(Miguel Carqueija)

No futuro, sentimentos como a cobiça e o desejo de poder ainda existirão...

A CAIXA LUNAR



    Quando eu fui chamado era tarde demais e os acontecimentos já se haviam precipitado irremediavelmente. Mesmo sem examinar o corpo sem vida do Professor Barreto, eu sabia que a caixa era a culpada de tudo. A caixa! Ela havia desaparecido, e só Deus sabia quando e onde reapareceria. O falecido, que se soubesse, não possuía inimigos e nunca tivera problemas, até o dia em que um homem estranho e misterioso procurou-o em seu escritório de Lua-15 (Iriópolis), mostrou-lhe a caixa e o modo de abri-la, e revelou o que havia dentro. No dia seguinte o homenzinho... desculpem, pesa-me falar dessas coisas. Perseguido por estranhas fatalidades Barreto voltou à Terra, mas não se livrou de seus perseguidores. Antes, dois homens e uma mulher tinham morrido. Tudo isso me fôra contado por Alice, a filha de Oscar Barreto. Ela estava apavorada e resolvera desobedecer ao pai, que a proibira de tocar no assunto com qualquer pessoa.
    — Ele está desatinado, é claro. A caixa não vale a nossa vida.
    — O que há dentro dela?
    — Uma substância que, ao que se diz, produz as mais incríveis maravilhas que a imaginação possa conceber. Meu pai não a abre nunca, na minha frente. Essa substância, que ele chama “o fator X”, foi descoberta num estranho meteoro encontrado no Mar das Crises. Três cientistas que pesquisaram a matéria adivinharam as suas qualidades e comunicaram o fato à diretoria do Centro de Pesquisas Leiber, em que trabalhavam. Morreram misteriosamente. A caixa, de pedra-pome lunar, em que haviam guardado o fator X, sumiu, até que a entregaram a papai... ora, ele não quer entregá-la às autoridades. Diz que só a usarão para o mal. Enquanto isso, não sabe o que irá fazer. Já tentaram alvejá-lo, e ele não quer proteção da polícia. Pode haver maior absurdo?
    — Ele pretende usar em benefício próprio os poderes do fator x?
    — Tremo só de pensar. Meu pai sempre foi honesto, mas não é um homem religioso. E agora não o reconheço. Nem a mim ele quer dizer claramente o que há na caixa. Tranca-se com ela horas a fio. Essa coisa maldita parece ter enlouquecido também as autoridades de Iriópolis, que seriam, segundo meu pai, responsáveis pelos quatro homicídios.
    A história era louquíssima e prometia ser um catálogo da mesquinhez humana, porém abstraindo a náusea que tais disputas me causavam, interessei-me pelo aspecto científico. Pedi a Alice que fizesse um desenho da caixa e ela assim fez.
    — Pesa muito?
    — É espantosamente leve.
    — E suas dimensões, cor e procedência?
    — Ela não tem mais do que 30 centímetros de comprimento, menos de 20 de largura e menos de 15 de altura. É coisa pequena, cinzenta, não sei quem a fez.
    — Então será tão importante assim o que há nela?
    — Oh, por favor, se o senhor não me ajudar nem sei quem poderá fazê-lo.
    — Então o que você quer que eu faça?   
    — Não sei. Que proteja a vida de meu pai e tire a caixa dele.
    — Que tal chamar a polícia?
    — Já tentei, mas um delegado a quem eu contei a história riu na minha cara.
    — Pois bem, vamos à sua casa agora mesmo, que eu quero conhecer o seu pai. Quem mora com vocês?
    — Somente um casal de domésticos. Nem cachorro nós temos, que papai nunca gostou.
    Descemos à rua e Alice abriu para mim a porta do seu “hovercraft”, e nos pusemos a caminho. Aproveitei o tempo para bolar um plano que afastasse as suspeitas de Oscar. Sugeri a Alice, e ela concordou, que nós passássemos por namorados.
    Quando chegamos à residência do professor, num dos bairros mais residenciais do Rio de Janeiro (o Castelo), percebi logo que aquela precaução fôra inútil.
    Havia polícia na porta.
    Saltamos do veículo e fomos logo rodeados pelos guardas. Alice perturbou-se:
    — O que houve com meu pai?
    — Seu pai — disse um deles — era o Professor Oscar Barreto?
    — Que quer dizer?
