TROPEL DE GIGANTES: MARTIM CERERÊ -
CASSIANO RICARDO

 

 

 

 

TROPEL DE GIGANTES

Cassiano Ricardo

 

E a vila que se fundara

por trás do muro da Serra

(a princípio eram só três)

Logo é um covil de Gigantes.

A cavaleiro do mato,

que é o sertão de Nunca Dantes.

Felpudo, trancando a Terra;

e espesso, na manhã clara.

E os Gigantes, nunca vistos,

e seus filhos numerosos,

nascidos no alto da Serra,

têm nomes tão sugestivos

que lembram caricaturas

de suas próprias figuras.

 

Quem são eles? quais seus nomes?

Os Sardinhas, pai e filho.

Os três Fernandes: André,

Domingos e Baltazar.

Botafogo, André de Leão

de juba atirada ao vento.

Outro se chama Raposo,

feroz, calçudo, briguento.

(Raposo, para entrar no mato,

assina logo um contrato

com a morte, o seu testamento.)

Manuel Preto que, de preto,

só tem o nome, dá a ideia

de ir deixando tudo preto.

Borba Gato lembra um gato

rajado de ouro, que salta

no peito de um Moribeca,

à hora certa, em pulo exato.

Fernão é o gigante louro

que, em vez de caçar o bugre,

vai é à caça da esmeralda.

Anhanguera é o Diabo Velho

carantonha verde-crua,

que tem um olho de sol

e outro, branco, como a lua.

E o Gago? e o Tumurucaca?

E o rude Pascoal Moreira

fronteiro do mato em grosso?

E o Pay Pirá? e o Caga-fogo

De sobrancelha vermelha?

 

E Domingos Jorge Velho

de colar negro ao pescoço?

E o Manco e o Jaguaretê?

E o Polaio? e o Pé de Pau?

E o Apuçá? o Bixira, e “El Tuerto”?

E o Negro, “Tuerto de um Ojo”

que irá surrar o espanhol?

 

E uns após outros, faiscantes

“nós nunca fomos vassalos!”

Formando uma nova gente,

que o mundo não tinha visto

antes e depois de Cristo,

partem, com as suas bandeiras

que são grupos aguerridos

de brancos, índios e pretos,

todos nascidos, de novo,

no sangue de um mesmo povo,

cada um valendo por três,

ou todos de uma só vez,

partem levando nas botas

um barulhão matutino

para o mais vário destino...

 
RICARDO, Cassiano. Martim Cererê (o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis). 13.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974: 58-59.