[Flávio Bittencourt]

A travessia do rio Rubicão pelo general Caio Júlio César

Alea jacta est: sem ter sido, stricto sensu, imperador, eis que os títulos Czar, russo, e Kaiser, alemão, não passam do César romano

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://muitopelocontrario.wordpress.com/2009/10/13/alea-jacta-est-obama-atravessa-seu-rubicao-e-o-lula-vai-fazer-isso-algum-dia/)

 

 

 

 

 

picture César attraction 2008 Asterix Parc

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

César, attraction 2008, Astérix Park

(http://www.itinerairesbis.com/choix_monde/parcs/asterix/photos/photo_cesar_parc_asterix_ang.htm)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Fouquet (ca 1420 - ca 1480) - 'Cesar atravessa o Ribicão' - iluminura. Paris - Musée du Louvre

(http://viticodevagamundo.blogspot.com/2010/04/travessia-do-rubicao-em-49-ac-alea.html)

 

 

 

 

Jean-Léon Gérôme (1824 - 1904) - 'César atravessa o Rubicão' - escultura - Ottawa National Gallery of Canada

(http://viticodevagamundo.blogspot.com/2010/04/travessia-do-rubicao-em-49-ac-alea.html)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anônimo - 'César atravessa o Rubicão' - gravura in Eva March Tappan (1854 - 1930; The first old world hero stories. Emperor of Rome, p. 102

(http://viticodevagamundo.blogspot.com/2010/04/travessia-do-rubicao-em-49-ac-alea.html)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Virgil Solis (1514 - 1562) - 'Deificação de Júlio César' - gravura in Ovídio; Metamorfoses, XV, 745 - 850

(http://viticodevagamundo.blogspot.com/2010/04/travessia-do-rubicao-em-49-ac-alea.html)

 

 

 

 

 

                            Agradecendo aos responsáveis pelo portal OPERA MUNDI pela

                            divulgação de excelente artigo sobre a célebre TRAVESSIA DO RUBICÃO

                            pelo general Caio Júlio César

 

 

 

 

 

 

3.12.2010 - Pessoas próximas ao General exortaram-no a NÃO ATRAVESSAR O RIO RUBICÃO - Mas não adiantou, César estava decidido.  O texto a seguir transcrito descreve o desenrolar dos acontecimentos e suas consequências, que, aliás, mudaram o curso da história.  F. A. L. Bittencourt ([email protected])

 

 

 

 

 

 

 

"11/01/2010 - 06:00 | Max Altman | São Paulo

Hoje na História: Júlio Cesar atravessa o rio Rubicão

 

 

No comando da XIII Legião, Caio Júlio César atravessa o rio Rubicão, uma fronteira natural que separa a Gália Cisalpina e a Itália em 11 de janeiro de 49 a.C.. À época, o Senado romano proibia formalmente a todo general em armas de transpor essa fronteira sem expressa autorização. Ao transgredir a ordem, Júlio César violou a lei de Roma e declarou guerra ao Senado. No instante em que atravessou o Rubicão, exclamou: "Anerrifthô Kubos" traduzido em latim popular por “Alea jacta est” (A sorte está lançada).

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

Ponto em vermelho mostra a localização exata do rio Rubicão

A partir daquele momento ninguém mais seguraria Júlio César. O general, estadista, orador, historiador e legislador romano, considerado um dos homens mais cultos de seu tempo e um dos maiores chefes militares de toda a história, entra em Roma, afasta Pompeu e, ao fim de uma longa guerra civil, submete o conjunto do Império Romano aos seus desígnios de ditador vitalício.

É de se notar que, diferentemente do que o senso comum imagina, Júlio César nunca foi princeps (latim para o primeiro no tempo ou no fim, o primeiro, chefe, o mais eminente, distinguidos ou nobre, o primeiro homem, primeira pessoa"), portanto, não pode ser considerado imperador romano, ainda que tivesse sido nomeado ditador vitalício em 45 a.C..

O nome César tornou-se nome de família da primeira dinastia, sendo usado como título. E atravessou milênios: os títulos Czar, russo, Kaiser, alemão, não passam do César romano.

Trajetória

Júlio César nasceu no ano 100 a. C., filho de uma família patrícia. Começaria sua carreira política tomando parte da batalha que opôs seu tio Marius, chefe da facção popular, a Silas, chefe da facção senatorial.

