ENTREVISTADO:

Dílson Lages Monteiro

 Quando você começou a se interessar por Literatura?

Dílson - Diria, inicialmente, que somente se interessa por literatura quem lê literatura e, também, quem vivencia um contexto sóciocultural favorável ao gosto pela leitura. Assim, creio que ainda na primeira infância, vivenciei esse interesse. Não me esqueço das férias escolares na zona rural de Barras, onde residia meu avô materno. Ele possuia uma coletânea intitulada Chão de Poetas, organizada por esse notável divulgador da literatura que é Herculano Moraes. Ali, sob os embalos de uma rede de tucum, colocava-me a cantar os versos de poetas como Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco, diga-se de passagem, parente de muitos de meus ancestrais, sem perceber que havia uma íntima relação entre música e poesia. Esse interesse agigantou-se com as leituras bíblicas do coroinha que fui, do menino curioso, do estudante aplicado, e ganhou mais força na adolescência. Leitor contumaz de jornais, tinha um enorme carinho pelos textos de um conterrâneo ilustre, José de Arimathéa Tito Filho, escritor dos mais fecundos no Piauí do século XX.  Certa feita, resolvi escrever a ele, comentando uma de suas crônicas publicadas em O Dia.  Para surpresa minha, o conterrâneo recebeu de modo caloroso a carta e, a partir daquela data, muito me estimulou, mandando inclusive publicar em jornais alguns dos fraquíssimos textos a ele remetidos por mim. Isto mais me estimulou, como muito me estimulou o ingresso no curso de Letras, quando tinha apenas 16 anos. Passei a redimensionar o valor da literatura, a dar a ela um contorno existencial, a vê-la como fator de dimensão estética ( é pela linguagem que, muitas vezes, alcançamos a sensação do belo, indispensável para a projeção da existência, conforme asseguram estudiosos do comportamento humano). Creio que o interesse pelo texto literário é despertado sobretudo pela escola e pela família. Infelizmente, o primeiro desses  elementos não me foi favoravel. Apesar do grande valor que tiveram meus mestres, não vi na grande maioria deles, no ensino fundamental, leitores. Quanto à família, as condições materiais não me foram muito favoráveis, não obstante tive acesso a gibis e a livros diversos, na infância e adolescência, dos quais minha memória pode falar plenamente. Mas deixo o assunto para uma outra ocasião, quem sabe...

 Quais livros foram escritos por você?
Dílson - São quatro livros de poemas, um livro de historiografia (co-autoria) e um ensaio. Ei-los: + Hum-poemas(1995) – não costumo levar esse muito a sério, trata-se de mero exercício infanto-juvenil, Colméia de Concreto(1997), Os Olhos do Silêncio (1999) e O sabor dos sentidos (2001), além de Cabeceiras – a marcha das mudanças (1996) e A metáfora em textos argumentativos – (2001) -três edições. Tenho inéditos a coletânea Céu de asas, reunindo poemas já publicados; a coletãnea “A gênese da escritura literária”, o ensaio “como ensinar poesia” e estou envolvido na pesquisa do livro “Memória Cronológica de Barras”, que pretendo editar daqui a alguns anos, quanto a pesquisa puder efetivamente trazer contribuições à sociedade.

 Você, como escritor piauiense, sempre se identificou com nossa Literatura?
Dílson - O escritor que não se identifica com a literatura de seu estado não pode ser levado a sério. Como concebê-lo seriamente se não dialoga com os seus pares, com suas raízes. Valorizo tanto o escritor local, que assinei por dois anos a coluna lítero-cultural O sabor das palavras (Diário do Povo), com o objetivo principal de divulgar escritores piauienses e mantenho na Internet, diga-se de passagem, com os parcos recursos extraídos de minha laboriosa e gratificante luta no magistério,uma das principais revistas eletrônicas de literatura do Estado, o Entre-textos, hospedado no endereço: www.dilsonlages.com.br. Penso, porém, que é fundamental o escritor local divulgar seus textos nos alternativos literários de outros estados e discutir suas concepções com escritores e leitores de repertório cultural capaz de abalizar sua produção. E diálogo é fundamental para a maturidade e o engajamento do literato. Portanto, literatura não combina com preguiça. Literatura pouco tem a ver com busca de celebridade. Literatura é luta com palavras, uma luta às vezes inglória, no “entanto lutamos, mal rompe a manhã”, como diria Carlos Drummond de Andrade.

