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Creio que uma forma de felicidade é a leitura.
Jorge Luis Borges
Sim, sou uma viciada. Em livros! Quando vou às minhas consultas de rotina, minha médica, que já me conhece há algum tempo, costuma me olhar e dizer: “Ah! A Margarete e seus livros!”. Deus me livre entrar em um consultório médico sem um livro na bolsa! A leitura sempre me mantém ocupada até a hora da consulta, mesmo que ela atrase mais de hora.
Outro aspecto importante desse meu vício é que não tenho preconceitos. Leio de tudo e sobre tudo. Aceito recomendações de leitura de pessoas de todas as idades e sexos. Não sou do tipo esnobe. Adotei o tablet para ter a minha disposição mais livros em um menor espaço, mas reconheço: ainda não consegui abandonar o velho livro em papel. Nunca se pode confiar 100% na tecnologia. E se falta luz e a bateria acaba? E se uma explosão solar provoca um pulso eletromagnético que afeta todos os aparelhos eletrônicos do planeta? Como tudo pode acontecer, estou sempre preparada, por isso não tenho a menor intenção de abandonar o livro em papel. Acredito que, apesar das previsões pessimistas e meio apocalípticas sobre a sua sobrevivência, ele ainda vai permanecer entre nós por muito, muito tempo.
A essa altura você deve estar se perguntando a que se deve essa minha confissão. Afinal, a quem pode interessar meu vício por livros e leitura? É óbvio que não interessa a ninguém, mas me senti compelida a escrever sobre o assunto (de novo!) porque encontrei no jornal uma matéria que me ajudou a entender melhor essa minha “compulsão”. O assunto? Uma nova forma de terapia: a biblioterapia.
Ler, segundo os especialistas, ameniza sintomas decorrentes de tratamentos de saúde, como angústia, solidão e insônia. Para a professora Clarice Caldin, do Departamento de Ciências da Educação da UFSC, uma expert nesse tema, “A biblioterapia favorece a expressão dos pensamentos aflitivos, como uma descarga emocional, uma purgação”.
Na mesma matéria há algumas histórias que ilustram os benefícios dessa “nova” terapêutica. Um dos exemplos é o caso de um menino de 12 anos, obrigado a permanecer no hospital por longos períodos para o tratamento de um câncer. Ele, na entrevista, admite encontrar na leitura a distração necessária para fazer frente ao isolamento que, muitas vezes, a sua doença provoca.
Eu mesma conheço várias histórias que podem servir como exemplo do quanto à leitura pode se transformar em uma fonte não só de distração e catarse, mas também de apoio em momentos difíceis da vida. A mais recente envolveu uma amiga que, como o menino, também sofria de um câncer e era forçada a permanecer várias semanas em repouso no hospital ou em casa. Ela não era uma leitora compulsiva como eu, mas gostava muito de ler. Portanto, não tive o menor problema em uma de minhas idas ao hospital levar um livro que, em minha opinião, iria distraí-la daquele ambiente depressivo. Estou falando das Crônicas de Gelo e Fogo, volume 1, “A Guerra dos Tronos”, do autor norte-americano George Martin.
Quem já leu sabe que se trata de um livro, para os padrões brasileiros, imenso, mais de quinhentas páginas. Minha amiga quando me viu entrando com aquele livrão debaixo do braço arregalou os olhos, um pouco assustada. Ela deve ter pensado que eu era doida. Afinal, estava em um hospital, doente e fraca e, consequentemente, sem vontade de permanecer horas segurando um livro pesado daqueles. Além disso, outras pessoas já a tinham entulhado de obras de autoajuda, crentes que elas eram o caminho ideal para apoiá-la naquele momento difícil de sua vida.
Por favor, não me entendam mal: não tenho nenhum problema com livros de autoajuda. Ao contrário. Já li muitos. Contudo, minha intuição me dizia que a minha amiga precisava de algo diferente. Uma história cheia de fantasia, inúmeros personagens, tensão, amor, batalhas épicas e – por que não? – uma pitada de sexo. Enfim, estava correndo um risco, mas acreditei que valia a pena.
Duas semanas depois, o telefone tocou e quando atendi ouvi um grito: “NED STARK MORREU!!!!” (desculpa se isso foi um spoiler para alguém). Fiquei muda de susto e quando ia dar uma explicação, ela me interrompeu dizendo: “Quero o outro! Preciso do outro! Agora!”. O alívio e a alegria foram indescritíveis. Ela havia amado a história e queria o próximo volume, “A Fúria dos Reis”. No entanto, achei que precisava avisar que o segundo era ainda mais grosso do que o primeiro, com mais de 600 páginas. Ela não se importou, queria o livro para ontem, e eu não me fiz de rogada, emprestei imediatamente.
Por isso que ao saber da biblioterapia não fiquei muito surpresa. Eu, em primeira mão, já havia testemunhado os benefícios desse tratamento. Contudo, como diz outro especialista, “É importante que cada pessoa saiba o tipo de leitura que o ajuda”. No caso da minha amiga foi um tiro no escuro. Ela estava muito doente, debilitada física e emocionalmente, talvez “A Guerra dos Tronos” pudesse até piorar o seu estado, mas, como disse antes, deixei que a intuição me guiasse e, graças a Deus, acertei.
Se essas duas histórias não são suficientes, vamos à outra.
Há alguns anos, tive a oportunidade de trabalhar com um grupo muito complicado de adolescentes. Eles estavam me enlouquecendo – ou seria melhor dizer adoecendo? Sentia todos os sintomas de uma iminente crise de ansiedade: dor de estômago, náuseas, insônia e enxaquecas terríveis. Acreditei, inclusive, que não conseguiria chegar ao final do ano, tal era o meu sofrimento. Até que em um domingo, circulando por uma livraria, me deparei com o livro “Em Busca da Felicidade” do matemático e filósofo britânico, Bertrand Russell. Na loja só dei uma olhada superficial, mas algo dentro de mim me dizia que precisava comprá-lo. Para resumir a história, posso afirmar, sem nenhuma vergonha, que esse livro me mostrou de forma clara e contundente, como a minha atitude perante esse grupo específico de alunos era equivocada e o quanto de mal estava fazendo a mim mesma. Foi uma leitura absurdamente reveladora e a partir dela meu comportamento (os alunos continuaram os mesmos) mudou. Essa mudança me permitiu concluir o ano, sentindo-me novamente senhora de minhas emoções.
Poderia ainda citar outros momentos nos quais os livros me ajudaram ou simplesmente me distraíram dos problemas e dificuldades. E como já li de tudo um pouco, posso dizer que todos eles, a sua maneira, me deram o que eu precisava, mesmo aqueles dos quais não gostei. Sim, porque livros são como pessoas. Têm aquelas com as quais simpatizamos de cara, outras que precisam de um pouco mais de investimento e, infelizmente, às que não conseguem nos conquistar. Contudo, todos esses livros, tiveram a capacidade ou, como diz a matéria, a “mágica”, de me curar sempre que deles precisei.
O mais importante, no entanto, é compreender que esse é um remédio que não precisa de prescrição médica e está ao alcance de todos. Nem mesmo falta de dinheiro é desculpa, já que existe um lugar chamado biblioteca. Nela pode-se escolher qualquer autor, tema ou título, tudo de graça. A dose do remédio você é que determina. Então, aproveite e corra até a livraria ou biblioteca mais próxima e encontre a sua cura. Asseguro que vale muito a pena!