A velhice: o filósofo encontra o não filósofo
Por Paulo Ghiraldelli Jr Em: 28/11/2012, às 07H56
[Paulo Ghiraldelli Jr.]
Há como envelhecer com dignidade? Duvido! Por isso mesmo, alguns filósofos optam pelo suicídio. Não é que assim fazem para não incomodar. Não, nada de altruísmo. Somente o orgulho próprio e um pouco de covardia os conduz a esse final. Como os filósofos são as entidades do universo que mais se acreditam esplendorosas, também são as primeiras a se apavorar diante da imagem da impotência corporal e mental associada à velhice.
Usar frauda ou ser acompanhado para passear ao sol. Ter dificuldade para acariciar o seu cachorro. Falar com dificuldade e ter lapsos de memória. Passar por exames médicos constantes. Ter alguém para lhe dar remédios e, talvez, ler alguma coisa. Receber poucos amigos, cada vez menos. Não receber mais amigos. Estar já morto em vida. Eis a imagem do inferno, ao menos para o intelectual, principalmente para o filósofo. Filósofos são pessoas covardes diante da decrepitude. Querem passar por várias experiências na vida para dizer que vieram a ganhar vivências que seus discípulos, alunos, leitores e admiradores não passaram, e por isso precisam deles. Mas, quando postos diante da experiência da deterioração, fogem como cobra de doninhas.
Filósofos são como guerreiros samurais, ele querem uma boa morte, uma morte com honra. Usam a escrita ao invés da espada, mas é quase a mesma coisa. Atacam para serem atacados, de modo a poder revidar como se não existisse o primeiro ato da série. Ao final, já velhos, perdem o gosto pelo ataque e mesmo pela defesa, tudo que querem é reconhecimento. Nisso não diferem de quaisquer outros bípedes sem penas. Mas, no que diferem, o fazem exatamente nesse ponto: querem que a experiência da corrupção do corpo e do funcionamento mental capenga seja-lhes transmitida pelos livros, jamais vivida.
Por que os filósofos são desse modo?
Por virtude de profissão! Sim! Mais que quaisquer outros bípedes eles passam uma vida ouvindo Sócrates, seguindo à risca “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Assim, em determinado momento, estão de posse de uma conclusão terrível a respeito de todos os vivos, a de que seja lá como for o nosso fim as coisas não se passarão pela melhor via, pois por mais sorte que tivermos. A maior sorte implicará em uma velhice saudável e, assim mesmo, uma velhice.
Enquanto a fonte da juventude não for descoberta, a velhice sempre será a velhice. As limitações aumentarão a cada dia. Há uma perversidade nisso que é terrível para o intelectual: sua capacidade de intervenção no mundo, que era a de proferir palavras como setas, pode se ampliar ao máximo e, assim mesmo, suas setas perderão o veneno. Promete-se ao filósofo que ele, na velhice, terá autoridade. Que será diferente dos outros bípedes-sem-penas, que irão realmente perder utilidade no mundo. Mas os velhos se tornam doces até mesmo quando proferem blasfêmias ou amaldiçoam todos. Os velhos, principalmente os filósofos, no mundo atual, não se tornam sábios a serem consultados, apenas são vistos como sábios “café-com-leite”! Todo filósofo velho pode até ser ouvido, dependendo da sociedade em que estiver, mas todos que o escutam o fazem apostando que ele não tem mais a capacidade de criar, só de repetir o que já disse. O decreto social é fulminante em relação ao filósofo: “ah, seu cérebro é uma máquina de repetição, e velha”.
Possuir uma máquina de repetição, sem criatividade fecunda, para o filósofo autêntico é tudo que ele menos quis na vida. Era a antítese de sua vida. Durante todo o seu tempo de trabalho ele ridicularizou os outros intelectuais, principalmente os que se diziam filósofos iguais a eles, que não criavam coisa alguma, que apenas repetiam. Na velhice, mesmo que ele crie, os que o escutam estão surdos para tal, pois esperam de um velho que ele repita. Ninguém acredita na criação de um velho. Está decretado em forma de consenso social: os velhos não criam. Não procriam. Aliás, se criarem, talvez percam seu público!
Assim, para o filósofo, a velhice é uma época na qual a ideologia, aquilo que ele atribuía ao adversário e jamais a ele, o engole de vez. Tudo que há de se fazer é repetir, frisar, sublinhar, relembrar, reiterar e assim por diante. Criar, não! Caso crie, não acreditarão. Caso acreditem, o deixarão! O filósofo se depara com o seu oposto ao ficar velho, e ele não pode aceitar tamanha traição de si por si mesmo.
Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