#valter#hugo#mãe
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(Resenha do conto “O rapaz que habitava os livros”)

[Prof. Carlos Evandro Martins Eulálio]    

Se Nietzsche observava que o melhor autor é aquele que sente vergonha de ser um homem de letras, o melhor leitor será aquele que se envergonha de considerar-se um leitor melhor do que os outros. (Gabriel Perissé)

Narrado em primeira pessoa, o conto “O rapaz que habitava os livros”, do escritor angolano Valter Hugo Mãe, (1) mostra o fascínio da personagem pelos livros, concebendo-os como guias e companheiros de todas as horas.

Em várias passagens metalinguísticas, o narrador-personagem salienta a importância que os livros representam para si, quando, ao personificá-los, chega a defini-los como “objetos cardíacos [...] lidos profundamente, eles estão incrivelmente vivos. Escolhem leitores e entregam mais a uns do que a outros. ”

Isso significa dizer que os livros têm o poder de ampliar os conhecimentos dos leitores, dependendo do repertório de cada um em particular. Por isso a leitura tem um importante papel na vida dos leitores.

Por consequência, a leitura, do ponto de vista do narrador, é o meio de ampliar a percepção de mundo, ao afirmar que “[...] os livros não esquecem nada. Eles são sempre a mesma memória admirável”, isto é, celeiros de informações que permitem a descoberta de novos aprendizados.

Os livros também são o lugar de encontro atemporal com escritores de todas as épocas, daí o narrador acenar, na passagem seguinte, para a ideia de que, ao lermos uma obra literária,

 

 “[...] podemos conversar com “Camões, Shakespeare, Machado de Assis, mesmo que tenham morrido há tantos anos. A morte não importa muito para os livros. ”

 

Com essa constatação, opera-se o efeito do sinfronismo, que tem por função estabelecer uma sinergia independente do tempo e do espaço entre o autor e o leitor. Charles Du Bos, ensaísta e crítico francês, torna mais claro esse fenômeno, ao afirmar que

 

"...Cada vez que um homem frente a uma obra literária - qualquer que tenha sido a época em que foi criada - consegue emocionar-se e reviver em si os sentimentos que comoveram o autor no instante em que compôs, opera-se o efeito do sinfronismo, flui a onda maravilhosa de sintonia espiritual capaz de aproximar simpaticamente a dois seres, mais além do tempo e do espaço. A literatura é veículo sinfrônico que apaga as distâncias e as idades conjuradas pela emoção". (2)

 

Diz a personagem em certo trecho do livro: 

“[...] eu disse que ler é como caminhar dentro de mim mesmo. E é verdade. Quando lemos estamos a percorrer o nosso próprio interior... ”

 

Nessa passagem, a leitura é definida como forma de atingir o autoconhecimento pelo qual passamos a ter consciência de nossos desejos e sentimentos.

Os livros também são vistos como espaço de reflexão tanto da realidade

- “[...] Porque as coisas que se leem precisam de ser pensadas...”

-  quanto da fantasia, presente nos diálogos criativos do narrador-personagem com “[...] uma menina do colégio...”, que sempre lhe perguntava

“[...] se queria brincar às coisas bonitas...”, ao que ambos aceitam também refletir sobre “[...] as coisas todas que pudermos imaginar...”, somente admissíveis pelo domínio mágico que há por trás das palavras, as quais, na literatura,   

 

“[...] têm o poder de despertar nossa imaginação, nos levar a descobertas pelo encantamento na riqueza da linguagem e, também, muitas vezes, elas possibilitam uma reflexão sobre nós mesmos, em relação ao mundo”. (VILHENA, 1969)

 

Para o autor Valter Hugo Mãe, quando lemos, estamos a percorrer o nosso próprio interior, (4) como se a palavra produzisse no leitor a sensação de liberdade que lhe permite sonhar e viver inusitadas experiências pela ressignificação da realidade, a partir de uma nova percepção de mundo.   

  

Notas

1. MÃE, Valter Hugo. O rapaz que habitava os livros in Contos de Cães e Maus Lobos. Porto: Porto Editora, 2015, p. 87

 

2. CASTAGNINO, Raul H. Que é literatura. Editora Mestre Jou, São Paulo, 1969, p. 28, citado por Marcos Roberto in http://lotusmappo.blogspot.com/, acessado em 3/8/2020.

 

3. VILHENA, Graça. Literatura, a arte da palavra. Teresina, in http://portaldombarreto.g12.br/ acessado em 17/09/2020.

4.  MÃE, Valter Hugo, 2015, p.97.

 

 

 

 

 

 

 

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