Cunha e Silva Filho


                         Em 1969, publiquei , em jornal de Teresina, uma artigo com título “Incompreensão dos Moços,” que nascera da indignação minha contra uma crítica que um colega universitário do Rio de Janeiro fizera contra um crítico literário a quem admirava muito.. Não me lembro, agora, exatamente do crítico. Mas, era um crítico da velha guarda, talvez Agripino Grieco (1888-1973) não sei. Só sei que, me colocando em defesa dos velhos, soubera que o grande cronista, professor,  jornalista e escritor A. Tito Filho (1924-1992) havia feito elogios ao meu artigo para um amigo de papai. Meu pai,  por sua vez, me transmitira a  referência do meu ex-professor  no Liceu Piauiense Ora, são trinta anos que se foram desde a publicação daquele artigo. O elogio da velhice conheceu, na literatura norte-americana, um grande intérprete, o poeta Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882), através do belíssimo poema ‘Morituri, salutamos”. No meu artigo, além de fazer o elogio à velhice digna e produtiva, aproveitei para fazer uma tradução livre desse poema que, com algumas melhorias da antiga tradução, aqui reproduzo, leitor, na sua forma bilíngue.
                    Henry Wadsworth Longfellow pertenceu, no século 19, ao grupo aristocrático de escritores chamados de “Brahmins”, sendo a maioria deles pertencente a tradicionais e ricas famílias de Boston. No geral, conforme informa Peter B. High,1 esse grupo admirava a literatura inglesa, cujos autores muitas vezes não só o influenciavam, mas eram por ele imitados literariamente. Esses escritores norte-americanos viam Boston como “o centro do pensamento americano do próprio planeta.”2 Reuniam-se num espaço chamado “Saturday Club”, e se encontravam uma vez por mês num sábado.
                   Os”Brahmins’ eram o alvo da admiração dos estrangeiros cultos. Do grupo faziam parte, além de Longfellow, Hawthorne, O.W. Holme, J. G. Whittier, James Russell Lowelll e os conhecidos historiadoesr Prescott e Motley. O grupo fundou uma revista, a Atlantic Monthly, que teve forte influência na vida intelectual da época em Boston, e durante pelo menos três décadas, foi a publicação de maior penetração nos Estados Unidos.3
                  Longfellow, durante muito tempo,foi um poeta querido e admirado e amado pelos leitores. Foi o primeiro poeta americano a viver de poesia. Seus poemas são simples na forma e até no pensamento. Seus versos diziam o que o povo comum queria ouvir de um poeta. Nada de interiorizações ou formas sofisticadas de construção poética. Veja-se como ele definia a vida: “A vida é verdadeira! A vida é séria!/E o sepultura não é seu objetivo último...”4 Entre os temas de sua poética, se encontram a perserverança, a transitoriedade da vida, a melancolia
                 Era otimista, direto, prático, patriota, admirador do otimismo e do trabalho árduo do seus compatriotas. da vida saudável. Os críticos lhe reprovam falta de originalidade. Mas, recorrendo a uma afirmação do ensaísta Peter B. High, Longfellow, expressava o ideal do homem comum americano daquele século.Pouco importa a crítica que se lhe fazia e tem razão High quando assinala que Longfellow sabia aproveitar o material colhido graças ao conhecimento literário que tinha de várias línguas europeias, como o alemão, o holandês, o finlandês.5 Essa culpa não se lhe pode imputar. Haja vista o caso de Shakespeare, que se aproveitara frequentemente de material fora de sua imaginação para o tornar obra-prima . Manuel Bandeira (1886-1968) foi outro poeta por vezes criticado por alguns críticos que nele alegavam falta de originalidade. Até Da Costa e Silva(1885-1950) o foi.          Dessa pecha sofrem muitos poetas que, por serem demasiado cultos, produzem obra cheia de citações e alusões, as quais são por vezes mal interpretadas como carência de criatividade.
Longfellow, entre outras produções poética, deixou: Evangeline (1847); Hiawatha (1855) e The Courtship of Miles Standish (1858 ). Veja-se, abaixo, a tradução de “Morituri, Salutamos”:
 

“Morituri, Salutamos”


