A arte do photoshop
Por Bráulio Tavares Em: 13/09/2012, às 20H08
[Bráulio Tavares]
O termo “photoshop” virou hoje em dia sinônimo de alteração, interferência ou falsificação de uma imagem. A técnica digital fez com que até um desocupado e leigo como eu seja capaz de pegar uma foto e apagar a presença de uma pessoa, coisa que antigamente só o Departamento de Propaganda do Kremlin era capaz de fazer. Engana-se quem pensa que isso surgiu com a imagem digital. No tempo do negativo em celulóide e da cópia em papel havia mil técnicas para interferir na imagem, como aliás o Kremlin (e o Pentágono) faziam a dar com o pau. Claro que nem sempre isso era feito por manipulações maquiavélicas. Os fotógrafos antigos interferiam na imagem, em geral, para obter efeitos estéticos mais interessantes, ou até (vejam só a ironia!) para produzir imagens mais parecidas com a realidade (ou com o modo como a realidade é vista a olho nu). Os negativos antigos, por exemplo, reagiam de forma desigual à luminosidade do céu e à luz refletida na paisagem, de modo que era hábito, cem anos atrás, tirar duas fotos do mesmo ângulo, com medições de luz diferentes, e depois recortar e colar o céu de uma e a paisagem de outra.
A interferência na imagem, portanto, pode ter como objetivo produzir: 1) imagens mais realistas; 2) imagens fantásticas ou impossíveis; 3) imagens esteticamente mais interessantes onde o realismo fica em segundo plano (as fotos do Instagram, hoje em dia, produzem coloridos fantásticos que nossos olhos não veem); 4) imagens que sutilmente querem se fazer passar por autênticas, sem dar a perceber que foram manipuladas (o efeito Kremlin-Pentágono).
O museu Metropolitan (Nova York) vai inaugurar em outubro uma exposição intitulada “Falsificando: a Fotografia Manipulada Antes do Photoshop” (ver: http://bit.ly/KHaYSc), com mais de 200 amostras produzidas entre as décadas de 1840 e 1990. São exibidas diversas técnicas de manipulação: múltipla exposição (várias imagens num só negativo), imagens combinadas (colagem de partes de diferentes negativos), fotomontagem, pintura e retoque tanto de negativos quanto de cópias em papel.
Quase dois séculos de existência da fotografia produziram uma cultura extremamente dependente da imagem, onde cada pessoa se transforma num São Tomé (“só acredito no que vejo”), mas um São Tomé ingênuo (“já que estou vendo, deve ser verdade”). O fato de hoje sabermos que uma fotografia é tão pouco-ou-muito confiável quanto um desenho ou uma pintura não desvaloriza nenhuma dessas técnicas. Apenas nos deixa mais cautelosos quando quisermos usar uma foto como prova de qualquer coisa, inclusive de que o mundo é real e que nós existimos de fato.