A partir do ano 70 a. C. começa a ascender politicamente. Torna-se sucessivamente tribuno, militar, pró-cônsul, edil e pretor. Em seguida, governador da Gália Cisalpina e transalpina e mais adiante, pró-pretor na Espanha.

Em 59 a. C, é nomeado cônsul de Roma, graças ao triunvirato que havia formado com Pompeu e Crasso, fruto de aliança secreta. No ano seguinte, se lança nas “Guerras da Gália”, submetendo ao seu mando diversos povos do Norte. Em 51 a. C., após um longo cerco em torno da Alésia (Borgonha), o chefe Vercingetorix depõe as armas e se rende a  César. A Gália é conquistada para a glória do comandante romano.

Depois do episódio da travessia do Rubicão e após a sua entrada triunfal em Roma, Júlio César persegue e esmaga as tropas de seu rival Pompeu em Tessália. Pompeu e os senadores tinham abandonado Roma e se dirigido à Grécia. Pompeu, vencido, busca refúgio no Egito, junto ao rei Ptolomeu XIII, que temendo a represália de César, manda assassiná-lo. César vai atrás de Pompeu no Egito e lá toma conhecimento do assassinato. O episódio deixou Ptolomeu, à ocasião em conflito com sua irmã-esposa Cleópatra, em maus lençóis. Quando a encontra, o general romano vê-se imediatamente seduzido pela rainha egípcia. Depois que seus exércitos derrotaram as tropas de Ptolomeu, César oferece o trono do Egito a sua amada.

César estava no auge de sua glória e poder. O imperador reinava nos dois lados do Mediterrâneo. Em Roma exercia um poder absoluto e adotou algumas medidas que favoreceram os mais pobres.

Assassinato

Porém, em 15 de março de 44 a. C. Júlio César, que se havia proclamado ditador vitalício, é assassinado. Em plena sessão do Senado, cerca de 50 senadores partidários da restauração da república oligárquica atiram-se sobre ele e lhe conferem 23 golpes de espada. César cai ao pé da estátua de seu antigo rival Pompeu. Entre os conspiradores encontrava-se Brutus, filho da amante do imperador, por quem tinha uma grande estima, e Cássio, general romano. Ao perceber Brutus entre seus agressores, dirige-se a ele em grego: "Kai su Brutus teknon", que se poderia traduzir em latim popular por “Tu quoque, Brutus fili mii (Até tu, Brutus, filho meu).

Wickicommons

O assassinato de Júlio Cesar, em tela de Carl Theodor von Piloty, exposta em Hannover, Alemanha

O corpo do ditador foi levado por escravos e incinerado no Campo de Marte, como impunha a tradição. Em seu testamento, César designou por herdeiro o filho adotivo, Otávio, futuro imperador Augusto.

Depois da morte de César, abriu-se uma luta pelo poder entre o seu sobrinho-neto César Augusto e Marco Antônio, que haveria de resultar na queda da República e na fundação do Império Romano de cujo trono se apossou Marco Antônio.

A obra escrita de César que o coloca entre os grandes mestres da língua latina. Destaca-se a “De Bello Gallico” – comentários sobre as campanhas da Gália As narrativas, aparentemente simples e diretas, são na realidade sofisticadas manobras de propaganda política dirigidas ao patriciado de Roma".

(http://operamundi.uol.com.br/noticias_ver.php?idConteudo=2499)

 

 

 

 

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MAX GALLO ESCREVE SOBRE CÉSAR:

CESAR IMPERATOR, tradução de

ARNALDO POESIA

 

 

 

"Alea jacta est! A sorte está lançada!

 

 

César é uma grande figura da ciência política, na medida em que foi o modelo de muitos ditadores e outros políticos, como Napoleão. Não podemos compreender Napoleão e a maneira como ele conquista o poder sem pensar em César. Napoleão foi um leitor de César, e refletiu sobre sua ação política e forma de decisão. César é nome próprio que se tornou um nome genérico: kaiser, czar. Ele simboliza um poder e um tipo de ação política, como a propaganda. A batalha que ele travou contra os gauleses é, no fundo, uma obra de propaganda, de comunicação para conquistar a opinião pública em Roma. Quando refletimos sobre a política de hoje, somos confrontados a César, mesmo dois mil anos depois.