    — Infelizmente, ele está morto.
    Pobre Alice! Eu chegara tarde demais para ajudar.
    Mostrei as minhas credenciais, mas já o Inspetor Firmino me reconhecia e chamava. Deixando a moça desfalecida nos braços de um policial, fui até ele:
    — Que veio fazer aqui, Irineu?
    — O que eu vim fazer já não farei, isto é, proteger o Professor Oscar.
    — É incrível que essa moça tenha estado na delegacia ontem.
    — Não acho nada incrível. Por que ela não foi atendida?
    — O Clodoaldo julgou-a louca e eu não o culpo. Ela contou a você a história da caixa lunar?
    — Contou sim. Onde está ela, aliás?
    — Não encontramos caixa alguma.
    — Mas como é que o homem morreu?
    — A bala. Certeira.
    — De modo que existe alguma coisa. Se eu fosse você chamaria a Polícia Federal para investigar esse negócio.
    — Isso é com Clodoaldo. Duvido que ele o faça, pois seria o mesmo que admitir a própria incompetência.
    — Ou leviandade. Ele não tinha o direito de recusar atendimento à moça.
    — Olhe, Irineu, se eu fosse você saía desse negócio. Não é bom ficar fazendo acusações à polícia.
    — Vocês são uma corporação ciumenta. De modo que não fazem e não querem deixar que os outros façam.
    — Mas nós vamos investigar esse homicídio!
    — Onde estão os empregados da casa?
    — Sendo interrogados.
    — Eles não viram nada?
    — Até aqui nada revelaram de útil.
    — Está bem. Gostaria que você me mostrasse o corpo, onde e como foi encontrado, como vocês acham que o assassino entrou, aquelas coisas de sempre.
    Ele mostrou tudo, sim, aparentemente; pelo Protocolo, uma vez que eu era contratado pela Alice, não podia recusar-me o acesso; talvez nem o quisesse, mas devia sentir-se entre dois fogos: eu e Alice, e Clodoaldo.
    Antes de mais nada vamos esclarecer que não foram encontradas impressões digitais aproveitáveis, mas vestígios de microcera protetora. Não foi encontrado vestígio de arrombamento. A polícia fôra chamada por Florêncio, o mordomo, que encontrara o corpo de Oscar no carpete de seu gabinete, em meio a uma poça de sangue. Havia um orifício em seu ouvido direito. A bala fôra disparada por uma arma dotada de silenciador.
    A polícia recebeu o chamado às 14:34. Florêncio, em seu depoimento, tinha sido muito exato: avistara o cadáver às 14.04, conforme seu relógio de pulso, que era eletrônico e preciso. Florêncio considerava-se um homem esclarecido e por isso não hesitara em anotar mentalmente a hora da descoberta. Quanto à demora para chamar a polícia, devia-se principalmente ao desmaio de Emerenciana, sua esposa.
    Observei ao Firmino que Florêncio ocupou-se praticamente meia hora só com o desmaio da esposa, o que me pareceu suspeito. Firmino admitiu o fato.
    — Quer você mesmo interrogá-lo?
    Era uma concessão e tanto, que Clodoaldo talvez não aprovasse. Tratei de aproveitá-la.
    Fui até a biblioteca, repleta de livros velhíssimos, e esperei por Florêncio.
    Era um urubu ambulante. Vestido de preto, com cavanhaque, glostora no cabelo, bolsas sob os olhos, parecia o próprio protótipo do Suspeito nº 1.
    Levantei-me quando ele chegou mas, antes que pudesse cumprimentá-lo, o mordomo foi logo dizendo:
    — Senhor, eu sou inocente. Já falei isso à polícia. Essa história de que o mordomo é sempre culpado é invenção.
    — Por favor, limite-se a responder o que eu perguntar. Sente-se, por favor.
    Ele puxou uma cadeira e sentou-se como eu dissera.
    — Pois bem, senhor. Estou às suas ordens.
    — Diga-me uma coisa: por que se ocupou meia hora ou quase isso só para reanimar a sua esposa?
    — Senhor, ela tombou desmaiada ao avistar o corpo do professor e eu tratei de carregá-la para nosso quarto.
    — Sim, e daí?
    — O senhor sabe quanto ela pesa?
    — Onde é o quarto de vocês?
    — No andar de cima. São vinte e seis degraus...
