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[Bráulio Tavares]

Por que motivo uma obra literária tem que ser traduzida cinco, dez, vinte vezes? A explicação mais à mão é que as traduções anteriores não ficaram boas, e é preciso superá-las, fazer algo melhor. Esse “melhor”, contudo, nunca é unânime. Um livro tido como intraduzível como o Ulisses de Joyce já tem três traduções brasileiras, as de Antonio Houaiss, Bernardina Pinheiro e Caetano Galindo. Cada uma é uma maneira diferente de contar a mesma história.  As anteriores não são boas? Por que não? São apenas maneiras diferentes de dizer. Há leitores, inclusive, para quem o capítulo “X” ficou melhor na tradução de Fulano e o “Y” na de Sicrano. Questão de afinidade com certos estilos, certas propostas linguísticas.

Li uma matéria (http://nym.ag/d20hEK) sobre numa recente tradução em inglês de Madame Bovary, feita por Lydia Davis, que já traduzira Proust (Du coté chez Swann). Flaubert era um perfeccionista neurótico, obsessivo. É lícito imaginar que se ele folheasse qualquer tradução de um livro seu cairia ciscando. Para que traduzir um autor assim? Cada tradutor imagina que entendeu a intenção dele e é capaz de reproduzi-la em sua própria língua. E, afinal, a prosa é mais maleável do que o verso. Traduzir um romance é como fazer a versão de uma canção com licença para mudar a melodia.

Lydia Davis reclama da mania dos tradutores de colocarem coisas que não havia no original. Mostra uma página cheia de marcas a lápis e diz: “São coisas que o tradutor inglês adicionou: ‘dawdled’, ‘slowly’, ‘for their meeting’, ‘pirouetting’, ‘thronging’...” Palavras adicionadas para “esquentar” uma descrição ou para ajudar o leitor a entender melhor o trecho. Ela parece ser da Escola Caxias de Tradução: a editora Viking a fez redigir uma introdução onde explica uma porção de detalhes como letras maiúsculas inexplicáveis, ou tempos de verbo que não batem entre si. Estão no original, e ela insiste em reproduzi-los assim.

Isto é certo? É errado? Michael Dirda, citado na matéria, dizia que se a gente sacudir as páginas de Madame Bovary não cai nada. Que tradução humana pode dizer o mesmo? Temos o direito de tirar o que tinha, botar o que não tinha, com a mera intenção de dizer o que o autor disse? Podemos corrigir as incoerências ou discrepâncias do autor? É certo desmanchar um parágrafo inteiro e refazê-lo de outra forma, porque não está no espírito da língua portuguesa dizer as coisas daquele jeito? Ninguém sabe a resposta, porque resposta não existe, existe somente a necessidade de continuar tentando, e que cada tradução, longe de apenas “superar” as anteriores, aprenda algo com elas.