ELMAR CARVALHO

O empresário Cristino Mapurunga, dono da maior revenda de carros de Fortaleza, além de outras empresas do grupo que levava o seu sobrenome, era exigente, severo nas punições e não admitia o que considerava traição ou infidelidade de seus empregados. Era reservado, discreto, um tanto frio, e não deixava transparecer seus sentimentos e emoções. Mesmo quando repreendia algum empregado, não alterava seu tom de voz, conquanto as palavras pudessem ser ferinas e humilhantes. Porém sabia promover e incentivar os que, como ele dizia, “vestiam a camisa da empresa”.

 

Seu superintendente e homem de confiança era Geraldo Dias Carneiro, seu amigo desde os tempos juvenis e colega no curso de Administração de Empresas. Por coincidência, Geraldo fazia aniversário três dias antes de sua mulher, de sorte que Cristino comprou dois telefones celulares de última geração ou top de linha, do mesmo modelo, que mostravam na tela a pessoa com quem se falava, além de terem várias outras funções, que não vem ao caso especificar. Chamou Geraldo à sala da presidência, pelo interfone, e lhe deu o mimo. Fez-lhe várias recomendações e anunciou que iria a São Paulo, a negócio.

 

O superintendente, para lhe demonstrar alegria, foi logo mudando o chipe de seu velho celular para o novo, e o inaugurou telefonando, claro, para o patrão. Viu a imagem do chefe na tela, a lhe responder, e lhe exibiu o visor para que ele se visse. Ao chegar em casa, Cristino entregou o presente para a mulher, e lhe ensinou a usar o aparelho, nas funções mais básicas. Informou-lhe que iria viajar a negócio, mas que na quinta-feira já estaria de volta, para a comemoração de seu aniversário.

 

Na quinta-feira, conforme dissera, Cristino já estava de volta a Fortaleza, ainda na parte da manhã. Quando chegou a sua residência, perto das sete horas, sua mulher ainda estava a dormir. Marta não trabalhava, e sua única preocupação era cuidar da decoração da casa, comprar roupas e calçados, e malhar, para manter o seu belo e jovem corpo em forma. O empresário resolveu passar a manhã em casa, a pretexto de descansar do enfado que dizia estar sentindo. Mas às 14 horas seguiu com seu motorista para a sede de seu grupo empresarial.

 

Logo ao chegar, interfonou para Geraldo. Este ficou certo de que o seu patrão e amigo ia contar-lhe as novidades da viagem e lhe dar instruções sobre os negócios que fizera. Após os cumprimentos, sentou-se na cadeira de costume, perto da grande mesa do empresário. Este abriu sua pasta de couro, e disse que ia lhe fazer uma surpresa. Numa rapidez impressionante, Cristino desfechou três balaços contra o coração de Geraldo. A morte foi instantânea. O revólver tinha silenciador e ninguém ouviu nenhum barulho, até porque Cristino dissera à secretária que desejava conversar a sós com o homem de sua confiança, sem interrupção. O empresário ligou para o chefe de sua assessoria jurídica. Quando o advogado Celso Furtado Coelho chegou, expôs-lhe a tragédia, e disse que desejava seguir com ele para se apresentar ao delegado do distrito, e assim evitar a prisão em flagrante.

 

Relatou à autoridade policial como praticara o delito e por que o fizera. Disse que desconfiava de que sua mulher o estava traindo, por causa de um telefonema anônimo que recebera. Disse que fora acostumado a não aceitar traições, sobretudo das pessoas que lhe eram mais próximas. Por essa razão, para ter a certeza e a prova, comprara dois telefones celulares, nos quais mandara colocar um programa especial de gravação de telefonemas, tanto da imagem como da voz. Disse que ficara chocado com o que vira e ouvira no telefone de sua mulher e no de seu amante.

 

No dela, ao verificar o que fora gravado, assistira o amante dizer frases de forte conteúdo erótico e, em descarado exibicionismo, ostentar o membro sexual em estado de ereção, enquanto os dois combinavam o horário e o local do encontro. No telefone do amante, ouvira Marta dizer frases lascivas, despudoradas, enquanto acariciava a genitália, simulando uma masturbação. Como prova cabal do que dissera, entregou ao delegado os dois telefones; o de Marta, sua mulher, que pegara ao sair para o trabalho, e o de Geraldo Dias Carneiro, seu empregado de confiança, que retirara do bolso de sua camisa manchada de sangue. Achou por bem não contar ao delegado que já passara essas gravações para o seu computador, antes de vir apresentar-se. Ficara louco, transtornado, e por isso matara o seu melhor amigo. O delegado tomou sua confissão por termo, que naturalmente seria usada como atenuante pela defesa. Ainda pensou em perguntar porque ele optara em matar o amigo, e não a mulher, que poderia continuar a ser infiel, mas por causa do abominável politicamente correto resolveu recolher a sua curiosidade.

 

O que Cristino Mapurunga não revelou, e jamais revelaria, é que ele poderia até perdoar a traição da mulher, que era uma fútil, e que já não lhe despertava mais nem a libido nem a paixão, e muito menos o amor, mas jamais poderia perdoar a traição de seu amigo e amante, a quem cobria de dinheiro e carinho na alcova luxuosa do apartamento em que se enclausuravam. Não podia admitir que tudo não passara de mentira, dissimulações e talvez asco disfarçado por parte do homem a quem matara.