    — Quanto tempo demorou com essa operação?
    — Não sei, senhor. Isso eu não verifiquei. Talvez uns dez minutos por causa da minha bursite.
     — E aí por que não chamou logo a polícia?
    — Porque primeiro eu tive que reanimar a Emerenciana. Levei uns dez minutos procurando os sais de cheiro...
    — Estavam tão bem guardados?
    — Tão bem, senhor, que quando os encontrei ela já havia acordado sozinha.
    Eu já estava me sentindo invocado com os rumos daquela conversa. O Professor Barreto teria morrido por volta das 13:50, de modo que possivelmente havia aberto a porta ao seu assassino. Mas isso seria estranho pois, quando se toca a campainha, quem geralmente atende é o mordomo, a governanta ou qualquer serviçal. Mas a pessoa que disparara provavelmente teria podido violar a porta, entrando clandestinamente.
    Uma estranha idéia me passou pela cabeça. Em minha ainda curta vida eu já tinha lido uns 500 romances policiais, assistido uns 800 filmes do gênero e lido uns 3.000 contos. E nunca — nunca mesmo — deparara com um único caso em que o mordomo fosse o culpado. De modo que nem dá para entender a razão desse folclore. Isso na ficção. Agora, na vida real...
    Mantive enrustidos os meus pensamentos e prossegui:
    — Diga, Florêncio, há quanto tempo vocês trabalhavam para o Professor Barreto?
    — Há dez anos, senhor.
    — E agora, continuarão com a filha?
    — Receio que não, senhor. Não damos para trabalhar para gente jovem. Questão de gosto pessoal. Temos um longo currículo e logo encontraremos emprego.
    — Hum.
    Ele me parecia muito frio. Continuei o interrogatório:
    — Você notou algo estranho no comportamento do professor?
    — O professor era um homem estranho.
    — Bem, mas nos últimos tempos...
    — Estava muito nervoso, é claro. Mas ele nada me falou sobre essa caixa. Eu só a vi uma vez.
    — Estava aonde?
    — Sobre a mesa de trabalho, no gabinete do patrão. Eu entrei para passar o aspirador, ele levantou da cadeira, junto da escrivaninha, e falou: — Saia daqui! Isso aqui não lhe interessa!
    — E o que você achou disso?
    — Considerei mais uma das esquisitices do patrão. Ele era muito ciumento das suas pesquisas.
    — Está bem. Pode ir. Peça à sua esposa para entrar.
    Ele saiu e pouco depois ela entrou. O que tinha a menos que Florêncio em altura, tinha a mais, muito mais, em comprimento e largura. Imagine que você está em uma sala e de repente entra a Madame Min. Pois é isso.
    Ela parecia muito menos segura de si que o marido. Sentou-se à minha frente e, torcendo as mãos, foi dizendo: — Seu Irineu, nós não fizemos nada! Não fomos nós que matamos o patrão!
    — Tudo bem. O que é que a senhora estava fazendo na hora aproximada em que o seu patrão morreu?
    — Estava na copa, almoçando com o meu marido.
    — Não notaram então a entrada de ninguém?
    — Não, juro que não. Essa casa é grande.
    — Quando foi que acabaram de almoçar?
    — Não sei, senhor. Talvez quinze para as duas.
    — Hum. Você sabe a que horas o professor morreu/
    — Não sei. Só sei que o Florêncio encontrou o corpo às 14:04...
    — A senhora gostava do Professor Oscar?
    — Que é que o senhor quer dizer com isso? É claro! Éramos muito afeiçoados a ele. Ora, só pensar uma coisa dessas... que absurdo!
    — Está bem. Por mim pode ir.
    — Diga, por favor... ninguém está suspeitando de nós, não é? Nós não fizemos nada! Nós seríamos incapazes...
    — Nem eu disse nada. Mas se souberem de alguma coisa, não deixem de avisar a polícia! Muito obrigado.
    Levantei-me, esquivei-me dos salamaleques da mulher e saí à procura de Alice. Ela estava prestando depoimento ao Firmino e ao escrivão Bandeira. Quando me viu levantou-se, correu até mim e me abraçou.
    — Oh, Irineu! Que desgraça! Por que não o chamei antes?
    — Por favor, me procure até as oito horas se possível. Gostaria de falar com você em particular. E procure se acalmar.
    — Não sei se poderei... tenho pessoas para avisar...
