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[Bráulio Tavares]

Uma crônica começa a se desenrolar meio preguiçosamente. Precisa apenas de um fio de assunto, que pode ser encontrado num olhar pela janela, numa consulta à estante, na lembrança de um episódio da véspera ou mesmo no mergulho vagaroso em busca da raiz de um sentimento, como quando reagimos diante de um fato e mais tarde estranhamos nossa própria reação. Começa então aquele tatear de possibilidades, um jogo de redigir frases simples mas que nos deem a sensação de que uma pedra foi removida. Começa assim a crônica, frases intangíveis removendo pedras pesadas; ou então, quem sabe, como uma pérola ao contrário, um grão de areia que se abre e revela estar cheio de madrepérola por dentro.

Claro que tudo depende da paleta verbal do autor, e até de sua disposição naquele dia – a direção para onde ele foi virado pelos ventos da vida à sua volta. A crônica deve ter esse nome porque depende do Tempo, é um jogo de búzios verbais lançados pelo Tempo. Só poderia ser escrita assim hoje, porque amanhã os ingredientes já teriam sido outros, mesmo que o projeto original fosse o mesmo. A crônica não se sente obrigada a contar uma história. A história será bem recebida, se brotar alguma história no decorrer do processo; é uma convidada bem vinda, mas, se não aparecer, a festa acontece do mesmo modo.

O cronista é como um catador de lixo da História, ele procura o que não foi aproveitado, o que passou despercebido, o que ninguém se atreveu a comentar, o que não mereceu atenção, o que foi enxergado apenas por um lado, o que passou em branco, o que entrou pra lista negra, o que nos relatos oficiais ficou meio com uma cor-de-burro-quando-foge. Por outro lado, comparado aos autores de imensos murais realistas, o cronista é um cartunista, que em dois-três rabiscos resume uma vida anônima, um sentimento eterno, uma Revolução.

A crônica é plástica, é elástica, é flexível, é multiuso, é multimídia. Como aqueles monstros plasmáticos dos filmes de pesadelo radioativo, ela tudo absorve, tudo dissolve e assimila a si mesma. Pode falar de flores e de beija-flores, de armamentos e de Armageddons, de fantasmas e de malassombros, de política e de polícia, de donos do mundo e de donas de casa. Não pode ser definida pela sua temática, nem pela sua extensão, nem pela sua estrutura interna, nem pela emoção que provoca ou pela estante onde é colocada. Talvez seja a primeira das formas literárias, antes do Big Bang que a explodiu em gêneros; talvez seja a última, para onde fluíram todas as anteriores, a que aprendeu com todas e de todas pega algo emprestado. É a aluna prodígio da primeira fila, sempre atenta e sempre ligada, de óculos e sem calcinha.