César acreditava ter uma missão divina. Sua mãe o convenceu na infância que ele pertencia a uma família ligada aos deuses. Portanto, ele tinha que realizar algo de excepcional e ser o primeiro. Enquanto não decepcionasse os deuses e conseguisse transpor os obstáculos, seria protegido pelos deuses. Ele achava que tinha uma missão e um destino a realizar. Isso o tornou extremamente corajoso durante as batalhas, porque acreditava que a morte não o atingiria porque ele não tinha atingido seu objetivo. Ao mesmo tempo, o lado fraco dessa certeza interior fez com que ele não prestasse atenção aos alertas e aos perigos, persuadido de que era invulnerável.

CÉSAR

Covardes morrem antes de morrer:
O sábio vive a morte uma só vez.
De tudo o que é estranho, e que já vi,
O mais estranho é o homem a temer,
Enquanto a morte, o necessário fim,
Vem ser só o não ser.
                                             Shakespeare,
                                             Júlio César, II, II

Falam muito da fortuna de César: mas este homem
extraordinário tinha tantas grandes qualidades, sem
defeito algum, se bem que com diversos vícios, que
seria muito difícil, em qualquer armada que comandasse,
não vir a ser o vencedor; em qualquer república
que nascesse, não vir a ser o governador.
                                                                                Montesquieu,
                                                 Considerações sobre as causas da
                                 grandeza dos romanos e da sua decadência.
                                                                                          Capítulo XI

 

 



Prólogo

Vamos onde nos chamam os sinais dos deuses e a injustiça de nossos inimigos! A sorte está lançada!

CAIO JÚLIO CÉSAR PERCORRE AS RUAS DE RAVENA.
 

Com os braços cruzados, segura as abas de sua toga, levadas pelo vento gelado neste dia de inverno. Ouve os murmúrios dos centuriões de sua XIII legião, a segui-lo, a poucos passos. Asínio Polião, jovem de cabelos anelados, em quem Júlio César confia plenamente, marcha perto dele. César detém-se à beira dos pastos que cercam a cidade.

A erva deita-se ante as rajadas de vento, e adivinhamos, na extremidade deste terreno montanhoso, os fluxos e refluxos, as ondas, as breves vagas cinzas deste mar Adriático. Neste mar, lança-se o Rubicão, pequeno rio, torrente a rolar desde as cadeias de montanhas, desde os Apeninos das águas de lama, a marcar a fronteira entre a Gália Cisalpina, aquém dos Alpes, e a Itália. A lei romana é clara: um procônsul que atravessa, à frente de suas tropas, a margem norte da Cisalpina, rumo à margem italiana do Rubicão, vem a ser um criminoso expulso da República.

É preciso passar por esse risco?

César lembra-se do sonho desta noite, desta mulher de face oculta por um véu. Ela o convida, lascivo, oferecido, a juntar-se a ela em sua cama, a amá-la. Ele avança, enlaça-a como amante impetuoso, experimentando intenso prazer, talvez o mais forte que jamais experimentara — e, todavia, possuíra tantos corpos de mulheres e de homens. Mas, no momento em que se ergue, a mulher desvela sua face, e ele reconhece os traços de sua mãe, Aurélia Cota.

César desperta, corpo coberto em suor, buscando compreender o sentido desse sonho de uma noite de incesto. E lembra-se de sonho semelhante, o sonho espanhol, no início de sua carreira, na Espanha, vinte anos antes. Mas, agora, que significa essa união com sua mãe? Ele deve violar o proibido? Deve penetrar com suas legiões na Itália, e depois em Roma?

Júlio César levanta os olhos: o céu, neste 11 de janeiro de 49*, é de um azul sem luz, quase ébano, bem acima do mar.

Neste céu, os deuses vão traçar um sinal? Vão falar? Vão convidá-lo a atravessar o Rubicão para vir a ser o senhor de Roma, para não mais ser somente um ambicioso de 52 anos, este procônsul que vem de conquistar a Gália além dos Alpes, que enviou a Roma saques e prisioneiros, entre eles Vercingetorix, o Gaulês, arverno e celta, que, sob os muros de Alésia, veio ajoelhar-se ante César, lançando suas armas aos pés do vencedor?

Esta vitória não é o sinal? A Fortuna não o acompanha desde seu nascimento, em 13 de julho de 101, em uma família que imagina possuir origens divinas?

Não é ele o herdeiro, portanto, o descendente de Vênus, o sumo sacerdote de Roma, desde 63?