..................Ah, nothing is tôo late
Till the tired heart shall cease to palpitate.
Cato learn ed Greek at eighty; Sophocles
Wrote his grand Oedipus, ad Simonides
Bore off the prize from his compeers,
When each had numbered more than foourscore years, --
And Teophrastus, at fourscore and ten,
Had but begun his “Characters of Men”.
Chaucer, at Woodstock with the nightingales,
At sixty wrote the Canterburt Tales;
Goethe at Weimar, toiling to the last
Completed Faust when eihty years were past.
These arae indeeed exceptions; but the show
How far the gulf stream
Of your youth may flow
Into the Artic regions of our lives,
Where little else than life itself survivees.
Whatever poet, orator, or sage
May say of it, old age is still old age.
It is the waning, not the crescent moon;
The dusk of evening, not the blaze of noon;
It is not strength, but weakness; not desire
But the surcease; not thr fierce heat of fire,
The burning and consuming element,
But that of ashes and of embers spent,
In which some living sparks we still discern,
Enough to warm, but not enough to burn.
What then? Shall we sit idly down and say
“The night hath come, it is no longer day”?
The night hath not yet come; we are not quite
Cut off from labor by the failing light;
Something remains for us to do or dare;
Even the oldest tree some fruit may bear;
Not Oedipus Coloneus, or Greek Ode,
Or tales of pilgrims that one morning rode
Out of the gateway of the Tabvord Inn.
But other somehting , would we but begin;
For age is opportunity no less
Than youth itself in another dress,
And as the evening twilight fades away
The sky is filled with stars, invisible by day.6

 

“Morituri Salutamos”

................. Ah, nada é tarde demais
Até que o coração, cansado, cesse de pulsar.
Aos oitenta anos Catão grego aprendeu; Sófocles
Escreveu seu Édipo e Simônides
Conquistaram a admiração de seus pares
Quando ambos contavam mais de oitenta anos;
E Teofrasto, nonagenário,
Havia iniciado seu Caracteres dos Homens
Chaucer, em Woodstock, junto aos seus rouxinóis,
Escreveu, sexagenário, os Contos de Canterbury;
Em Weimer, Goethe, mourejando até ao derradeiro instante,
Concluiu o Fausto quando passadas oitenta primaveras.
Sem dúvida, são exceções; porem, provam
Até que ponto se prolonga o fluxo criativo na juventude
Em direções às regiões árticas de nossas vidas,
Nas quais pouco mais sobrevive do que a própria vida.
Seja qual for o poeta, orador ou sábio
Que sobre ela fale, a velhice é ainda a velhice.
Não é ela a lua crescente, mas a decrescente;
Não é o brilho do meio-dia, mas o crepúsculo da tarde;
Não a força, mas a fragilidade; não o desejo,
Mas a cessação; não o calor medonho do fogo,
O elemento candente e devastador,
Mas aquele consumido pelas cinzas e brasas,
Por entre as quais algumas fagulhas persistem visíveis,
Suficientes ainda para aquecer, porém incapazes de queimar.
O que, então, fazer-se? Devemos sentar-nos indolentemente e dizer:
“A noite chegou, o dia já se foi?”
A noite está chegando; não estamos ainda
Ao cair da noite desobrigados do trabalho
Alguma coisa nos resta para fazer ou ousar;
Até mesmo a árvore mais velha algum fruto pode dar.
Não é o Édipo Coloneus, ou a Ode grega,
Ou os contos dos peregrinos que, certa manhã, saíram
Pelos portões da Estalagem do Tabardo,
Porém, outras coisas mais que mal havíamos começado;
Porquanto a velhice é oportunidade não menor
Do que a juventude com roupa diferente.
E, à proporção que a tarde vai morrendo,
O firmamento se nos desvela prenhe de estrelas, invisíveis à luz do dia.

 


NOTAS:

1HIGH, Peter B. An outline of American literature. New York: Longman, 2002, p.61.
2 Idem, ibidem.
3 Idem, p.62.
4 Idem, p.59.
5 Idem , p.61. Para outros dados contidos neste artigo, consultar também SKIPP, Francis E. American literature. Barron’s EZ-101 study keys. Hauppage, New York: Barrons’s Educational Series Inc., 1992, p..34.
 6. O poema "Morituri Salutamos" foi extraído da obra de SCHORSKE, George. The new applied English grammar.  2nd vol..  Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1942. V Parte: Outlines of English  literature.. Ver  p. 245-246.