    — Então venha amanhã antes do meio-dia.
    — Oh, está bem.


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    Se ainda não falei, Alice era alta, ruiva, atraente à primeira vista. Eu nem tinha reparado muito de tão calejado que andava com a profissão. Mas, ao vê-la no dia seguinte, tive de reconhecer o seu charme, apesar das olheiras e sinais de pranto.
    — Vamos lá — disse ela. — Não adianta ficar chorando. Quero ver os culpados na cadeia... melhor dizendo, no corredor da morte.
    Esforcei-me por manter o sangue frio enquanto lhe explicava umas tantas coisas. Espalhei um papel de computador sobre a mesa de upiúba e fui fazendo uns desenhos ilustrativos. Ao fim, ela ficou espantada.
    — Se o que você diz é verdade... realmente, eu nunca tive maior...
    — Não irei ao enterro. Você dirá a quem perguntar por mim, que eu suspeito de suicídio.
    — O que? Mas a arma?
    — Digamos que eu tenho uma teoria excêntrica. Seu pai pagou alguém para matá-lo e sumir em seguida, já que não tinha coragem de matar a si próprio. Ele recebeu o próprio assassino em casa. Você dirá ao Firmino ou qualquer outro que ficou indignada com a minha teoria e me deixou falando sozinho.
    Pela primeira vez eu a vi sorrir.
    — Estou começando a achar que você é um gênio!
    Não quis contrariá-la.


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    As sombras da noite haviam caído quando lá cheguei. Sabia que os criados deviam estar arrumando suas matalotagens, mesmo assim achei irritante que não viessem atender ao portão. Quem veio foi Alice, tensa mas tentando aparentar calma e confiança.
    — Vou chamá-los... — disse ela. — E que Deus o ajude!
    Fiquei esperando na biblioteca e, quando os dois entraram, pareciam menos pacientes em relação a mim que da última vez.
    — Soube que vocês vão embora amanhã — falei, a título de preâmbulo. Florêncio foi logo esclarecendo:
    — Sim, senhor, eu já o tinha prevenido...
    — Não acha um pouco cedo para deixar a moça sozinha?
    Eles protestaram. Isso era assunto muito pessoal, que só a eles cabia decidir...
    Eu não conhecia bem a casa, mas Alice pusera um gravador na biblioteca e garantira-me, outrossim, que possuía meios de ficar ouvindo a conversa sem aparecer. Eu também levava um gravador na roupa.
    — Está bem, não vou insistir com isso. Vim aqui por outro motivo. Vocês dois são cúmplices do assassinato do Professor Oscar!
    A mulher chamou-me louco e estúpido. Florêncio disse que me processaria. As diatribes iam continuar, mas cessaram subitamente.
    Eu estava apontando uma arma para eles.
    — O senhor está mesmo louco! — exclamou Florêncio.
    — Nós confessamos tudo! Não atire, pelo amor de Deus!
    — Não sou tão idiota assim. Vocês vão confessar, sim, mas falando a verdade. Não vão simplesmente me dizer que mataram o velho e depois dizer à polícia que eu os ameacei.
    — Mas então que quer o senhor? — disse o mordomo. — Vai perder a sua licença!
    — Você pensa que toda a vida eu fui detetive? E que eu não tenho outros meios de vida? Eu sou um homem apaixonado, e vocês sabem que um homem apaixonado é capaz de tudo. Apaixonei-me por Alice e vou livrá-la das garras de vocês e de todos os culpados desse caso, nem que tenha que matar. Vocês viram como foi fácil matar o Oscar e deixar a polícia sem pistas. Farei o mesmo com vocês.
    A mulher fez menção de se ajoelhar. Florêncio impediu-a e reiterou:
    — Mas que quer o senhor que a gente faça ou diga? Estou lhe dizendo que somos inocentes.
    — O que eu quero que você faça, é que carregue a sua esposa para o andar de cima.
    — O que?
    — Você me ouviu. Levante-a nos braços e carregue-a!
    — Mas, senhor... meu reumatismo...
    — Vamos logo, palerma. Não temos a noite toda. Carregue-a senão eu atiro. Carregue-a!
    Ele bem que tentou, tremendo como vara verde. Deu alguns passos e desabou com a mulher, que pesava certamente mais de noventa quilos. Eu fui inflexível e insisti no assunto. Aos trancos e barrancos, apavorados por estarem lidando com um louco, eles chegaram ao sopé da escada... e mais não foi possível obter.