Como os deuses podem vir a abandoná-lo, enquanto ele deseja coroar a sua vida, dar-lhe um sentido, reunindo, ao redor de Roma, ao redor de si mesmo, todas as terras conquistadas, as colônias do Oriente e a Espanha, a Grécia, e esta Gália que ele vem de dobrar, unindo-a a Roma?

Ele deve atravessar o Rubicão!

Que pode esperar desses senadores que governam em Roma, que já não é senão uma sombra da República? César se volta. Chama a si, com um movimento de cabeça, os que acabam de chegar de Ravena, após fugir de Roma. Vê Curião, Antônio, Cássio, Hírcio — talvez o mais fiel, o chefe de seus secretários.

__________
* Ano 49 a.C. A vida de César (Roma, 13/07/101–15/03/44) termina quatro décadas
antes do nascimento de Cristo.

Alguns tiveram de deixar a cidade em disfarces, temendo ser presos, assassinados. Hírcio narrou a determinação dos senadores em tirar todos os poderes de César, tanto eles temem as suas legiões, a sua vontade de governar só, de apoiar-se no povo. Escolheram Pompeu, o imperator*, vencedor no Oriente, para esmagá-lo. Não é a República que eles defendem, mas a sua própria influência, seus bens, seus negócios. Não desejam as reformas de César. Que viriam eles a ser, se César instituísse a monarquia em seu proveito!

César inclina-se, ouve Curião repetir: os senadores decidiram, em 7 de janeiro vão retirar-lhe o proconsulado da Gália. Nomearam, para seu lugar, um de seus inimigos, Domício Aenobarbo. Que lhe restará? Que poderá sem as suas legiões? Não mais terá futuro político algum. E, se não ceder, será o inimigo público de Roma!

César cerra os braços, está com frio. Alguma vez experimentou esta sensação de uma energia, de um punho gelado a esmagar-lhe a nuca? Entretanto, sempre combateu na primeira fileira de suas legiões. Arrancou as bandeiras das mãos dos fugitivos para lançar-se adiante. Fez sair seu cavalo do campo de batalha para mostrar a todos que ia lutar de espada na mão, como simples legionário.

Enfrentou os piratas, navegou sobre o mar Oceano**, ao largo das costas da Armórica. Atravessou o mar para pousar o primeiro pé romano sobre a terra da grande Bretanha. E, duas vezes, atravessou o mais largo dos rios às margens das negras florestas germanas, o Reno.

Mas, agora, hesita na travessia deste rio, desta torrente, deste Rubicão… Murmura, aproximando a cabeça de Asínio Polião:

— Renunciar a atravessar este rio fará minha desgraça, mas atravessá-lo fará, talvez, a desgraça da humanidade. Será preciso combater, legião contra legião, romanos contra romanos. Será preciso conduzir a guerra contra o Senado, contra Pompeu. Mas há alguma lei além da força? Como a Fortuna e a Vitória viriam a escolher um homem que renuncia à força?

__________
* General, chefe supremo. Neste contexto. (N.T.)
** Atlântico. (N.T.)

César toca o cabo de sua espada. Tantas vezes, desde seus primeiros combates, quando tinha apenas vinte anos e guerreava no Oriente, fez este gesto, disse esta frase, que repete novamente, em voz rouca, cerrando a espada:

— Eis quem vai me proteger. A lâmina deve decidir seu triunfo.

Ele fala brevemente aos homens que o cercam.

Ordena que centuriões e cavaleiros — esses homens seguros e experientes — atravessem o Rubicão sob a conduta de Quinto Hortênsio…

Ele pousa a mão no ombro do jovem.

Que eles tenham como única arma as suas espadas, que eles tomem a primeira cidade da Itália além do rio, Arímino (Rimini). Que não criem tumulto algum, que não matem nem firam ninguém, que, senhores da cidade, esperem. César pesa sobre os ombros de Hortênsio. Experimenta, sentindo o jovem corpo tenso como corda de um arco, uma excitação mesclada de emoção. Ele é o chefe, ele é aquele que os homens seguem, por quem estão prontos a dar a vida: ele encarna a força, a Fortuna, a Vitória. E já o viram vencer Ariovisto, o Germano, e Vercingetorix, o Gaulês.

— Vamos — César ordena.

Os homens se movem.

