Vladimir Maiakovski (★ 19 de Julho de 1893, Baghdati - † 14 de Abril de 1930, Moscou)
Por Dilson Lages Monteiro (org.) Em: 21/09/2013, às 17H39
Os Adultos
Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado.
À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim Moscou me sufocava de abraços com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, no bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor!
Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos díágua.
Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!
O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração - em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga acumulada torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável não para o versos de veras."
Vladimir Vladimirovich Maiakovski nasceu no dia 7 de julho de 1893 na aldeia de Bagdadi, situada nos arredores da cidade de Kutaisi na Geórgia (que na época era território russo).
Maiakovski participou do grupo cubo-futurista, que editou o almanaque Armadilha para juízes (1910) e lançou “Bofetada no gosto público” (1912), uma espécie de manifesto destinado a combater o chamado ego-futurismo, criado por Ígor Sievieriánin e considerado um futurismo de salão. Nesse espaço efervescente, ele pregou a destruição da palavra e da forma convencionais, da sociedade e da cultura.
Em 1912, com 19 anos, Maiakovski publicou seu primeiro poema, “Noite”.
Apoiou sua vida no tripé Poesia, Amor e Revolução – a revolução se fez poesia e o amor se converteu em revolução. Como diretriz artística, o poeta optou pela vanguarda, que se bifurcaria em vanguarda formal e vanguarda revolucionária.
Em sua poesia, vida e obra acabaram por se interpenetrar.Para ele, o amor era pura fonte de poesia, e falar de amor era falar de Lili Brik¹, que era mulher de Óssip Brik, outro grande intelectual, e foi a grande musa de sua vida.
Leitor voraz e atento, Maiakovski ficou de início impressionado com dois autores, Puskin e Blok, e releu sobretudo Blok, cujo simbolismo viria a ser estimulante para o desenfrear da imaginação do jovem poeta. Leu filósofos, físicos, novelistas e poetas, como Hegel, Marx, Lassale, Demóstenes, Júlio Verne, Wells, Tolstoi, Dostoievski, Biéli, Balmont, Shakespeare, Byron.
Fascinado com a teoria geral de Einstein sobre o princípio físico da relatividade, lançou olhares de cobiça em direção à ciência, que para ele explicaria muitos mistérios ainda envoltos em nebulosidades. Segundo seu entendimento, essa teoria teria por meta final a superação da morte pelo homem.Os registros conhecidos das performances do poeta revelam-no um ator hábil, que dava espetáculos de recitação, atuava em comícios e tinha um público ávido e certo na Rússia das duas primeiras décadas do século XX.
Vladimir causava fascinação nos auditórios, a começar por seu porte – alto e másculo -, que sobressaía ainda mais em função de suas veementes gesticulações e do timbre estentóreo de sua voz. Cada aparição sua, ao mesmo tempo um martírio e um êxtase, era por si mesma todo um espetáculo. De temperamento dramático, não foi por acaso que Maiakovski-ator-espetáculo se viu envolvido (e apaixonado) pelas artes cênicas – circo, teatro, cinema.
Introduzido no mundo circense pelo palhaço Lazarenko, viveu momentos de intensa atividade criativa quando escreveu pantomimas e peças cômicas para serem interpretadas pelo companheiro palhaço. Esse convívio e essa experiência redundaram no espetáculo circense “Moscou incendiado”, escrito e dirigido pelo poeta em 1927.
Militante clandestino do partido bolchevique², em 1914 Maiakovski envidou esforços para a criação de uma arte cinematogáfica legitimamente russa, pois considerava o cinema “quase uma concepção do universo”, expressão do movimento, veículo inovador da literatura e destruidor de estéticas obsoletas, além de difusor de idéias revolucionárias e vanguardistas.Outra particularidade do gênio criador de Maiakovski foi o teatro, espaço onde deixou profundas marcas ao converter dramas íntimos em espetáculo. Como exemplo, é suficiente citar “Mistério Bufo” (1918), considerado o início de um novo teatro. Nessa peça, preparada para comemorar o 1º aniversário da Revolução de 1917, Maiakovski insere o mundo no espaço de um circo. Intercalando números circenses e de musical-hall, escancara o choque de classes e o conflito ideológico ao relatar a viagem alegre de um grupo de operários que, depois do dilúvio revolucionário, se liberta de seus opressores parasitas e chega à terra prometida, após ter passado pelo inferno e pelo paraíso. Com essa obra, que teve grande repercussão na época e se tornou assunto de discussões palpitantes e controvertidas, Maiakovski conseguiu imprimir uma marca verdadeiramente popular ao refinado e intelectual teatro futurista.
Revolucionário militante, personagem brilhante e excêntrico do futurismo soviético, o inquieto artista esteve sempre às voltas com aventuras estéticas e toda sorte de provocações. Como poeta, submeteu a língua a estímulos inovadores e, consciente de sua missão, conduziu o verso até o limite extremo da expressividade. Além disso, subverteu normas obsoletas, violentou os versos bem-comportados, virando de cabeça para baixo as técnicas já consagradas, e, fazendo uso de recursos e estratégias revolucionárias, explorou exaustivamente as potencialidades expressivo-comunicativas da palavra. Explicava seu fazer poético pela simplificação excessiva e pelo jogo reflexivo.Suas plurais vozes poéticas tinham um ponto comum: o homem inconformado diante das chagas abertas por uma sociedade injusta:
Come ananás, mastiga perdiz.
Teu dia está prestes, burguês.São estas as constantes simbólicas de que se compõe a mitologia de Maiakovski: o ardor juvenil, a ousadia, a paixão pelas causas políticas e sociais, a luta por meio da poesia contra o opressor e pela libertação do oprimido, o amor como fator de liberdade.
Tais constantes não são meros artificialismos nem tampouco traços biográficos sem maior importância, mas vozes tonitruantes que ecoam no corpo vibrante de sua obra poética, feita de metáforas faiscantes, jogos de palavras, expressões iluminadoras e contundentes e esculpida pelos sons da voz, pelos grafos da escritura, pela cenografia do verbo, pelos gestos performáticos.
O pano desce³. 10 horas da manhã de 14 de abril de 1930. O cenário é o pequeno estúdio, e o revólver espanhol talvez seja o que foi utilizado na interpretação do papel de Ivan Nov, o poeta vagabundo, personagem principal do filme “Mas não por dinheiro”.
Maiakovski passa a existir em seus poemas, já que exigia ele próprio que a arte fosse vida.
FONTE: Dossiê Maiakovski: UM TOQUE DE BALALAICA PARA MAIAKOVSKI – poeta da voz e do gesto.