A borda do mar de Riatla (2025), livro de poemas de Diego Mendes Sousa
A borda do mar de Riatla (2025), livro de poemas de Diego Mendes Sousa

A borda do mar de Riatla – Diego Mendes Sousa e a reinvenção lírica do ser

 

Por Marcello Silva

 

 

A Borda do Mar de Riatla é uma travessia mitopoética que funde a memória, o mar, o mito e o amor em uma só correnteza. Diego Mendes Sousa, poeta piauiense de rara sensibilidade e vasto repertório estético, confirma nesta obra a sua posição de herdeiro dos transgressores da língua — à maneira de Manoel de Barros —, mas com uma lírica de densidade única, mais épica, mais luminosa.

Composto por 29 poemas divididos em dois capítulos — Borda d’água e Altos-mares, o livro é ilustrado com obras de Paul Gauguin, o que já indica seu temperamento estético: o exílio criativo, o desejo do longínquo, a reinvenção da beleza em territórios interiores. Mas ao contrário de Gauguin, que foi à Polinésia buscar inspiração, Diego mergulha em sua Parnaíba natal para encontrar o mar íntimo que o move. Parnaíba não é apenas lugar, é personagem, é elo genealógico, é raiz de todas as águas do autor.

No poema “Evocação da Parnaíba”, o poeta reconstrói a cidade com a matéria da memória, exaltando figuras históricas e familiares como quem ergue um altar afetivo. A Parnaíba dos vareiros, dos poetas, dos avós sábios, das ruas antigas e do cais torna-se, sob sua pena, um espaço quase mitológico, onde o tempo é cruzado com os pés calejados da infância e da perda. A linguagem é simultaneamente grandiloquente e confessional — o verso é largo, mas a emoção é funda.

A geografia poética de Riatla remete à mítica Pasárgada de Manuel Bandeira: ambas são territórios simbólicos criados pelo poeta para abrigar aquilo que o mundo real não comporta — desejos, memórias, ausências e utopias. Riatla, contudo, é mais líquida, mais fluida: mistura rio e mar, mito e memória, Altair (a musa) e Atlas (o peso do mundo). Ao contrário da Pasárgada idílica, Riatla é também um lugar de dor e de saudade, como se o próprio chão se desfizesse em água — elemento central que percorre toda a obra como fonte de origem e dissolução. O verso “Eu vivo como o mar, bebendo os rios” do também piauiense R. Petit, poeta conterrâneo de Diego Mendes Sousa, condensa-se o espírito do livro: fusão, desejo, continuidade...Parnaíba...Piauí.

A Borda do Mar de Riatla é um canto inaugural, uma reza modernista, um grito sagrado. Nele, Diego Mendes Sousa mostra que é possível, mesmo no século XXI, construir uma poesia que recusa o raso, que convoca o sublime e que ancora a linguagem em um novo humanismo poético.

 

Ensaio de

MARCELLO SILVA

Escritor

 

SILVA, Marcello. 2025