Um circo de rock com tons de blues
Por Décio Torres Cruz Em: 31/03/2024, às 21H15
[Décio Torres Cruz]
A literatura baiana para adolescentes e jovens adultos tem produzido muitos bons resultados e alguns autores como Breno Fernandes, Saulo Dourado (prosa) e Fábio Bahia (poesia concreta) têm feito bastante sucesso nacionalmente com trabalhos brilhantes. Além desses autores que possuem livros adotados e estudados em escolas Brasil afora, há, também, um tipo de texto que enfoca esse público, não pelo viés do bom-mocismo escolar, mas daquele de seres irreverentes (“bad boys” rebeldes sem causa que vivem à margem da sociedade) e que também deveria fazer parte das leituras escolares.
Rock circus (P55, 2022), de Dênisson Padilha Filho, é um conjunto de histórias narradas sob a perspectiva de um garoto inominado. Inicialmente concebidas pelo autor para serem contos independentes, as histórias se entrelaçam, formando uma unidade (de personagem, tempo, tema e ação) e formam um conjunto de narrativas que pode ser definido como novela ou um pequeno romance para jovens. Embora as histórias possam se passar em qualquer metrópole do mundo, elas têm como cenário a cidade de Salvador, mais especificamente, a região da Pituba e adjacências, no início dos anos 80.
O texto da orelha nos informa que o livro trata de “delinquentes juvenis, prostituição, sexo escondido, timidez, paixão de adolescentes, orfandade, e alguma pitada de rock underground”. Mas há muito mais do que isso nas suas 75 páginas. Há um adolescente perdido entre jovens de sua própria turma e adultos (membros da sua família, ou prostitutas e travestis), tentando se descobrir e entender a vida através de acontecimentos do cotidiano, em conversas com amigos, na solidão de uma praia deserta quando descobre que “estar só é [sua] casa”, ou em noites insones e filosóficas; as descobertas: do abandono do pai; de sua primeira paixão não correspondida por uma prostituta que desconhecia seus sentimentos. Há uma mãe que faz de tudo para criar um filho sozinha, com suas preocupações econômicas e amorosas, sofrimentos e tristezas (compartilhados ou não com o filho), e suas dificuldades de entender o seu mundo e o do adolescente; os namorados da mãe e como ela se punha bonita para eles; um tio antiecológico que adora matar passarinho com espingarda e que exige do sobrinho decisões sobre assuntos que ele ainda nem pensara; e há os componentes da turma do protagonista (Bugre, Alemão e Zarolho), suas richas e disputas de força e as descobertas sexuais voyeurísticas do grupo e sua inocente relação com profissionais do sexo que transitavam pelo espaço da turma, compartilhando de seus sofrimentos e diversões, sem se envolverem romântica ou sexualmente com nenhum deles. Há, ainda, as injustiças do preconceito dissimulado (por membros da sociedade baiana) contra travestis, mesmo quando uma delas impede o roubo de uma bicicleta de um garoto; a visita de baleias na praia e denúncias veladas de crimes ambientais; e um show de rock num circo, que dá título ao livro. Tudo isso vem misturado à poesia da linguagem do autor (inclusive nos títulos de alguns contos/capítulos) e que passeia por uma cidade que se perdeu, atraindo o leitor para os amores, paixões e humores juvenis e uma revisita a um passado nosso e de uma metrópole que se transfigurou ao longo de décadas, como acontece com todas elas. Este livro pode ser visto como um canto à inocência perdida não só da juventude, mas, também, dessa cidade e de todas que constituem o nosso planeta.
O livro (físico ou e-book) pode ser pedido diretamente do site da editora P55.
Sobre o autor
Dênisson Padilha Filho (1971) é escritor de ficção e Mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA. É autor de Rock Circus (P55 Edição, 2022, contos), Um Chevette girando no meio da tarde (Mondrongo, 2019, contos), Eram olhos enfeitados de Sol (Penalux, 2017, novela), Trilogia do asfalto (P55 Edição, 2016, contos), O herói está de folga (Kalango, 2014, contos), Menelau e os homens (Casarão do Verbo, 2012, contos e novelas), Carmina e os vaqueiros do pequi (2003, romance) e Aboios celestes (1999, contos). Manteve em seu blog, entre 2014 e 2016, a Coluna CONTO AFORA, em que reuniu mais de 40 escritores/as da América Latina. Participou de algumas antologias e tem textos publicados em diversas revistas literárias. Foi vencedor do Prêmio Internacional Cataratas de Contos – 2015. Em 2023, seu conto Da própria carne foi adaptado para quadrinhos (Jacuype Comics/P55 Edição), o que resultou na HQ Consumido.