Rogel Samuel
Alceu Amoroso Lima escrevia uma linha no fim do dia. Só uma linha, num caderno especial, registrava um resumo do que acontecera no dia, uma retrospectiva do dia. Dizia que todo escritor deveria rabiscar um texto todos os dias, para exercitar-se. "Nenhum dia sem uma linha". Ele também redigia uma carta diariamente para a filha monja reclusa, naquela sua ilegível e apressada letra, o texto na ortografia antiga. Todos os dias uma carta sobre seu dia, sua vida cotidiana e espiritual. Todos os dias um resumo de sua vida. Uma retrospectiva das horas.
Alguns monges budistas tibetanos recomendavam que, no fim do dia, antes de dormir, deveríamos meditar sobre o que fizemos no dia colocando bolas pretas e brancas numa caixa - as pretas para nossas ações más, as brancas para nossas boas ações. Assim faríamos um balanço do dia. Num diário também. Exprimiriam nossas promessas? Composição na soma do tempo.
E no fim do ano? Vamos comemorar porque a vida de um ano foi ótima, toda vida vale a pena e ela é efêmera e se esvaiu, logo se parece longínqua, fina gaze. Meu Deus! A vida é mesmo um sonho, uma visão de um mágico show. Triste ou bela, sólida ou frágil, "a vida leva-a o vento", escreveu poeta João de Deus (1830-1896), no seu "Campo de flores":
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
POR ISSO VAMOS COMEMORAR AGORA!