Uma carreira sem esperança?

Cunha e Silva Filho

 

                    A Folha de São Paulo, no seu conceituado caderno MAIS!, de 31/01/2010), publicou extensa e bem fundamentada reportagem de Antônio Góis, de título “Entre os muros da escola”, tendo por tema central a realidade de uma escola estadual do ensino médio em Campo Grande, bairro da zona oeste do município carioca.
                    Foram três meses de observação do quotidiano dos alunos e da escola, com permissão ate para assistir a reuniões de conselhos de classe, a aulas e a conversas cima a direção da instituição escolar. Deve-se ressaltar que a escolha visitada pelo jornalista não se encontra entre as piores do estado do Rio de Janeiro.  Muito ao contrário. É bem administrada, cuidada, tem bons professores.Haja vista que, no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a escola obteve a mesma média de pontos nacional, i.e., 49 pontos.
                   Contudo, o que me despertou mais a atenção na reportagem foi, entre outras questões problemas enfrentados pela escola, a questão da indisciplina na  sala de aula. 
                   Ora, estamos em 2010. Se eu fizer uma comparação com o tempo em que lecionei em escola municipal, na qual ingressei em 1976 e, na rede estadual , em 1977, o que me assustou foi a contínua e mesmo crônica situação de falência do ensino público no Rio de Janeiro e, por tabela, no país. No ensino fundamental e ensino medo o Brasil é ainda um país do futuro. Diria mais precisamente, uma país de contrastes gritantes, porque em nossas plagas existem escolas de superior qualidade, como alguns colégios de aplicação vinculados a universidades públicas. Existem escolas particulares de alto nível na qualidade de ensino no setor privado, assim como há escolas particulares de baixa qualidade, universidades particulares de boa qualidade como também de média ou péssima qualidade. Ou seja, ensino para todos os gostos e desgostos.
                  Essa realidade histórica de nosso ensino público tem antecedentes ainda mais recuados. Me recordo de uma texto do crítico José Veríssimo (1857-1916) extraído da obra A educação nacional (1. ed.,Belém, 1890), em que discute questões do ensino num tom de veemência condenatória dos males da educação brasileira num quadro traçado que muito se aproxima dos problemas com que ainda hoje nos deparamos.Veja-se, para ilustração, o que nos diz sobre programas de ensino:
                 É bem sabido que, pelo que respeita a programas, o Brasil é talvez o país mais adiantado em instrução pública, Nenhum os tem tão carregados e sobrecarregados de ciência e grávidos de exigências, que não passam jamais as suas páginas natimortas.(op. cit. , p.163).
Reconheço, entretanto, que em décadas anteriores a aproximadamente os anos setenta, o magistério público dito secundário tenha vivido alguns anos de maior prestígio e qualidade na formação dos alunos que os anos ulteriores. Houve já época em que os professores do ensino estadual enfrentavam, para o ingresso na rede pública, complexas provas escritas e orais perante bancas de alto nível.
               Com a massificação do ensino a partir do período econômico chamado de “milagre brasileiro” em plena ditadura militar, quando qualquer aventureiro poderia abrir escola particular, e mesmo faculdade, a realidade da educação brasileira. ano após ano, ia conhecendo níveis de decadência de conteúdos programáticos e de desvalorização profissional dos docentes, com salários cada vez mais aviltados. Essa desvalorização chegava a níveis tão baixos que deu azo e bastante combustível para programas humorísticos na televisão , como a escolinha  do professor Raimundo e seu batido bordão “E o salário? Ó...”, programa que mais concorria para desmoralizar a classe dos mestres junto à sociedade do que valer como crítica efetiva contra os responsáveis pela má situação a que o professor brasileiro fora relegado,  situação da qual ainda não saiu infelizmente.
             Pelo menos da década de setenta do século passado até hoje, sucessivos governos estaduais do Rio de Janeiro pouco ou quase nada realizaram para melhorarem as condições do ensino. O próprio governador Leonel Brizola que, no Rio Grande do Sul, teve bom desempenho no setor da educação, no Rio de Janeiro, apesar de ser assessorado por um intelectual conceituado, Darcy Ribeiro, de bom só nos legou as construções dos famosos brizolões. Ora, aprimorar a educação e o ensino não se resume a construir prédios novos, mas atualizar e aperfeiçoar o sistema de ensino e a aprendizagem, renovando métodos pedagógicos e, last bust not least, investindo na valorização do professorado.
