Arlindo Leão e outros assuntos aleatórios

DIÁRIO

[Arlindo Leão e outros assuntos aleatórios]

Elmar Carvalho

07/12/2020

Estive muito ocupado com alguns problemas pessoais e em mandar os links de meu conto A fuga dos jesuítas – do Brejo de Santo Inácio a Pedra do Sal e o de minha entrevista ao programa Personalidade Piauí, que já tem um notável arquivo, para alguns de meus contatos. O entrevistador foi o jornalista Bartolomeu Almeida, simpático cidadão, efetivamente comprometido com o seu programa e com assuntos culturais. Ele domina a técnica de interagir com os seus convidados e sabe motivá-los a se expandir em suas respostas.

Ele se prepara para fazer as entrevistas, se informando sobre o entrevistado e sobre a temática a ser explorada. Ilustra o programa com fotografias, que lhe ensejam as perguntas e aguçam a memória do entrevistado. Por outro lado, é bem informado, e a gente percebe que ele gosta do que faz; e o que faz ele o faz com entusiasmo e boa-vontade, dando o melhor de si e buscando o melhor de suas “personalidades”. Sobre ele, por Whatsapp, disse o meu filho João Miguel: “Fala bem. Bom jornalista. Informado e de boa dicção.”

Várias pessoas me enviaram, por Whatsapp, amáveis comentários sobre o conto e sobre a entrevista. Dei os devidos descontos, porque todos foram emitidos por pessoas amigas e bondosas. Num deles, o meu amigo, juiz inativo e diácono, João Batista Rios me elevou a tal altitude, em palavras encomiásticas que não mereço, que tive medo de cair e me esborrachar todo. Mas é isso mesmo; amigos são para essas coisas. Se um amigo, de vez em quando, não nos elogiasse, para que diabos serviriam os amigos?

O presidente da Academia Piauiense de Letras, o notável escritor e jornalista Zózimo Tavares, me enviou uma fotografia de um flagrante em que eu estava sendo entrevistado, com a lacônica e enigmática frase: “A prova dos 9”. Não tendo entendido bem a sua mensagem, respondi em blague: “Nove, nove fora = a nada”. Bem sei que ele, em sua amizade e generosidade, jamais me daria um zero, por isso, em seguida, caindo em mim, emendei: “Viajei fora da curva. Agora entendi. É a nota. Por sinal muito alta. O confrade foi muito generoso. Obrigado.”

 

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O outro comentário foi emitido pelo amigo Arlindo Leão. Seu elogio foi um exagero um tanto exacerbado. Mas não posso dizer que não gostei. A minha vaidade gostou, porém tenho que fazer umas penitências, para expiar esse pecado. Não terei indulgência para comigo, e vou usar o cilício mais cortante que tiver.

Arlindo é filho do jornalista Batista Leão, que conheci a partir de junho de 1975, quando eu e minha família nos mudamos para Parnaíba. Ele morava num sobrado, perto da Praça da Graça, em cujo logradouro passamos a residir. Nos umbrais de sua casa, encimando o muro, creio, havia duas ou três esculturas de heráldicos e soberbos leões. Como diria o excelso poeta Mário Faustino, no poema Nam Sibyllam, eram cândidos leões alvijubados, que se espedaçavam contra as salsas areias sibilantes.     

Nessa época os dois Batista mais conhecidos de Parnaíba eram Batista Leão, pai do Arlindo, e João Batista Costa. Este era um antigo funcionário do Departamento de Correios e Telégrafos, que acabara de se transformar em empresa pública, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Em plena ditadura militar, em chapa encabeçada por Elias Ximenes do Prado, fora eleito vice-prefeito do município, pelo MDB, partido da oposição, na época do bipartidarismo. Gostava de músicas executadas pelas grandes bandas americanas, e vez ou outra ele me emprestava seus LP’s e eu lhe emprestava os meus. Era um cidadão risonho, sempre bem-humorado, que morreu um tanto precocemente. Aliás, para mim, a morte de meus amigos é sempre precoce. Me desviei do foco de minha conversa, para lhe prestar esta singela homenagem.

Voltando a falar no jornalista Batista Leão, acrescento que ele era nessa época, e ainda o foi durante muitos anos, diretor do jornal Folha do Litoral (do qual fui colaborador, com a publicação de poemas modernistas), e superintendente da Rádio Educadora, a pioneira da radiodifusão no Estado do Piauí, e, então, a única emissora do litoral piauiense. Em 23/04/1983 fundou o seu próprio jornal, a que deu o nome de A Libertação.

Com ele conversei algumas vezes, e juntos participamos de algumas reuniões culturais, inclusive em seu palacete e na mansão da professora Maria da Penha, que tinha um enorme caramanchão, referto de buganvílias e madressilvas. Foi por essa época que o Arlindo, bem mais jovem do que eu, me fez uma sibilina pergunta, que na época não soube responder: qual seria o maior, Fagner ou Zé Ramalho? Ambos e o saudoso Belchior fizeram músicas que nos encantaram e nos embalaram os sonhos da juventude. Hoje, optaria por Zé Ramalho, embora reconhecendo a grandeza do Fagner.

Tendo ficado com alguma dúvida e querendo resolver pequena pendência, resolvi ligar para o Arlindo. Ele se encontrava em companhia do Dr. Cajubá Neto, meu amigo há muitos anos, fidalgo pertencente a uma estirpe ilustre de importantes advogados, com quem conversei um pouco antes de voltar a falar com o destinatário de minha ligação. O Arlindo foi secretário, em diferentes pastas, dos governos de Zé Hamilton Castelo Branco, de Florentino Veras e de Mão Santa (Francisco de Assis Moraes Souza). É recordista, porquanto foi secretário do município de Parnaíba por nove vezes, em diferentes ocasiões.

Agora, Arlindo Leão, entusiasta da cultura e da história de Parnaíba, me lava, me enxágua e me lustra a alma com o seguinte comentário, cujo exagero se deve à sua lhaneza e amizade:

“Querido Elmar, assisti à sua entrevista, por sinal bastante  interessante.  Se dependesse  de nossa  cidade na realidade você  seria um parnaibano dos mais admirados e  respeitados,  pela sua inteligência,  pelo seu caráter,  pela sua dignidade e pela sua honra. Infelizmente  Parnaíba não  teve a sorte de você  ter nascido aqui , tamanha é  a sua história  de amor com nossa  cidade. Um forte abraço.  Arlindo Leão.”

De fato, não nasci em Parnaíba. Vim a conhecê-la, como já disse acima, em 1975, quando iniciava minha juventude. Tinha 19 anos, e me deslumbrei com a beleza da antiga Praça da Graça e da Praça Santo Antônio, com a penumbra de seus magníficos oitizeiros, com os seus solares, os seus chalés, os seus sobrados, os seus palacetes, e com a sua deslumbrante paisagem natural.

Mas me tornei parnaibano por vocação e devoção, e por um honroso Título de Cidadania, proposto pelo vereador Batista Veras. E Parnaíba me deu mais, muito mais, conforme lhe disse em minha resposta, com que encerro esta nota nestes tempos covidianos:

“Parnaíba me deu muito; me deu sua beleza arquitetônica e natural; me deu a amizade de meus melhores amigos. E me deu até, em minha juventude, a esplêndida beleza de suas moças em flor.”