    Saindo detrás de um cortinado, Alice observou sarcástica:
    — Então, abutres! Como é, Florêncio, carregou mesmo Emerenciana quando ela desmaiou ontem? Biltres! Que fizeram com meu pai?
    Penso que eu fui ainda mais implacável, cobrindo aos dois traidores com a arma e dizendo:
    — Agora vocês vão falar. Até porque o assunto é importante demais para escrúpulos.
    Ofegantes, eles compreenderam e entregaram os pontos.
    E o que nos contaram deixou-nos estupidificados.


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    Não foi fácil conseguir uma audiência com o Delegado Clodoaldo Aranha. Nos cinco anos de nosso relacionamento ele nunca foi muito legal comigo, nunca me olhou com bons olhos e nunca fez muita questão de disfarçar essa atitude.
    De qualquer forma, dois dias depois, às 19:12, eu consegui ter entrada no gabinete particular de Clodoaldo. Sentado em sua poltrona, ele olhou-me com a sua cara de guaxinim aposentado enquanto eu, meio incomodado com o circuito interno de tv-laser, tratei de me sentar na cadeira à sua frente, com a escrivaninha no meio.
     — Então, Irineu? Pensei que você tivesse saído desse caso...
    — É verdade que a polícia deve ter suas pistas... — desconversei.
    — Nós estamos acumulando dados sobre a vida pregressa do Oscar. Um homem como ele pode adquirir inimigos ao longo da vida...
    — Um homem como ele? Como assim?
    — Ora, ele era muito ciumento das suas descobertas. Teve várias brigas com colegas cientistas... com troca de acusações... um pouco como Galileu, que brigou muito com outros cientistas...
    Não gostei do rumo que a conversa estava tomando e por isso resolvi cortar logo a dele.
    — Pare com isso, delegado. VOCÊ é o assassino. VOCÊ matou o Professor Oscar.
    Ele ficou espantadíssimo e indignado:
    — Ou você está zombando de mim, ou está bêbado ou está louco. Em qualquer dos casos eu só tenho que lhe indicar a porta da rua.
    — Pare com isso, Clodoaldo. Eu tenho as provas. Seus cúmplices confessaram. Pode me expulsar daqui, mas não me impedirá de denunciá-lo pela imprensa. E não tenha idéias a meu respeito — já distribuí cinco gravações holográficas a pessoas escolhidas, para o caso de me acontecer alguma coisa.
    Talvez ele tenha refletido que, afinal, era bom saber o que é que eu sabia. Assim, compondo o aspecto enigmático de um especialista em sicomancia, começou a barganhar:
    — Pois muito bem, espertinho. Vá em frente com a palhaçada. Diga o que sabe... ou o que lhe meteram na cabeça.
    Ele é que é espertinho, pensei. Quer saber a quantas anda. Mas manterei a guarda.
     Enquanto assim pensava, refleti também que talvez existissem documentos comprometedores naquela valise preta, no chão, atrás de Clodoaldo.
    Houve uma distração. O telefone tocou. Clodoaldo deu algumas instruções de rotina e recolocou o fone no gancho. Nesse ponto um estranho pensamento me ocorreu: como é que eu sabia, afinal, da existência dessa valise, se estava coberta pelo corpo do delegado?
    — Então, Irineu? Se tem alguma coisa concreta diga... caso contrário iniciamos agora mesmo a cassação de sua licença...
    — Está bem. Antes de mais nada, eu sei que os dois mordomos estão envolvidos nisso. Eu obtive a confissão deles e ambos acusam você, inclusive de ter dado o tiro no professor e se apossado da caixa.
    — Está muito bem. Então traga-os aqui e façamos o confronto. Vai ser a sua completa desmoralização como detetive...
    — Olhe aqui, se pensa que vai conseguir me amedrontar...
    E aí eu me ergui de chofre, assustadíssimo. Que estava acontecendo? Eu estava vendo a parede e a cortina atrás de Clodoaldo! Ele estava evanescendo, transformando-se em linhas!
     — Ei, que está havendo?
    Foram as últimas palavras que ele pronunciou, olhando para as próprias e transparentes mãos...