Qual a situação da Literatura Piauiense no contexto nacional?
Dílson - A situação é de isolamento. E a culpa e do próprio escritor; a grande maioria habituou-se a querelas políticas e, nesse sentido, não se preocupa com discussões estéticas, mas com enquadramentos, preocupa-se em dizer que este ou aquele não presta. Falta uma política de incentivo à cultura mais consistente. Uma política de concursos literários séria; as fundações existentes no estado pararam no tempo, os concursos promovidos por elas são um fiasco, bons autores vencem certames literários, mas a publicação da obra, geralmente, não vem, sob a alegação de que não se dispõe de recursos para editá-las, enquanto o dinheiro dessas instituições é utilizado para promover shows musicais, por exemplo, de seus apaniguados. Apesar disso, o grandioso trabalho de figuras como Cinéas Santos e Herculano Moraes e de publicações como a revista Pulsar, editada pelo poeta Paulo Machado,   e Entre-textos

 Qual a contribuição da Literatura Piauiense para a formação dos nossos jovens?
Dílson - Ela tem sido capaz, sobretudo, de fazerem conhecidas as nossas raízes e de estimular o conhecimento de nossa paisagem humana e social. Para constatar isso, basta que cite autores hoje integrantes das listas de livros cuja leitura é obrigatória em nossas faculdades. Nomes como Fontes Ibiapina, O. G. Rego de Carvalho, Assis Brasil, H. Dobal confundem-se com nossa paisagem geográfica, humana e social, porque muito do que escreveram remete a essa paisagem, projetando nos leitores o reencontro com suas raízes e consigo mesmo. Nessa perspectiva, a contribuição é principalmente o conhecimento de o que fomos e somos.

Quais as perspectivas para a Literatura do Piauí?
Dílson - A globalização e, conseqüentemente, muitas de suas conquistas vieram para beneficiar muitos segmentos. Entre eles, o da produção editorial. Mais livros, revistas, jornais, sites e publicações de outra natureza sendo publicados significam em tese mais pessoas lendo. E é isso o que de fato ocorre. Entretanto, a leitura do texto literário, mesmo com tímidas mudanças nos últimos anos, ainda deixa muito a desejar, por muitos fatores, fundamentalmente pela inexistência no Estado de uma crítica literária autônoma – e pela sua quase inexistência mesmo. Vamos torcer que esse cenário possa mudar muito em breve, através do aprimoramento de nossas universidades e de um maior compromisso dos que fazem educação.

O que você acha da posição dos nossos governantes com relação à Literatura Piauiense?
Dílson - Não precisamos dizer muito. Pontes, prédios, urbanização de ruas, estradas, postos de saúde – que indiscutivelmente se constituem em necessidade - são visíveis, rendem votos; já bibliotecas, alunos assistidos por programas sérios, política educacional sistematizada, atividades lítero-culturais libertadoras custam caro e não são vistas concretamente pela população. Porque atingem sobretudo o indivíduo, ampliando sua capacidade de decidir, de agir, de ser autônomo. Por que ensinam a transformar, a interagir. Políticos não estão, geralmente, interessados nisso; a não ser que possam de algum modo fazer propaganda ideológica. Mas ainda bem que há pessoas sérias preocupadas em difundir a arte e fazer dela uma ferramenta para a transformação do pensamento e, sobremodo, para o contato com o prazer e com o sonho, que só a arte podem instaurar tão bem, porque ancorada em um discurso lúdico.

O que nós, estudantes, podemos fazer para o desenvolvimento da Literatura em nosso Estado?
Dílson - Ler... Ler... Ler... Discutir... Discutir... Discutir... Divulgar... Divulgar...Divulgar... Comece exigindo que sua escola adote um escritor piauiense para ter seus textos, livros e fortuna crítica divulgada. É um bom começo.

Por que o escritor piauiense ainda é pouco reconhecido?
Dílson - Depende de que público estamos falando. Pouco reconhecido por quem? Universitários, estudantes de ensino médio, professores? Se estamos falando da grande maioria da população, ele poderia ser mais valorizado se vivêssemos em um país possuidor de uma política de leitura séria. E de uma sistemática política de divulgação de nossos valores.

Qual o principal objetivo de um escritor?
Dílson - A missão principal de qualquer literato é, sobremodo, fazer sonhar.

12. Quais os escritores piauienses que você mais gosta?
Dílson - São vários. Destacaria Afonso Ligório Pires de Carvalho, Renato Pires Castelo Branco, Teodoro de Carvalho e Silva (estes de raízes familiares plantadas em Barras), H. Dobal, O. G. Rego de Carvalho, Da Costa e Silva.

Qual a contribuição da Literatura para a sociedade?
Dílson - Além de fazer sonhar, a literatura compete ampliar a nossa capacidade de fazer associações, e isso ela faz muito bem, porque utiliza as palavras, também, fora de seu sentido próprio, obrigando-nos a vasculharmos no nosso repertório lingüístico palavras das quais nos possamos servir para a tradução de determinada idéias ou sentimento. Mas sua missão principal é nos colocar em contato com outras experiências de vida, que restaurem nossa esperança e criem a certeza de que podemos não ser apenas matéria.