Valei-me, Santo Antonio Porchia
Por Carlos Castelo Em: 24/08/2022, às 10H46
Antonio Porchia é um de meus pensadores favoritos. Nasceu na Itália, mas viveu grande parte de sua vida em Buenos Aires. Existência, aliás, muito invulgar. Porchia era seguidor do taoísmo, passava os dias solitário, se alimentando de maneira frugal, de pão, queijo, vinho e dos legumes que cultivava no jardim.
No início da década de 1940, o escritor publicou à próprias custas Voces, mas o livro foi ignorado. Em 1947, o crítico literário e editor francês Roger Caillois, por acaso, descobriu o livro durante uma viagem à Argentina. Dois anos depois, a tradução da obra para o francês deu a Porchia reconhecimento internacional e elogios de muitos artistas, entre eles, André Breton e Henry Miller.
Apesar de se declarar admirador dos sábios taoístas e de mestres mais modernos, como o Kafka aforista, Porchia não lia muito. Preferia cuidar de suas plantas enquanto compunha reflexões diretas e despojadas como as que reuni nesta crônica.
Infelizmente, devido a não contarmos com traduções de Antonio Porchia em português, tomei a liberdade de verter, do espanhol para o idioma de Camões, um pequeno buquê de frases do mestre dos adágios filosóficos. Estou a anos-luz de ser um Haroldo de Campos, peço que o leitor me perdoe por algum eventual deslize. Porém, como diz uma amiga que milita há anos na tradução: “melhor do que elucidar frases, é conhecer a cachola do escritor”.
É claro que não convivi com Porchia, mas o levo comigo, como quem carrega a imagem de um santo na carteira.
P.S.: aquele velho apelo às editoras – traduzam (direito) Porchia e lancem Voces por aqui. Mais do que autoajuda, é um livro de alta ajuda à inteligência.
– As pequenas coisas são o eterno, e o resto, tudo o mais, o breve, o muito breve.
– Aquele que viu tudo se esvaziar, quase sabe do que tudo está cheio.
– Antes de seguir meu caminho, eu era meu caminho.
– Meu primeiro mundo, eu o encontrei todo em meu magro pão.
– Meu pai, quando partiu, deu de presente meio século à minha infância.
– Sem essa vaidade tola de se exibir, que pertence a todos e a tudo, não veríamos nada, e nada existiria.
– A verdade tem muito poucos amigos e os poucos amigos que têm são suicidas.
– Trate-me como deve me tratar, não como mereço ser tratado.
– O homem não vai a parte alguma. Tudo vem ao homem, como o amanhã.
– Aquele que me segura por um fio não é forte; forte é o fio.
– Situado em alguma nebulosa distante, eu faço o que faço, para que o equilíbrio universal, do qual faço parte, não perca o equilíbrio.
– Um pouco de ingenuidade nunca se afasta de mim. E é ela quem me protege.
– Se uma porta se abre para mim, entro e fico diante de cem portas fechadas.
– Mal toquei o barro e sou de barro.
– Se não levantares teus olhos, vais pensar que é o ponto mais alto.
– Em ninguém encontrei quem eu deveria ser. E fiquei assim: como ninguém.
– Sei que não tens nada. Por isso, te peço tudo. Para que tenhas tudo.
– O mal de não acreditar é acreditar um pouco.
– Quem a todos perdoa teve que se perdoar de tudo.
– Deus meu, quase nunca acreditei em você, mas sempre o amei.
– Se eu fosse como uma rocha e não como uma nuvem, meu pensamento, que é como o vento, me abandonaria.
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(Publicado no Estadão)