Agora, é preciso camuflar-se através desta jornada de 11 de janeiro de 49: os espiões de Pompeu e do Senado devem estar fervendo em Ravena, e a força multiplica-se através da surpresa.

César senta-se nos degraus de um pequeno anfiteatro. Na arena, os gladiadores enfrentam-se, entre gritos. Ele parece seguir os duelos, enquanto olha, além, estes pastos atravessados pelo Rubicão, este mar onde o rio é devorado.

Depois examina, esforçando-se para dar todos os sinais de interesse, os planos de uma escola de gladiadores. Vez por outra, levanta a cabeça para o céu a assombrar-se. A noite cai. Nela se encontra o momento de escolher. Mas os deuses vão falar?

Em passo lento, ele deixa o anfiteatro. É seguido com respeito. Vai para casa, preparar-se para a ceia.

Os escravos apressam-se. O cômodo onde ele entra é invadido pelo vapor quente. Deita-se. Massageiam-no. As mãos deslizam por sua pele, sua cabeça calva, seu corpo onde transparecem ossos e músculos. Ele ama este momento em que cada músculo distende-se sob a carícia dos dedos, sob a pressão das palmas. Fecha os olhos. Mas não é hora desses prazeres a que tanto se rendera. Existe prazer maior que a Vitória a coroar a força?

Ele se levanta lentamente, os olhos semifechados, os lábios cerrados. Com um gesto, pede que lhe lancem água fria. Todo o seu corpo se enrijece, sente-se jovem e invencível. Entra na sala a que convidou alguns próximos para a ceia. Sorri. Observa. Espera, paciente, que a noite, enfim, seja perfeita. Será tempo de enganar os convidados, de convidá-los a continuar a cear. Então sairá, encontrará alguns homens avisados, à beira do Rubicão, à aurora, e partirá em rumo oposto, em carro atrelado com mulas, emprestado ao padeiro vizinho.

A noite de 11 a 12 de janeiro de 49 é uma só massa negra e gelada. Os deuses vão falar?

O passo das mulas é lento e hesitante. O vento magoa as árvores. Perde-se o rumo. É um sinal? Advertência divina?

Um homem passa e indica o caminho rumo ao rio.

Eis as margens do Rubicão a sair pouco a pouco da noite, mas a permanecer envoltas em densa névoa. César salta do carro, marcha rumo à pequena ponte que atravessa o rio. Percebe — unidos a alguns passos — os batalhões da XIII legião, as bandeiras brilhantes ao céu cinza. Sente-se, ao mesmo tempo, certo e hesitante.

— Agora, ainda podemos voltar atrás — murmura —, mas, quando atravessarmos esta ponte, tudo deverá ordenar-se pelas armas. Pousa a mão novamente no punho de sua espada.

Avança rumo ao rio que continua a livrar-se da névoa. As pastagens descem também, suavemente, sem precipícios, rumo ao rio que, nas cheias, irriga-as. Faz um gesto, dá uma ordem: soltem os cavalos, eles vão pastar à beira-rio, no Rubicão, como oferta para tornar os deuses generosos.

— Afinal — fala, olhando intensamente os cavalos a galopar, a roçar uns nos outros, a pastar, a relinchar, levantando a cabeça para o alto —, só há um lance arriscado a jogar. Avante!

Eis a vida. Ela não é nada se não a percorrermos livres como esses cavalos. Seu galope à beira do Rubicão é a imagem da sina de um homem que os deuses escolheram para vencer. De um só lance, um som agudo eleva-se, vindo da margem. Eis um homem sentado, quase nu, apesar do frio, os cabelos a mesclar- se à barba anelada. Toca flauta, os dedos ágeis correm pelo instrumento, dando à luz um canto que, pouco a pouco, preenche a grande aurora. Pastores aproximam-se dele, soldados também. Certos legionários levam ao pescoço seus clarins. César vê a cena que o dia, aos poucos, esclarece em viva luz. De um só lance, o tocador de flauta levanta-se. Ele é grande, sua beleza brilha ao sol nascente.

Eis enfim o sinal?

O homem toma o clarim de um legionário e começa a caminhar rumo ao Rubicão, a tocar a marcha com potência alegre, arrebatadora. Passa à outra margem do rio, continua a tocar entre as árvores. É preciso eternizar este instante. César avança à pequena ponte. A cada passo sente o peito a abrir-se, a encher-se de força, o corpo a lançar-se adiante.

