As Faces do Erotismo na Poesia Contemporânea de Devair Fiorotti e Manoel de Barros
Por Rosidelma Fraga Em: 19/09/2014, às 08H41
As Faces do Erotismo na Poesia Contemporânea de Devair Fiorotti e Manoel de Barros[1]
Damaris Souza- UERR-RORAINÓPOLIS
Marlete Figueiredo - UERR-RORAINÓPOLIS
A modernidade e a contemporaneidade traduzem na poesia uma releitura que faz referências a diversos textos anteriores, temáticas abordadas em outras escolas literárias, características estas consideradas pelo crítico literário João Alexandre Barbosa (2005) como “leitura palimpsesta”, ou seja, uma sombra de traços de outros textos. Uma dessas releituras concerne ao erotismo presente na poesia contemporânea.
Os poetas da atualidade, por sua vez, através de intertextos, instauram na poesia uma criticidade reflexiva, reconstruindo outros textos e construindo novos enigmas, pois como ressalta Barbosa (2005) “[...] Não se escreve mais apenas para o leitor: este é o Édipo de uma Esfinge cujo nome o poeta oráculo esqueceu.” (p. 14), assim, a poesia contemporânea se apresenta como uma Esfinge ao Édipo/Leitor, que por sua vez, fará seus próprios enigmas e suas recifrações. Neste sentido, segundo Barbosa (2005), a linguagem, o dizer do poema promove ao leitor a interpretação reflexiva, por meio dos enigmas propostos pelo poeta, partindo da relação de proximidade ou afastamento conforme o grau de absorção do poema pelo leitor:
[...] Entre a linguagem da poesia e o leitor, o poeta se instaura como operador de enigmas, fazendo reverter a linguagem do poema a seu eminente domínio: aquele onde o dizer produz a reflexividade.” (BARBOSA, 2005, p. 14).
Partindo desse conceito, propõe-se aqui, situar a análise de dois poemas considerados contemporâneos, “Informações sobre a musa” de Manoel de Barros, e “Poema I” do “Livro dos Amores” de Devair Fiorotti, autores estes considerados modernos. Tais poemas apresentam um teor erótico denso e alusivo, pois ao passo que expõem uma leitura sensual, o fazem de forma tênue, sugerindo novas interpretações.
Ambos os poemas abordam o tema “amor”, “Poema I” de Devair Fiorotti destaca-o de forma mais centrada, estabelecendo uma relação de assimilação com o corpo feminino, o início do poema revela esse grau de absorção “[...] Quando meus pelos roçarem seu corpo/ As peles se tocarem/ O amor dirá a nós o que ele é”. Manoel de Barros apresenta o “amor” de maneira mais dissimulada, remetendo a poesia lírica, em que o termo “Musa inspirador do poeta” era frequentemente usado como codinome da mulher amada, podemos ver tal característica nos versos do poema “Musa, sopre de leve nos meus ouvidos a doce poesia”.
Neste sentido, percebe-se que o “amor”, tema abordado nos poemas é considerado universal e atemporal, ressaltando a então releitura “palimpsesta” enfatizada por Barbosa (2005), o mesmo destaca que a consciência pessoal e subjetiva do poeta e a historicidade do poema são marcadas pelo mesmo processo de intertextualidade, no entanto, defende que tal intertextualidade não se constitui de forma intencional “[...] Não se institui a intertextualidade a partir de um ato puramente pessoal ou “erudito” [...]” (p. 15). Segundo o crítico, a linguagem do poeta também marca os componentes intertextuais do poema, atribuindo-lhe uma relação de atemporalidade.
Seguindo com a análise, Manoel de Barros no poema “Informações sobre a musa”, apesar de remeter a poesia lírica, se diverge da mesma, ao passo que desconstrói a figura de musa pura e inalcançável, distante do poema, pois sua musa, como ressaltado no verso “[...] sabe asneirinhas/ Que não deviam de andar/ Nem na boca de um cachorro”, atua de forma participativa na inspiração. Esta característica também reside no “Poema I” de Devair Fiorotti nos seguintes versos “[...] Falarei palavras suaves de amor/ E também blasfêmias/ Como minha putinha [...]”, o eu/lírico do poema se faz numa total relação de contradição, fato destacado no verso “[...] Serei inteiro contradições como convém ao amor [...]”, revelando tanto a parte sublime do amor, quanto a parte apaixonante, como podemos ver nos versos “[...] E deitarei sobre seu corpo como paina e chumbo/ Pesarei sobre ele delicado como a pele infante/ Bruto como um bárbaro [...]”.
Diante da análise exposta, conclui-se que o erotismo está presente de forma marcante na poesia moderna e contemporânea, sua criticidade estabelece certo tipo de relação entre poeta e a linguagem histórica do poema, em que aborda a personificação feminina como meio de expressar a cultura reflexiva a partir da leitura de obras anteriores. Tal releitura revela na poesia moderna a partir de um entrançamento intertextual, que advém da consciência leitora do poeta, em que, de forma inconsciente, propõe a recuperação da qualidade histórica do poema.
[1] Este estudo partiu das discussões de poesia, nas aulas de Literatura contemporânea, na Universidade Estadual de Roraima UERR. Análise produzida em sala de aula, sob a orientação da Profa. Dra. Rosidelma Pereira Fraga.