    Segundos depois não havia mais ninguém comigo no local — ninguém visível. Olhei na cadeira, pois ouvira um ruído qualquer. Havia uma corrente de ouro com um metal roliço, amarelo. Só isso. Nem das roupas de Clodoaldo havia mais sinal.


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    Não imaginam vocês o pandemônio em que ficou aquela delegacia. O que salvou a situação foi que tudo havia sido devidamente registrado em laser, de modo que o meu testemunho sobre o desaparecimento do delegado não podia ser desmentido. Avisei também Firmino e os outros que não pegassem naquele objeto com as mãos.
    O caso demorou para ser esclarecido (entre aspas). A caixa lunar, com parte do metal amarelo (que não era ouro, mas uma liga desconhecida), foi encontrada no cofre particular, no quarto de Clodoaldo. O pedaço restante ele vinha usando no pescoço até ser desintegrado.
    O Professor Oscar Barreto, esquisito como dizem que era, contara aos mordomos o que escondera à filha: o que havia na caixa. Um elemento meteórico — ou talvez caído de alguma nave alienígena, milênios atrás — capaz de fornecer estranhos poderes a quem o possuísse. Primeiramente a caixa fôra levada ao Centro de Pesquisas pelo mineiro que a encontrara e, em contato com o estranho elemento, percebera de algum modo os seus poderes.
    (Mas quem esculpiu a caixa, feita aparentemente de material lunar? Existem nesse caso obscuridades que eu jamais pude penetrar!)
    O Professor Oscar certamente vislumbrou algumas coisas que poderiam ser feitas coma presença catalisadora do “elemento x”, como ele o denominara: atravessar paredes e rochas, levitar, erguer pesos imensos, aumentar o período da vida humana — tudo isso, desde que houvesse suficiente harmonia ou conexão entre a mente do possuidor e as radiações do elemento.
    Havia com certeza uma escuta, uma espionagem ilegal de conversas e alguém por lá queria a caixa. Houve uma tentativa de arrombamento ao cofre pessoal de Oscar. Ele sabia que três colegas haviam morrido em circunstâncias estranhas. Um sujeito ligado ao Centro de Pesquisas Leiber roubou a caixa dos membros da diretoria que estariam mancomunados com as próprias autoridades administrativas de Iriópolis, e levou-a ao Professor Oscar.
    Este sofreu tentativa de envenenamento e de atropelamento. Resolveu abandonar todos os compromissos em Lua-15 e regressar à Terra, e revelou tudo o que sabia — ou boa parte — aos serviçais. Provavelmente quis poupar a filha de maiores responsabilidades. Quis até que ela mudasse para a casa de parentes.
    Ao que parece o Professor Oscar estava tentando desenvolver poderes com o auxílio do fator x. Certa vez levitara na frente de Florêncio, segurando o elemento. Ora, Florêncio fôra procurado por Clodoaldo — a essa altura comprado por algum figurão de Lua-15 — e contara-lhe tudo.
    Creio que Clodoaldo não pretendia entregar a caixa. Pretendia ficar com o elemento para seu próprio benefício. O fator x enlouquecia as pessoas, acendendo-lhes a sede de poder. Mas ele não contara com os efeitos colaterais trazidos por um uso prolongado.
    Felizmente o Ministério Público, onde ainda existe gente honesta, tomou o caso a seu cargo, confiscou o fator x e, ao que eu saiba, o vem mantendo a sete chaves como um material de alta periculosidade. O pessoal de Iriópolis responde severo inquérito por quádruplo assassinato e o mineiro que encontrou a caixa vive sob proteção policial.
    Bem, eu fui procurar Alice dois dias após o desaparecimento de Clodoaldo. Para ela o caso estava encerrado, pois o assassino de seu pai estava morto. Só lhe restava vender a mansão e se mudar. Os dois criados não estavam — tinham ido embora e a polícia os guardava como testemunhas-chave. Ela alugara um robô-criado para ajudá-la.
    — O que mais me impressionou em você — disse ela — foi o seu poder histriônico. Você convenceu aqueles safados de que seria até capaz de matá-los, pois estava apaixonado por mim. E como você foi convincente com aquela mentira!
    — Quem falou que era mentira?
    E foi assim que eu me declarei a Alice. Ela riu e me beijou. E eu avisei-a:
    — Já sabe que eu vou ajudar na procura da casa, pois afinal eu vou junto. E vamos tratar logo de escolher a igreja...