulheres perdidas
Que vagueiam sem destino,
Embriagadas,
Dormindo nas sarjetas.
Nas portas dos cabarés ...
Amar a noite na imensidade de seu bojo
Sentindo o calor de suas alegrias
E a amargura de todos os seus dramas ...
Amar e sentir a noite imensa
Descortinada.
Silenciosa.
Alva de luar e esperança
E ensanguentada de mortes e gemidos ...
Sim, amar e sentir toda a noite da janela
E percorrer o mundo como um bólide misterioso
Em busca da aurora
Com a estrela da manha flutuando nos olhos ...


DJALMA PASSOS nasceu, no Acre, no dia 19 de junho de 1923 e faleceu no Rio em 1990. Fez seus estudos no Colégio Estadual do Amazonas e na Faculdade de Direito do Amazonas. Foi tenente-coronel da Reserva da Policia Militar do Estado, professor do Colégio Comercial Brasileiro, Ruy Barbosa e Ginásio de Aparecida. Abandonou o magistério para ingressar na política, tendo sido eleito, primeiramente, Vereador, mais tarde, Deputado Estadual e depois Deputado Federal pelo Amazonas pelo PTB (1962). Colaborou com as revistas e jornais de Manaus. O Senador Aureo Mello do PMDB do AM pronunciou Discurso no Senado em 19/06/1990 em HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. DJALMA PASSOS, e hoje tem nome de Rua e Escola em Manaus.
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