A comédia e a política
Por Cunha e Silva Filho Em: 03/12/2010, às 13H51
Custa-me acreditar no tragicômico desfecho da votação dada ao humorista Tiririca. Verdadeiro cenário humano e social de uma comédia de nosso Martins Pena (1815-1848). O humorista se elegeu com um milhão de votos pelo estado de São Paulo para o mandato de deputado federal – o mais votado na última eleição, no que eu chamaria de maior embuste praticado pelo eleitorado paulista.
A princípio, se dizia que não poderia tomar posse porque era analfabeto funcional. Não tinha diploma do fundamental nem nada. A Justiça Eleitoral o convocou a fazer um exame de escolaridade para saber se o fato era verdadeiro. Fez o exame e, para resumir, foi considerado apto a exercer o importante cargo no Congresso Nacional. A imprensa divulgara, antes do exame mencionado, um bilhete do humorista e, logo depois, se tomou conhecimento de que não tinha sido escrito por ele. Caracterizou-se a atitude dele como falsidade ideológica. Entretanto, nada disso, após o exame a que se submeteu, foi levado em conta. Estranha a posição e conclusão da Justiça Eleitoral que o investiu do direito à diplomação no início do próximo ano.
Vejo a conclusão da Justiça Eleitoral como um passo extravagante, mais parecendo estar fazendo ouvidos moucos à irresponsabilidade desse gigantesco número de eleitores de São Paulo que, no caso de Tiririca, deu inquestionável prova de descaso com as instituições democráticas, sem a mínima parcela de ética para com o sagrado direito do voto. Alegar-se que o fizeram por protesto só faz reiterar a dimensão de usar o voto de forma leviana, amolecada e destituída de qualquer resquício de dignidade e de cidadania séria comprometida com a melhoria das práticas de eleições. De Gaulle tem razão, Pelé, idem.
Se o milhão de eleitores, que elegeram o Tiririca, quisesse protestar de verdade contra as mazelas de nossa política, não seria melhor que o fizesse através de abaixo-assinados com propostas que – isso sim - servissem ao aperfeiçoamento de nossas instituições a fim de que novos governos se dessem conta de que políticas de fachada devem ser eliminadas do cenário nacional?
Um simples exame da questão de ser lícita ou não a posse do artista popular facilmente – e nem é preciso ser jurista para perceber essas particularidades -, nos mostra a contraditória decisão da Justiça Eleitoral
Todo eleitor mais ou menos informado e com alguma escolaridade sabe bem que Tiririca não é o único candidato eleito sem ter pelo menos o diploma do primário. Nem tampouco mandatos de políticos sem instrução formal são exemplos só da atualidade. No passado já os houve, é só dar um pulo pelos estados brasileiros para conferir essa realidade. Todavia, o problema que envolve Tiririca não é só constituído desse fator. É mais profundo e está entrelaçado à nossa formação social e cultural.
O meu reparo à atitude da Justiça Eleitoral prende-se ao fato de que o humorista em pauta não possui o mínimo necessário para ser um representante de um estado da magnitude de São Paulo. E o pior é que o exemplo dele poderá contaminar outros pretendentes que procuram a política apenas para benefício próprio. Neste mesmo caso, outros oportunistas, mesmo com formação educacional melhor, mas tendo a seu favor a iconicidade popular, se sentirão estimulados a fazer o mesmo. Na práxis política, são necessários competência, integridade moral e talento para a vida pública.
A raiz do problema aqui nada tem a ver com a performance artística do humorista, mas com a absoluta ausência de preparo geral a um mandato de deputado. É fácil prever que ele será manipulado partidariamente. Sua função, como a de outros exemplos iguais ao dele, será somente de aparência, uma vez que a sua atuação passará pelo crivo e filtro de seus assessores políticos e jurídicos diante de projetos futuros a serem submetidos a plenário.
Na realidade, a raiz do problema situar-se-ia - vale reforçar –, na atitude caricata e carnavalizada por parte de quem nele votou. Essa falta de compromisso do eleitor do humorista, a meu ver, constitui a peça central a fim de que a Justiça Federal, se fosse mais coerente, pudesse, utilizar como argumento irrefutável para sustar a diplomação do artista a um mandato no Poder Legislativo.
Outro argumento que poderia ser usado pela Justiça Eleitoral se relacionaria à área midiática, ou seja, basta que alguém do mundo artístico brasileiro, se elevasse ao estrelato, seja da cultura popular, seja da cultura erudita, ganhando, assim, visibilidade da “sociedade de espetáculo”, para que encontre meio caminho andado a uma vaga no executivo e principalmente no legislativo. São muitos os exemplos que poderíamos mencionar.
Essa forma de eleger-se tem muito mais possibilidade de vitória do que por vezes candidatos com inequívoca vocação para a atividade política que não dispõem da mídia a seu favor.
Por conseguinte, as duas situações afloradas acima seguramente seriam úteis a uma correta, amadurecida e isenta decisão da Justiça Eleitoral