Volta-se para os batalhões:

— Vamos onde nos chamam os sinais dos deuses e a injustiça de nossos inimigos! Alea jacta est! A sorte está lançada!

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Bibliografia: Cesar Imperator, Max Gallo, XO Editions, 445 p., France, 2003. Tradução de Arnaldo Poesia".

(http://muitopelocontrario.wordpress.com/2009/10/13/alea-jacta-est-obama-atravessa-seu-rubicao-e-o-lula-vai-fazer-isso-algum-dia/)

 

 

 

 

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VOLTAIRE SCHILLING

DISSERTA SOBRE 

A CONQUISTA DA GÁLIA POR JÚLIO CÉSAR

 

 

"A conquista da Gália por Júlio César

Há dois mil e cinqüenta anos atrás, Júlio César, um dos mais célebres estadistas romanos, publicou um relato da sua campanha contra as tribos celtas que então viviam espalhadas pela Suíça, França, Bélgica e Inglaterra, denominando-o Commentarii de bello gallico, Comentários sobre a Guerra Gálica, consagrando-o como um excelente historiador.

Seu livro tornou-se leitura obrigatória para os estudantes de latim. Que extensão tinha a região conquistada pelos romanos e quem eram as tribos e qual a cultura dos que lá habitavam e como fez César para dominá-la, é o que o se segue.

Vercingetórix rende-se a César em Alésia (52 a.C.)
César abre a primeira página do seu livro com uma das suas mais conhecidas frases: Gallia est divisa in partes tres, "a Gália está toda dividida em três partes". E, de fato, assim era. Bem ao norte, a Terra dos Celtas era habitada pelos belgas, no centro pelos gauleses propriamente dito, e, ao sul dela, pelos aquitânios. Politicamente, a parte meridional encontrava-se nas mão dos romanos desde 222-121 a.C., que a denominavam de Gália Narbonense, tendo como principal centro era o porto de Marselha.

A posse dessa região costeira do Mediterrâneo, permitia-lhes trafegar seguros pela Via Domitia, a estrada que ligava a fronteira da Itália ao Leste, com a da Ibéria, ao Oeste. Geograficamente, ela se estendia de Milão, no Vale do Rio Pó, até o sopé das montanhas dos Pirineus. Foi para lá que enviaram Caio Júlio César, de distinguida e aristocrática família latina, como procônsul da Gália Narbonense, no ano de 59 a.C.

O povo que lá vivia, no que os romanos denominavam de Gália Comata, eram os celtas, separados entre si pelas mais diversas razões. Dividiam-se eles,de um modo geral, em galos Heudos, Arvernos, Belgas, e nos que compunham as tribos marítimas que habitavam nas margens do Atlântico (onde hoje se situam a Bretanha e a Normandia, departamentos da França). Esses gauleses, rústicos e durões, que até então estavam fora da órbita romana, eram chamado de galos cabeludos (Gallo comata), para separá-los dos chamados galos togados (já totalmente romanizados).

Gallia est divisa in partes tres

Caçadores e guerreiros, envolvidos em intermináveis desavenças tribais, os galos cabeludos desprezavam a atividade agrícola, apesar da grande fertilidade do solo da França. Dedicavam-se à criação de cavalos e de gado doméstico, havendo porém ente eles grandes artistas no trabalho com bronze, estanho, e objetos de prata. O pouco comércio que conheciam era em geral praticado por comerciantes romanos que trafegavam pelos seus rios e aldeias, trazendo-lhes produtos de fora.

 

Reis, chefes e druidas

 

A organização política dos gauleses, ou a ausência dela, foi sua perdição. A Terra dos Celtas era uma barafunda de tribos que ora eram governadas por um pequeno número de nobres guerreiros, outra por reis ou chefes clânicos, e até por um curioso tipo de magistrado, o Vergobret, escolhido, tal como o cônsul romano, por um período de um ano. Para o leitor de César fica evidente que a diversidade política dos galos cabeludos, e o desacerto que dai decorre, facilitou sua capitulação final frente aos romanos. Contra os galos cabeludos, César pôde exercer a plenitude da máxima Divide ut regnes, divide e domina, tática que os lideres romanos sempre souberam tão bem aplicar contra os outros povos".

(http://educaterra.terra.com.br/voltaire/antiga/galia1.htm)