A autodefinição na poesia de Elmar Carvalho
Em: 11/01/2004, às 06H56
(*)Dílson Lages Monteiro
Os mistérios de uma obra literária suplantam os desafios da imaginação. Com efeito, por mais ávido seja o leitor, o bom texto será tanto mais multiforme. Por mais enigmática a obra, tanto mais o prazer da leitura.
Rosa dos Ventos Gerais, de Elmar Carvalho, condensa mistérios, prazer e plurisignificância, haja vista a emoção latente nos jogos rítmicos e na elaboração das imagens instaurarem o sabor pelo inusitado e o desejo de plenitude. Ambos, manifestos a partir do título – leia-se rosa (o fascínio, a beleza), vento (o que agita, transforma) gerais (em todos os espaços). Leia-se, metaforicamente, poesia.
Ambos, o sabor pelo inusitado e o desejo de plenitude, consolidam o convite para mergulhar em seus versos.
O filósofo Bachelard, em A Poética do Espaço, escreveu que, “se há uma filosofia da poesia, ela deve nascer e renascer no êxtase da novidade da imagem”. Eis porque urge aqui a tentativa de verificar associações construídas por Elmar e o significado delas. Sobretudo porque, observadas nos processos de recorrência, permitem a formulação de panorama da obra nos seus aspectos individualizantes.
Sobressai entre eles a “ânsia em definir-se”, relevante para se (re) formular a visão de mundo e de ser subjacente aos textos. Esta ânsia destaca-se, porque, por meio da autodefinição, o poeta tanto se volta para o psiquismo do eu-lírico, quanto à paisagem geográfica e social.
Sobre as associações que elucidam quem é o eu-lírico, nota-se que ele se define como paradoxal, contraditório. Frágil e, concomitantemente, forte. Assim, hiperbolicamente, expressam os versos: “Sou do signo de/carneiro/ mas meu coração é um/ touro indomável”.
A dicotomia frágil versus forte se reproduz em poemas como meu coração, auto-apresentação, dos quais se aprecia, respectivamente, estes versos: “Meu coração/ é uma catedral/ cheia de colunas e fantasmas/ onde os sinos repicam/ sem sineiros/ no triste chamado sem resposta”.(...) “Eis como sou/ um homem que rema/no seco contra/a corrente das águas”.
Dessa dicotomia, extrai-se o viés, segundo o qual, a fragilidade impulsiona a resistência que, por sua vez, constrói a força. Essa noção recorrente relaciona-se a outra igualmente repetida no decorrer da obra – o eu-lírico encara a solidão como parte integrante da alma.
A solidão é vista sob ângulo positivo, porquanto necessária “para chegar às coisas e tocar os acontecimentos”. Afinal, como ensina o filósofo Archângelo Buzzi, “só atinge o longe quem volta a si e se recolhe sobre suas próprias forças”, posto que “é do fundo da alma solitária que saem as energias e as esperanças para o empreendimento da existência-humana-no-mundo”.
(*) Dílson Lages Monteiro é professor e poeta