[WASHINGTON RAMOS]

                                     UMA MEMORIALISTA

     Quase de um fôlego só, li PIRIPIRI: À SOMBRA DE BUNGANVÍLIAS E MADRESSILVAS, simpático livro de Cléa Rezende Neves de Melo, escritora natural da cidade piauiense de Piripiri e falecida em Brasília.

     É uma obra de oitenta páginas, cada uma com 15,50 X 22,50 cm e letra miúda, provavelmente no tamanho 8. Se fosse no tamanho 12, o livro teria umas 150 páginas no mínimo.

     O conteúdo são memórias dos anos 40, 50 e 60 do século XX, vividas pela autora em sua cidade natal. A vida no internato e no externato de um colégio de freiras, as festas religiosas, as missas, os jogos de futebol entre os dois principais times (o Guarany e o Itacoatiara), a paquera na praça entre moças e rapazes, a dura repressão das freiras na educação das jovens estudantes... Tudo isso e muito mais são os temas abordados no livro.

     Agora, o mais interessante é que a autora não concentra o que é narrado só em si mesma, embora o texto esteja escrito na primeira pessoa do singular. Ela comenta vários temas de caráter político e social. Refere-se a aspectos da política nacional, sobretudo ao conturbado período anterior e posterior ao suicídio de Getúlio Vargas. Em relação ao município de Piripiri e ao estado do Piauí politicamente, estão presentes figuras como Aderson Ferreira, Luís Meneses, Chagas Rodrigues, Petrônio Portela, Helvídio Nunes e outros. Alguns desses políticos nem sempre estão apresentados de maneira positiva. Os partidos PSD, PTB e UDN, hoje extintos, estão presentes também e com aguerridas torcidas em Piripiri.

     O lirismo marca presença também no livro. Como exemplo, destacamos esta epígrafe da própria autora logo nas primeiras páginas:

                Recordando Lyzandro, Doralice, Vânia, Haroldo, Totito, Pilombeta, Socorro, Valdo

                e Wagner, que deixaram em cada canto da cidade o eco dos seus risos e os seus

                sonhos juvenis.

     O título, além da influência proustiana, é também lírico e designa as bucólicas latadas nos quintais sob as quais a autora, seus primos, irmãos e amigos estudavam e brincavam. Há lirismo também em vários outros trechos do livro como neste que é ainda social:

                Quando me propus escrever as coisas que o tempo não apagou de minha

                memória, tinha o objetivo de não deixar que elas se perdessem. Foram fatos

                e pessoas que fizeram uma parte da história da cidade e que não deveriam

                cair no esquecimento. Piripiri, como muitas cidades brasileiras, anda sem

                memória, descaracterizada, meio omissa no que se refere a passado.

     Talvez o único defeito do livro seja o fato de deixar no leitor um gostinho de quero mais. A autora fez um recorte no tempo e abordou apenas as décadas de 60, 50 e parte dos anos 40. Podia ter comentado um pouco mais sobre os anos 70 e 80. Ela não diz quando nem por que foi embora de Piripiri. Talvez tenha partido em busca de melhor condição de vida num grande centro como Brasília. Seu livro, no entanto, é feito somente de boas lembranças. Merece uma nova edição. A que eu li é de 1989.