             Uma guinada para um ensino moderno, democrático e socialmente includente, nunca vingou até nosso dias. Durante anos a fio, professores do Rio de Janeiro lutaram bravamente, reivindicaram e entraram em greves homéricas, arrostando até a polícia estadual que os ameaçava e, muitas vezes, os agredia covardemente por ordem de governos autoritários, tanto no período discricionário militar quanto com governadores civis. Houve conquistas? Muito poucas. Houve melhoria salarial? Muito pouca.
A realidade é que, até hoje, praticamente as mesmas deficiências do ensino público, sejas estadual, seja municipal , ainda persistem. Em algumas escolas particulares de nível ruim ou péssimo continuam no mesmo passo desastroso e prejudicial ao ensino. O país é muito pobre em grandes lideres da educação. A luta pela educação é um combate de Sísifo..
            Me lembro de que um governador de São Paulo, respondendo a um jornalista sobre a questão salarial de professores, afirmou que “os professores nunca irão ganhar um bom salário”. Quanta sensibilidade a desse ex-governador do estado mais rico do país! No entanto, essa afirmação do governador ainda encontra ressonância em governantes no Brasil inteiro.
           Voltando, no entanto, para o tema da indisciplina na escola pública, confesso que, durante anos e sobretudo nos meus últimos anos nas redes estadual e municipal, já enfrentara sérios e graves problemas com alunos. Alunos que não mais iam à escola para estudar, mas para criar tumulto durante as aulas. Os professores menos duros eram os que mais sofriam nas mãos deles. Alguns eram até delinquentes. Ameaçavam os professores. A situação ficou insustentável e eu, àquela altura, já me inclinava a outras paragens. Não tinha mais forças para lidar com alunos indisciplinados.
          Não quero acentuar que em todas os níveis e realidades de escolas a situação fosse insuportável. Havia exceções. Por exemplo, quando lecionei para normalistas, período fértil e de intensa atividade dedicada às minhas aulas, de tal sorte que consegui conquistar muitas amizades com alunos e alunas, de quem guardo inesquecíveis momentos de prazer pelo convívio amistoso e saudável que mantive com tantos bons e excelentes estudantes.
          Com os novos tempos, com o aumento assustador da violência, do uso de drogas e de outras mazelas sociais, n ao seria mais que previsível que o locus escolar viesse a sofrer golpes ainda mais desalentadores no tocante ao ensino e à aprendizagem.
         O país mudou e mesmo melhorou em muitos aspectos, porém infelizmente a qualidade de nossos governadores e prefeitos, via de regra, não acompanhou os frutos do desenvolvimento. Dessa maneira, ao ensino público estadual e municipal não se tem dado prioridade. E por prioridade entendo efetiva e sincera atenção dos governos para essa crônica realidade do ensino público, que não é restrita ao Rio de Janeiro, mas ao país inteiro.
          A educação brasileira só terá dias fecundos se, pelo menos, três questões forem atacadas de frente, sem vãs promessas ou engabelações demagógicas:

1)o salários dos professores, alçados à dignidade e de sua alta missão social;

2) investimentos maciços na infraestrutura das redes públicas, como se fez e se faz no Japão, na China, até em Cuba, onde os professores são respeitados e bem remunerados;

3) melhor preparação dos professores para atuarem, no ensino fundamental e médio, com eficiência e adequação aos segmentos menos favorecidos da sociedade.

        Nesta última questão, deverá haver com urgência um entendimento entre os governos estaduais e municipais com o governo federal no sentido de que nossas universidades fiquem mais sintonizadas com a realidade das escolas estaduais e municipais e sejam promovidos debates entre educadores, o MEC e os chamados colégios de aplicação a fim de que metas sejam equacionadas e, em médio prazo, implementadas no que diz respeito à melhoria da escola pública brasileira. Não estou jogando com utopias mas com visíveis possibilidades de mudanças para melhor.